A apuração ainda não terminou, mas o professor e sindicalista José Pedro Castillo, que nunca ocupou um cargo eletivo, já é matematicamente o presidente eleito do Peru. Com 99,998% das urnas apuradas, Castillo, do partido de extrema esquerda Peru Livre, tem 8.787.891 votos (50,2% dos votos válidos) contra 8.714.822 (49,8%) da ex-deputada de extrema direita Keiko Fujimori, da Força Popular. É uma diferença de 73.069.
Diante da derrota iminente, há dois dias Keiko, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, preso por corrupção e violações de direitos humanos, fala em "fraude maciça" sem apresentar qualquer prova. Ela ganhou na Grande Lima e no litoral, as regiões mais ricas do Peru e saiu na frente no início da apuração.
Castillo passou à frente na manhã de segunda-feira, quando entraram os resultados das zonas eleitorais mais distantes da Cordilheira dos Andes e da Floresta Amazônia, do Peru profundo, de maioria indígena e mestiça. Será o primeiro presidente que não veio da elite limenha.
A esperança de Keiko era um milhão de votos do exterior, onde ela venceu por 66% a 34%. Com o fim da apuração dos votos do exterior hoje de manhã, Castillo se declarou vencedor.
O presidente eleito é conservador nos costumes. É contra o casamento gay e o ensino de questões de gênero nas escolas. Em economia, está claramente à esquerda. Quer renegociar os contratos com as mineradoras e convocar uma Assembleia Constituinte para mudar a ordem econômica e aumentar a presença do Estado.
Sua vitória pode significar o fim das ambições presidenciais do fujimorismo. Será mais um teste para o pensamento econômico de esquerda na América Latina. Castillo recebeu um país que tem a maior taxa de mortalidade por covid-19 e sofreu uma queda de 11% no produto interno bruto no ano passado, com aumento da pobreza de 20% para 30%.
É a segunda eleição na América Latina em que se expressa uma revolta popular contra o fracasso do governo, do sistema político e do Estado no combate à pandemia, a exemplo da derrota da aliança de direita liderada pelo presidente Sebastián Piñera nas eleições para a Assembleia Constituinte no Chile.
No caso peruano, as elites fracassaram. Os partidos tradicionais, que haviam sido destruídos pela ditadura de Fujimori, e os que surgiram depois foram repudiados. Houve um colapso do centro, Castillo foi uma surpresa no primeiro turno e dois extremistas disputaram o segundo turno.
As alegações de fraude de Keiko Fujimori indicam que a elite peruana não vai aceitar facilmente a vitória de Castillo. Keiko vai à Justiça e pedir a impugnação de urnas para tentar mudar o resultado. Sem maioria no Congresso unicameral, o novo presidente terá de negociar e de abrir mão de suas posições mais radicais. É fácil destituir um presidente no Peru. Foram quatro nos últimos quatro anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário