No fim da Segunda Guerra Mundial, em maio de 1945, a Alemanha foi ocupada e dividida pelos Estados Unidos, a União Soviética, o Reino Unido e a França. Sua capital, Berlim, ficou no setor soviético e também foi dividida em quatro.
Em 1948, para pressionar os aliados ocidentais no início da Guerra Fria, o ditador soviético Josef Stalin decretou o Bloqueio de Berlim, a segunda crise do conflito entre as superpotências, depois de problemas entre o Irã e a URSS, em 1946. Foi uma reação à aprovação do Plano Marshall, que Stalin chamou de “imperalismo do dólar”.
De 24 de junho de 1948 a 11 de maio de 1949, a passagem por terra da Alemanha Ocidental para Berlim Ocidental foi fechada por ordem do Kremlin. Neste período, mais de 200 mil voos levaram 13 mil toneladas de comida e outros suprimentos para a cidade sitiada.
Quando ficou evidente que o bloqueio não estava funcionando e que a ponte aérea era instrumento de propaganda do Ocidente, a URSS suspendeu o cerco. O aeroporto de Tempelhof, em Berlim Ocidental, foi transformado em museu da ponte aérea montada para furar o bloqueio.
Em 7 de outubro de 1949, a República Democrática da Alemanha, a Alemanha Oriental, nascia oficialmente, reunindo cinco estados da parte central da antiga Alemanha: Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, Brandemburgo, Saxônia, Alta Saxônia e Turíngia. Os territórios à margem oriental dos rios Oder e Neisse foram entregues à Polônia para compensá-la pelas terras tomadas pela URSS.
Pelo total de mortos na Segunda Guerra Mundial, 27 milhões de soviéticos e 11 milhões de alemães, foi, acima de tudo, uma guerra entre a Alemanha e a URSS. Stalin aproveitou a ocupação para exigir reparações de guerra.
Em 16 de junho de 1953, o regime comunista alemão-oriental decretou um aumento de 10% na cota de produção dos operarios que construíam uma nova avenida em Berlim Oriental, a Stalinalle, hoje Karl Marx Allee. No dia seguinte, um movimento sindical de protesto se espalhou pelo país levando a uma grave de mais de um milhão de pessoas.
O governo alemão pediu a ajuda da URSS, que usou tanques contra a multidão. Pelo menos 50 pessoas morreram. Cerca de 10 mil foram presas e condenadas pelo Levante de 1953.
Com a ajuda do Plano Marshall, a República Federal da Alemanha, também fundada em 1949, cresceu e se recuperou, atraindo cada vez mais alemães do Leste. Descontentes com a falta de liberdade de oportunidades no regime comunista, cada vez mais eles “votavam com os pés”. Cerca de 3,5 milhões fugiram para o Ocidente.
CONSTRUÇÃO DO MURO
Na noite de 12 para 13 de agosto de 1961, a fronteira com Berlim Ocidental foi fechada. Começava a construção do Muro de Berlim. A cidade se tornava um enclave capitalista.
Durante quase todo o tempo de sua existência, a ordem era atirar para matar em quem tentasse cruzar o Muro de Berlim. Cerca de 200 pessoas morreram tentando fugir (136, segundo um centro de pesquisa de Potsdam que está investigando detalhes dessas mortes). Cerca de 5 mil conseguiram escapar.
A história do Muro está contada no Museu do Check Point Charlie, um dos principais postos de fronteira onde se podia atravessar o Muro. Tem diversos instrumentos usados em tentativas de fuga, inclusive um motor aquático para fugir por baixo da água. Lá, estão as placas do tempo da Guerra Fria, do tipo "Vocé Está Deixando o Setor Americano".
A construção do Muro coincide com um período de elevada tensão na Guerra Fria. Em 15 de abril de 1961, houve a frustrada tentativa de exilados cubanos apoiados pela Agência Central de Inteligência (CIA), a agência de espionagem dos EUA, de invadir a Baía dos Porcos, em Cuba. Isso levaria à tentativa de instalação de mísseis soviéticos em Cuba.
A Crise dos Mísseis (14 a 27 de outubro de 1962) foi o momento de maior tensão da Era Atômica. O mundo nunca esteve tão perto de uma guerra nuclear. Na época, ficou decidido que uma linha telefônica direta ligaria permanentemente a Casa Branca ao Kremlin para desarmar crises mundiais através da comunicação direta. O telefone vermelho começou a funcionar em 30 de agosto de 1963.
