O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, considerou hoje "impertinentes" as declarações do ministro das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Celso Amorim. O chanceler pediu um "gesto positivo" do caudilho venezuelano em relação ao Senado, que o ex-coronel golpista chamou de "papagaio dos Estados Unidos", depois que os senadores lhe pediram que reconsiderasse o fechamento da Radio Caracas Televisión (RCTV).
Mais uma vez, Chávez ameaçou retirar a proposta de associação da Venezuela como membro pleno do Mercosul se os parlamentos do Brasil e do Paraguai não aprovarem a adesão em três meses. Ele atribuiu as dificuldades a setores de "direita" no Brasil e no Paraguai.
"A Venezuela não tem nada de que se desculpar. É o Congresso do Brasil que tem que se desculpar por imiscuir-se nos assuntos internos da Venezuela. O chanceler Amorim via o mundo ao contrário", disse Chávez num discurso. "Se o governo ou o Congresso do Brasil insistem em que a Venezuela tem de apresentar uma desculpa, então não entraríamos no Mercosul", ameaçou Chávez.
Ao dar um ultimato ao Congresso Nacional, o caudilho torna praticamente impossível um recuo do Senado: "Se dentro de uns três meses [a adesão da Venezuela] não for aprovada, nos retiraremos por dignidade porque consideramos isso uma falta de respeito. Não há nenhuma razão para que o Congresso do Brasil bloqueie", argumentou Chávez. Ele não conhece o Congresso Nacional.
A diplomacia brasileira certamente sabia que Chávez não é de pedir desculpas. O governo Lula mudou o tom em relação ao líder venezuelano: de companheiro a caudilho. Se o chanceler Celso Amorim falou grosso, deveria esperar uma resposta dura de Chávez.
Uma explicação dos analistas é que a Venezuela estaria relutando em adotar a tarifa externa comum da união aduaneira imperfeita do Mercosul. Numa união aduaneira, os países-membros cobram as mesmas tarifas sobre importações de fora do bloco.
Os industriais venezuelanos, temendo a concorrência do Brasil e da Argentina, que têm economias muito mais desenvolvida, estariam pressionando Chávez. No mesmo discurso em que atacou o Brasil, o presidente da Venezuela prometeu proteger a economia de seu país.
Em comentário na manhã desta quarta-feira na rádio CBN, a jornalista Míriam Leitão assinalou que o maior problema hoje é que a Venezuela não cumpre mais a cláusula democrática do Mercosul. Na sua opinião, esta é uma questão muito mais séria do que o bate-boca entre Chávez e o Senado.
Apesar de ter vencido todas as eleições desde 1998, Chávez domina todas as instituições venezuelas, está reescrevendo a Constituição da República Bolivarista da Venezuela e violou a liberdade de expressão, ao não renovar a licença da principal televisão venezuelana, a RCTV.
Como diz a máxima do filósofo liberal francês do século 18 Jean-Baptiste Voltaire - "Discordo de tudo o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de que o digas" -, a liberdade de expressão é uma pedra fundamental da democracia liberal. E já que Chávez se declara socialista, deve conhecer a máxima da militante comunista polonesa Rosa de Luxemburgo: "Liberdade é o direito que damos aos outros de fazer aquilo com o que não concordamos". Caso contrário, não é liberdade. Mas o caudilho venezuelano não gosta de ser contrariado.
Há também uma competição evidente entre Lula, o retirante e operário que chegou ao poder no maior país da América do Sul, e Chávez, o coronel golpista com idéias nacionalistas e e agora socialistas, pela liderança da esquerda na América Latina. Os projetos são incompatíveis.
O Brasil de Lula busca uma inserção competitiva na economia globalizada; Chávez quer construir o "socialismo do século 21. Sua pregação antiliberal, antiamericana e anticapitalista é um peso para o Mercosul, capaz de ofuscar a importância da Venezuela na América do Sul.
A União Européia sinalizou claramente, ao propor uma "parceria estratégica" com o Brasil, que a negociação bloco a bloco com o Mercosul de Chávez não avança.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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