quinta-feira, 10 de junho de 2021

Alberto Fernández reforça o complexo argentino de Nova Zelândia

 Ao dizer que os mexicanos descendem dos índios, os brasileiros vieram da selva e os argentinos chegaram de barco, citando erradamente o intelectual mexicano Octavio Paz, o presidente Alberto Fernández reforça o que um embaixador chamou de Complexo de Nova Zelândia (ou Austrália). É da música Chegamos nos barcos, do compositor argentino Lito Nebbia.

 Por causa da riqueza que tinham no início do século passado e de uma população majoritariamente branca, a elite argentina se vê como uma ilha branca e europeia perdida nos mares do Sul, cercada por um oceano de negros, índios e mestiços. 

 O racismo de Fernández, um peronista moderado que chegou ao poder indicado pela ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Kirchner, ignora a Argentina de Mercedes Sosa, a cantora de voz inigualável que tinha claramente traços indígenas, assim como Diego Armando Maradona, e que os negros eram 30% a 40% da população de Buenos Aires no século passado. Esquece que os espanhóis também chegaram de navio ao México, com pólvora, cavalos e pestes que destruíram o Império Asteca, e rebatizaram o país como Vice-Reino da Nova Espanha.

 O presidente Domingo Faustino Sarmiento, feroz na sua crítica ao caudilhismo de Juan Manuel de Rosas no livro Facundo, incentivou a imigração europeia para branquear a população e é acusado de promover um "genocídio camuflado".

 Sarmiento segregou a população negra, dizimada por doenças como a cólera e a febre amarela, além de servir de bucha de canhão na Guerra do Paraguai e na "conquista do deserto", a campanha militar para assumir o controle do Sul do país, povoado por indígenas. A palavra deserto sugere que eram terras despovoadas. 

 O tango, a marca registrada da cultura argentina, teria origem africana e mestiça, com raízes no reino africano do Kongo. Era desprezado como inferior pela elite portenha até fazer sucesso em Paris. A palavra sol na língua kikongo é ntango. O poeta, compositor e trovador negro Gabino Ezeiza foi uma espécie de tutor de Carlos Gardel, um dos maiores ícones da cultura argentina. Inseriu a milonga no meio de suas trovas. 

 No censo de 2010, pouco menos de 150 mil argentinos (0,37% da população) se identificaram como negros. Eles enfrentam discriminação. Têm grande dificuldade de serem reconhecidos como argentinos. 

 A declaração de Fernández não ajuda em nada a integração latino-americana no momento em que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, querem esvaziar o Mercosul fazendo acordos comerciais fora do bloco.

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