No mesmo ano, tanques soviéticos e americanos ficaram frente a frente em posição ameaçadora numa rua de Berlim. Em 26 de junho de 1963, Kennedy fez um famoso discurso Eu Sou um Berlinense diante do Muro: “Todos os homens livres, onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim. Portanto, como um homem livre, tenho orgulho das palavras: Ich bin ein Berliner.”
Para aliviar as tensões e evitar que a Alemanha fosse palco da primeira batalha da Guerra Fria, em 1969, o primeiro-ministro social-democrata alemão-ocidental Willy Brandt lançou sua nova Ostpolitik, política para a Alemanha Oriental, numa tentativa de mudar o regime comunista através da reaproximação, do estabelecimento de laços diplomáticos, econômicos e culturais.
Em 1970, Brandt assinou o Tratado de Moscou, renunciando ao uso da força e reconhecendo as fronteiras da Europa, e o Tratado de Varsóvia, reconhecendo a fronteira polonesa nos rios Oder e Neisse. Em 1972, fechou o controvertido Tratado Básico com a Alemanha Oriental, estabelecendo relações diplomáticas entre os dois países.
ERA GORBACHEV
O Muro começou a ruir com a ascensão de Mikhai Gorbachev à liderança do Partido Comunista da União Soviética, em 11 de marco de 1985. Sua abertura democrática (glasnost) e sua reestruturação econômica (perestroika) foram mal recebidas pelos stalinistas da Alemanha Oriental, liderados por Erich Honecker, um entusiasta do Muro.
Dois meses antes do início da construção, o então líder do partido Walter Ulbricht, negou que seria construído, mas aparentemente mudou de ideia ao receber um telefonema do primeiro-ministro soviético, Nikita Kruschev, em 1º de agosto de 1961.
Em discurso diante do muro em 12 de junho de 1987, outro presidente americano, Ronald Reagan, fez um apelo a Gorbachev para derrubar o Muro.
Em 5 de abril de 1989, na Polônia, o sindicato livre Solidariedade fez um acordo com o regime comunista para participar de eleições, que venceu por maioria esmagadora em 4 e 18 de junho, perdendo apenas duas cadeiras das que pôde disputar.
Em 2 de maio, a Hungria rompeu a Cortina de Ferro. Começou a demanchar a cerca eletrificada na fronteira com a Áustria. Em 23 de agosto, em plenas férias de verão na Europa, todas as barreiras nas fronteiras da Hungria tinham caído.
Cidadãos dos países comunistas da Europa Oriental iam para a Hungria e cruzavam para o Ocidente. Cerca de 13 mil alemães-orientais fugiram via Áustria.
Quando começaram a ser mandados de volta da fronteira por pressão da Alemanha Oriental, invadiram embaixadas da Alemanha Oriental em Budapeste e Praga. O ministro do Exterior alemão-ocidental, Hans-Dietrich Genscher, foi pessoalmente a Praga. Os fugitivos foram autorizados a emigrar para a Alemanha Ocidental
O Muro de Berlim, em sua quarta geração, com blocos de concreto de 4 m de altura, resistia à avalanche democrática. Mas, desde setembro, as manifestações de massa de tornaram frequentes.
Em outubro de 1989, a Alemanha Oriental celebrou seus 40 anos com a presença de delegações dos partidos da esquerda brasileira. Mas o veterano líder linha-dura Honecker, que previra em janeiro que o Muro duraria mais cem anos, foi substituído por Egon Krenz, mais tolerante com a fuga dos alemães-orientais através dos países vizinhos.
Em 4 de novembro, um milhão de pessoas se reuniram na Alexanderplatz, no coração de Berlim Oriental, para pedir a abertura do regime.
Estive lá em 1990 e depois em 1998, na primeira eleição do Schröder, quando a praça já estava tomada pelos ex-comunistas do antigo Partido Socialista Unificado, o partido comunista da Alemanha Oriental, que mudou de nome para Partido Democrático Socialista e se fundiu com dissidentes do Partido Social-Democrata para formar um novo partido, A Esquerda.
O pessoal que realmente iniciou o movimento da sociedade civil pelo fim do comunismo formou a Aliança 90, aliada no Leste dOs Verdes. O partido verde alemão é o mais importante do mundo. Esteve no poder em aliança com o Partido Social-Democrata SPD na coligação verde-rosa, sob Schröder.
Sob pressão da fuga em massa que importunava outros países e dos protestos de rua, em 9 de novembro de 1989, o Politburo do partido comunista decidiu permitir que os alemães-orientais saíssem do país para visitar a Alemanha Ocidental através das fronteiras do país.
