sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Nigéria ataca casa do líder do povo de Biafra

Numa verdadeira operação de guerra, com 100 blindados e sete caminhonetes Hilux, as forças de segurança da Nigéria invadiram ontem a casa de Nnamdi Kanu, o líder do Povo Indígena de Biafra (IPOB). Pelo menos 15 pessoas teriam sido mortas.

Kanu, seus pais e seus filhos estão desaparecidos, denuncia um movimento pela independência que ressurge 50 anos depois do início da Guerra de Biafra (1967-70), uma das guerras civis mais trágicas da África, com cerca de 1 milhão de mortos, grande parte de fome.

"Eles arrombaram a casa do nosso líder em Ibeku Umuahia, no condado de Afaraukwu, às 13h30" (9h30 em Brasília), declarou a porta-voz do IBOP, Emma Powerful. "A operação conjunta do Exército da Nigéria, da polícia e do serviço secreto, e até mesmo da defesa civil, invadiu a casa de Nnamdi Kanu e matou vários partidários nossos na frente da casa do líder."

Os soldados chegaram na região 48 horas depois de um confronto entre partidários do IPOB e o Exército no domingo e cercaram a casa de Kanu. "Agora, não sabemos onde estão nosso líder, Mazi Nnamdi Kanu, e sua família, inclusive seu pai, sua mãe e seus filhos", acrescentou a porta-voz.

"A invasão do foi liderada pelo general de exército Muhammadu Buhari", o presidente nigeriano, "sob a supervisão do general de divisão Tukur Yusuf Buratai", comandante do Exército, "e de seu exército de ocupação", protestou o (IPOB). "Eles mataram muitos partidários nossos que estavam com o líder Mazi Nnamdi Kanu e levaram os corpos."

Antes de deixar a localidade, um grupo de soldados invadiu a sede da Federação dos Jornalistas da Nigéria no estado de Abia, destruiu computadores e outros objetos de valor. Os soldados estariam tentando destruir fotos e imagens que teriam sido feitas durante a operação.

"A missão conjunta chegou em veículos blindados, com armas sofisticadas. Ficaram atirando esporadicamente durante três horas e meia.

Depois da euforia inicial com a independência, em 1960, os desequilíbrios econômicos regionais, tribais e religiosos desencadearam uma série de conflitos. A fraude nas eleições de outubro de 1965 levou a um colapso da ordem pública no Leste da Nigéria.

Em janeiro de 1966, um grupo de jovens do povo ibo tentou dar um golpe de Estado, matando o primeiro-ministro Balewa e dois governadores regionais. A tentativa do general Johnson Aguiyi Ironsi de abolir as regiões e impor um governo unitário causou violentos protestos contra os ibos no Norte.

Em julho de 1966, um grupo de oficiais do Norte da Nigéria deu um contra-golpe. Ironsi foi assassinado. O coronel Yakubu Gowon tomou o poder. Uma série de massacres interétnicos, em outubro de 1966, agravou a situação. O Sul, rico em petróleo, ameaçava se separar.

Numa última tentativa de manter a paz, o governo militar dividiu as quatro regiões do país em 12 estados, enquanto a Assembleia Consultiva do Leste autorizava o coronel Odumegwu Ojukwu a criar uma república independente.

GUERRA CIVIL
Em 30 de maio de 1967, Ojukwu declarou a independência de três estados do Leste, fundando a República de Biafra com o apoio da França. O governo federal da Nigéria, apoiado pelo Reino Unido, rejeitou a independência de Biafra.

Os combates, iniciados em julho de 1967, logo degeneraram numa guerra civil total. Os ibos cruzaram o Rio Níger, tomaram a cidade de Benin e marchavam rumo a Lagos quando foram detidos na cidade de Ore. Em seguida, o contra-ataque federal chegou a Enugu, a capital de Biafra.

FOME EM MASSA
Os próximos dois anos foram marcados pelo cerco e a paulatina redução do enclave de Biafra, com pesadas perdas entre a população e uma fome em massa. As imagens dos ibos de Biafra morrendo de fome são comparáveis às que o mundo veria em Bangladesh em 1971, na Etiópia em 1984 e na Somália em 1992.

Quando Biafra estava reduzida a um sexto de seu território, sem munição e sem comida, em 24 de dezembro de 1969, as tropas federais lançaram o assalto final. Em 15 de janeiro de 1970, depois da fuga de Ojukwu para a Costa do Marfim, Biafra se rendeu.

PACIFICAÇÃO
Mais de um milhão de pessoas foram mortas no mais sangrento conflito tribal da História da África antes da guerra civil na República Democrática do Congo, onde se estima que 5,4 milhões de pessoas morreram entre 1996 e 2002, na chamada Primeira Guerra Mundial Africana, que reuniu nove exércitos e centenas de grupos armados irregulares.

Por mais sangrenta que tenha sido a guerra civil de Biafra, a pacificação é considerada um modelo para acabar com guerras tribais na África. Se houvesse massacres e assassinatos em massa, talvez Biafra tivesse até hoje um grupo guerrilheiro.

Ao anunciar a vitória, o agora general Gowon declarou que “não há vencedores nem vencidos” e prometeu: “Eu solenemente repito nossas garantias de anistia geral para todos os que foram enganados a participar da rebelião. Eu garanto pessoalmente a segurança de quem se submeter à autoridade federal”.

Não foram permitidas retaliações de jovens oficiais que queriam se vingar nem exigidas compensações dos ibos. Não foram dadas medalhas e condecorações aos vencedores.

“Como resultado da guerra, acredito que a Nigéria aprendeu que um movimento político etnocêntrico não seria viável”, admitiu Emeka Ojukwu, líder da revolta e presidente de Biafra, em entrevista ao jornalista americano Blaine Harden, autor do livro África: despachos de um continente frágil, que aponta a Nigéria como uma das grandes esperanças da África negra.

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