domingo, 12 de janeiro de 2020

Iranianos protestam contra abate de avião e mentiras do regime

Pelo segundo dia seguido, estudantes desafiaram a polícia e protestaram em universidades e em outros lugares do Irã contra a ditadura teocrática dos aiatolás, acusando o governo por derrubar um Boeing 737-800 da Ukraine International Airlines, matando 176 pessoas, e de mentir no primeiro momento sobre a tragédia. Só ontem o presidente Hassan Rouhani admitiu o erro.

Numa universidade, centenas de estudantes se recusaram a pisar em bandeiras dos Estados Unidos e de Israel estendidas no chão por milicianos do grupo paramilitar Bassij, braço da Guarda Revolucionária Iraniana para os atos mais sujos da repressão.

"Eles estão mentido que nosso inimigo é os EUA. Nosso inimigo está aqui", gritavam os universitários iraniano, de acordo com a agência de notícias Reuters. Cartazes com o general Kassem Suleimani, o comandante da tropa de elite da Guarda Revolucionária Iraniana morto em 3 de janeiro por drones americanos, foram arrancados

Em sessão a portas fechadas, o comandante da Guarda Revolucionária, general Hussein Salami, depôs hoje no Majlis, o Parlamento do Irã, para dar explicações sobre o abate do avião de passageiros. Dos mortos, 82 eram iranianos, 63 canadenses, 11 ucranianos, 10 suecos, quatro afegãos, três alemães e três britânicos.

O Boeing da Ucrânia foi derrubado na quarta-feira, 8 de janeiro de 2020, pouco depois de um ataque simbólico de mísseis iranianos contra bases militares do Iraque onde há forças dos EUA, numa retaliação pela morte do general Kassem Suleimani. A defesa antiaérea do Irã esperava um contra-ataque e abateu o avião ucraniano.

Antes da morte do general, havia uma onda de protestos no Irã, iniciada em 15 de novembro por causa de aumentos de até 50% nos preços dos combustíveis. A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional estima que pelo menos 300 pessoas foram mortes na dura repressão da República Islâmica.

A morte de Suleimani favoreceu a linha-dura do regime, mas o abate do avião e as mentiras do governo reacenderam a revolta popular.

O presidente Donald Trump advertiu as autoridades iranianas de que "não pode haver outro massacre de manifestantes pacíficos nem o desligamento da Internet. O mundo está observando. Estamos acompanhando os protestos de perto e estamos inspirados por sua coragem." Mas seu apoio é ruim para os manifestantes, que serão acusados de traidores da pátria.

Nos programas de televisão de domingo com entrevistas ao vivo, o presidente foi desmentido pelo secretário da Defesa, Mark Esper, que negou haver indícios de um ataque iminente preparado por Suleimani. Em comício da campanha para a reeleição, Trump afirmou que várias embaixadas dos EUA, não só a de Bagdá, seria alvo de ameaças. Mais uma mentira.

Em Teerã, manifestantes a favor do regime fundamentalista xiita protestaram diante da Embaixada do Reino Unido para pedir seu fechamento. O embaixador britânico, Rob Macaire, foi preso ontem sob a acusação de participar de um protesto. Ele estava numa vigília pelas vítimas do avião que se tornou em manifestação antigovernamental.

Hoje, o governo iraniano convocou formalmente o embaixador para dar explicações. Macaire alegou ter ido a uma cerimônia em homenagem aos mortos. A União Europeia e o Reino Unido protestaram oficialmente contra a prisão do embaixador, denunciando-a como uma violação do direito internacional e do Acordo de Viena sobre o tratamento de funcionários diplomáticos.

Houve novos ataques de milícias xiitas iraquianas. Oito foguetes foram disparados hoje contra a base aérea de Balade, ao norte de Bagdá, onde há soldados dos EUA. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, qualificou os ataques como "uma violação contínua da soberania do Iraque". Porta-vozes militares do Iraque disseram que quatro iraquianos foram feridos.

Como observou Lourival Sant'Anna no jornal O Estado de S. Paulo, o novo ataque no Iraque pode ser uma manobra do Irã para desviar a atenção dos protestos internos e manter a tensão com os EUA para justificar a repressão diante da ameaça externa.

A única medalista olímpica do Irã, Kamia Alizadeh, anunciou hoje que está abandonando a cidadania iraniana para o governo não explorar seu sucesso para fazer propaganda, noticiou a televisão pública britânica BBC. Ela ganhou uma medalha de bronze no taekwondo na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

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