segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Issinbaieva reflete conservadorismo da Rússia

Hoje à noite, dou entrevista ao SporTV News, que vai ao ar a partir das 23h, para falar sobre as declarações da supercampeã de salto com vara Yelena Issinbaieva em apoio à lei que criminaliza a defesa dos direitos dos homossexuais na Rússia.


A Rússia não é exatamente uma democracia. Desde o fim da União Soviética, em 1991, há eleições para a Presidência e o Parlamento, mas o partido do governo e o candidato do Kremlin ganham sempre.

O presidente Vladimir Putin ascendeu ao poder como primeiro-ministro, em 1999, deflagrando a Segunda Guerra da Chechênia, um conflito brutal com total de mortos estimado entre 36 mil e 60 mil pessoas, na maioria civis. Até hoje, a Chechênia é território proibido para jornalistas e ativistas dos direitos humanos.

Para evitar o surgimento de movimentos de libertação nacional como o da Chechênia, Putin acabou com as eleições para governador das 89 unidades administrativas da Federação Russa, repúblicas e regiões supostamente autônomas que seriam o equivalente aos estados brasileiros

Talvez a vítima mais famosa da guerra na Chechênia seja a jornalista Anna Politkovskaya, assassinada em Moscou, num caso nunca resolvido. Desde 1991, cerca de 100 jornalistas foram assassinados na Rússia, mais do que no Brasil, embora nos últimos anos tenham morrido mais no Brasil.

Putin considera o fim da União Soviética a maior catástrofe geopolítica do século 20. O sonho de Putin é restaurar pelo menos um pouco do poder imperial soviético. Ele hostiliza ex-repúblicas soviéticas que se aproximaram do Ocidente como a Geórgia e a Ucrânia. Chegou a cortar várias vezes o fornecimento de gás natural à Europa para punir a Ucrânia, por onde passa o gasoduto. E não perde a oportunidade para fustigar os Estados Unidos, como se viu no caso recente do ex-agente americano Edward Snowden.

Nesse caso, tem razão ao combater o abuso de poder do governo americano, mas Putin não está preocupado com a liberdade de expressão. A organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras o considera um “predador de jornalistas”, ao lado de ditadores como Kim Jong Un, da Coreia do Norte, e Robert Mugage, do Zimbábue.

Com a volta de Putin à Presidência, no ano passado, já que do poder ele nunca saiu, a posição da Rússia no Índice de Liberdade de Imprensa dos RSF caiu de 140 para 148. O Brasil baixou de 58º em 2010 para 109º em 2013 por causa da morte de jornalistas.

Não existe na Rússia a censura prévia judicial como no Brasil, onde há dois anos O Estado de S. Paulo não consegue publicar uma matéria sobre os negócios da família Sarney. Mas o governo russo usa leis contra a difamação e a pornografia para atacar meios de comunicação críticos.

Empresários que financiam a oposição também são perseguidos.

Sob a inspiração da chamada Primavera Árabe, a oposição organizou grandes protestos de massa de dezembro de 2011 a maio de 2012 para denunciar fraude nas últimas eleições parlamentares e presidenciais. Milhares de pessoas foram às ruas enfrentando um frio de até 20 graus abaixo de zero.

A partir daí, na visão de um relatório da organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional publicado em abril, o governo russo declarou guerra à sociedade civil. É nesse contexto que foi aprovada em junho a lei contra o que Putin chama de promoção de homossexualismo, que criminaliza os movimentos de luta pelos direitos dos gays e lésbicas.

O homossexualismo era crime na URSS. No governo Boris Yeltsin (1991-99), houve uma liberalização geral e a descriminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo, em 1993. Sob Putin, há também um regresso generalizado das liberdades públicas.


Desde 1994, os Estados Unidos dão asilo a pessoas perseguidas por serem gays ou lésbicas. O número de pedidos de russos aumenta a cada ano.

Também se pode citar a condenação das roqueiras da banda punk Pussy Riot, que gravaram um videoclip chamado Fora Putin! na Catedral de Moscou. Elas pegaram dois anos de prisão há um ano por “arruaça motivada por ódio religioso”. Isso reflete o autoritarismo e o machismo da sociedade patriarcal e da Igreja Cristã Ortodoxa, que é uma das bases da identidade nacional russa.

Ao apoiar a lei que proíbe o que Putin chama de “promoção do homossexualismo”, Issinbaieva reflete o conservadorismo e o autoritarismo da Rússia.

O movimento gay pode articular pressões sobre os patrocinadores de grandes eventos esportivos como a Olimpíada de Inverno de Sochi, e a Copa do Mundo de 2018. Quase todos são de países ocidentais. Com custo de US$ 40 milhões, os Jogos de Sochi já são os mais caros da História.

Um boicote internacional pode pesar. Putin colocaria a culpa no Ocidente e acusaria a oposição de traição à pátria.

No Campeonato Mundial de Atletismo, realizado em Moscou, quando as atletas russas se beijaram para festejar a vitória no revezamento 4x400, acreditou-se que pudesse ser um gesto de repúdio à lei homofóbica. Elas negaram qualquer conotação política ou sexual.

Russas Tatiana Firova e Ksenia Rijova festejam o ouro

Nenhum comentário: