Sob pressão de um ultimato do governo Donald Trump, o presidente Volodymyr Zelensky esta prestes a anunciar a abertura de inquérito sobre os negócios de Hunter Biden, filho do ex-vice-presidente Joe Biden, na Ucrânia quando estourou o escândalo que pode levar ao impeachment do presidente dos Estados Unidos.
Zelensky faria a revelação bombástica para atingir o favorito para ser o candidato do Partido Democrata à Casa Branca na eleição presidencial de 2020 em entrevista ao jornalista Fareed Zakaria, na rede de televisão CNN.
Para pressionar o novo presidente ucraniano, um comediante sem experiência política, Trump segurou uma ajuda militar de US$ 391 milhões, vital para o país, que enfrenta uma guerra indireta da Rússia nas províncias de Luhansk e Donetsk.
Trump queria que Zelensky anunciasse publicamente a investigação sobre Joe e Hunter Biden e uma suposta interferência da Ucrânia na eleição presidencial de 2016. Trump tenta usar a Ucrânia como contraponto à flagrante interferência da Rússia em apoio à sua candidatura, como comprovou o procurador especial Robert Mueller, sem encontrar provas de conluio da campanha com o Kremlin.
Seria munição para a campanha de 2020, que já começou. Como vice-presidente no governo Barack Obama, Joe Biden participou de um grupo de combate à corrupção na Ucrânia e pressionou para derrubar um procurador-geral leniente com a corrupção.
Numa total inversão da realidade, Trump tenta ligar a queda do procurador-geral corrupto a uma investigação que nunca existiu sobre Hunter Biden. Embora haja um possível conflito de interesses quando o filho do vice-presidente dos EUA sai pelo mundo a fazer negócios, os filhos de Trump fazem isso todo o tempo e não há indícios de irregularidades dos Biden.
Nenhuma Justiça que se preze abre investigação sem um fato com suspeita de crime.
A entrevista estava marcada para 13 de setembro. Pouco antes, a ajuda militar à Ucrânia foi liberada e estourou a notícia de que um soprador de apito, um agente de inteligência dera o alerta de que o presidente havia comprometido a política externa e a segurança nacional dos EUA num telefonema a Zelensky em 25 de julho.
O presidente usou a política externa e a estrutura do governo dos EUA, aliado a uma potência estrangeira, para atacar um adversário político interno. Trump e seus corregilionários querem descobrir a identidade do agente que denunciou o escândalo. Mas já foram revelados trechos da conversa telefônica em que o presidente americano pede "um favor" ao ucraniano.
Há dois dias, no início das audiências públicas na Câmara dos Representantes do processo de impeachment, o embaixador dos EUA na Ucrânia, William Taylor Jr., revelou ter ouvido um telefonema em que Trump perguntou ao embaixador americano na União Europeia, Gordon Sondland, sobre as investigações. Ao desligar, Sondland comentou que o presidente estava mais interessado na investigação do que na Ucrânia.
Ontem, a presidente da Câmara, a deputada democrata Nancy Pelosi, levantou suspeita de que o presidente tenha subornado o presidente ucraniano ao reter a ajuda militar. É um crime de responsabilidade que pode justificar um processo de impeachment.
Sondland, um contribuinte da campanha de Trump que ganhou a embaixada na UE como recompensa, formou com o advogado particular do presidente, o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, um grupo que fazia uma política externa paralela em busca de lama para a campanha eleitoral de Trump.
A Ucrânia era uma das repúblicas onde a União Soviética tinha armas nucleares. Quando todas as armas atômicas soviéticas foram transferidas para a Rússia, os EUA, a Rússia e o Reino Unido assinaram o memorando de Budapeste, dando garantias de segurança à Ucrânia. De 1994 a 1996, a Ucrânia entregou o terceiro maior arsenal nuclear do mundo.
Em 2014, depois da revolta popular que derrubou o presidente Viktor Yanukovic, aliado de Moscou, a Rússia anexou a península da Crimeia e fomentou uma guerra civil dos ucranianos de origem russa no Leste da Ucrânia, violando o Memorando de Budapeste.
O primeiro documento da história da Rússia é uma carta de Vladimir, príncipe de Kiev, adotando o cristianismo como religião oficial. A Rússia Kievana é o primeiro Estado russo. Desta forma, para o nacionalismo russo, se a Rússia nasceu em Kiev, a Ucrânia faz parte da Rússia.
Há outra questão importante. Se os dois países são irmãos, uma Ucrânia democrática e voltada para o Ocidente, para a União Europeia - Yanukovich caiu quando suspendeu um acordo de associação à UE sob pressão do Kremlin - é uma ameaça à ditadura de Vladimir Putin.
A Ucrânia tem seu próprio exemplo, a Polônia. Livre da União Soviética e do comunismo, a Polônia entrou para a UE e se tornou um país próspero e moderno, com uma qualidade de vida invejável para os padrões ucranianos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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