Com pouco mais do que uma nota em mãos, o encarregado de dar a notícia, o secretário de Propaganda do partido, Günter Schabowski, foi para uma entrevista coletiva fazer o anúncio. Disse que, pelas novas regras, os alemães-orientais poderiam viajar ao exterior. Bastava apresentar o passaporte na fronteira.
Diante de uma pergunta inesperada de um jornalista italiano, acrescentou que a medida entraria em vigor imediatamente.
Dezenas de milhares de alemães-orientais foram para os postos de fronteira em Berlim para cruzar o Muro. Os guardas não sabiam o que fazer. Ligaram para seus superiores, que não tinham sido informados da decisão confusa do Politburo. Cederam para evitar um banho de sangue como o que acontecera na Praça da Paz Celestial, em Pequim.
Os alemães cruzaram e pularam o Muro em diversos pontos. Tenho amigos que me disseram que, quando voltaram, no meio da madrugada, havia soldados postados ao longo de todo o lado oriental, o que foi interpretado como sinal de que o regime ainda estava em dúvida quanto à abertura total.
No dia seguinte, foi anunciada a abertura de mais 10 pontos de passagem. Antes do Natal, cidadãos das duas Alemanhas podiam viajar livremente entre os dois países.
Em 22 de dezembro, foi aberta a Porta de Brandemburgo, um dos principais pontos de Berlim, local das grandes celebrações de Ano Novo. Do lado oriental, leva à Unter den Linden (Avenida das Tílias), um dos lugares bonitos da antiga Berlim Oriental, onde as paredes dos prédios históricos ainda estava cravejadas pelas balas da Segunda Guerra Mundial.
LOCAIS HISTÓRICOS
Ao lado do Reichtstag, sede do Parlamento Alemão, a Porta de Brandemburgo é o principal símbolo de Berlim, Tem também a igreja da avenida Kurfurtensdam, que foi bombardeada e é mantida em ruínas como memória histórica, e a Coluna da Vitória.
O Mitte (Centro) da antiga Berlim Oriental se tornou um dos bairros mais agitados da festiva noite berlinense, para onde foram os artistas plásticos em busca de aluguéis mais baratos e espaço.
Um dos grandes marcos da reunificação da cidade é a Potzdamerplatz, onde em 1928, foi instalado o primeiro sinal de trânsito na Europa. Durante a Guerra Fria, a Potzdamer Platz sumiu. Ficava na terra de ninguém entre os dois lados do Muro. Ali, foi construído um grande centro comercial, com lojas, cinemas, teatros, restaurantes e galerais de arte para celebrar a Alemanha moderna.
REUNIFICAÇÃO
A queda do Muro foi uma bênção para o chanceler (primeiro-ministro) conservador Helmut Kohl, que governava a Alemanha Ocidental desde 1982, depois de romper uma longa hegemonia do SPD que vinha desde 1969.
Kohl estava mal nas pesquisas, mas o trem da História passou e ele pegou uma carona.
Em 1990, as potências ocupantes renunciaram a todos os seus direitos sobre o território alemão. A URSS saiu fora, e os ocidentais ficaram por causa da OTAN.
Em 3 de outubro de 1990, a Alemanha estava reunificada sob a liderança de Kohl que venceu mais uma eleição. A atual chanceler, Angela Merkel, é do Leste e lidera o partido de Kohl, a União Democrata-Cristã (CDU), que venceu as eleições de 27 de setembro deste ano.
Para conquistar o apoio politico dos alemães-orientais, Kohl cometeu o que é considerado o grande erro econômico da reunificação. No mercado, o marco oriental valia seis vezes menos do que o marco alemão-ocidental.
Numa decisão política, Kohl resolveu converter poupanças, salários e pensões na cotação de um por um. Isso aumentou artificialmente os custos e preços do lado oriental e acabou sendo um obstáculo à absorção do Leste pela Alemanha Ocidental.
A nova Alemanha investiu até hoje 1,3 trilhão de euros na antiga Alemanha Oriental. A taxa de juros subiu para financiar tudo isso, pressionando moedas europeias mais fracas, como a lira e a libra, que sofreram fortes desvalorizações em 1992.
ÚLTIMAS ELEIÇÕES
Kohl ainda se reelegeu em 1994 e completou 16 anos no poder. A esquerda só voltou ao poder com Gerhard Schröder, cujo slogan de campanha era Neue Mitte (Novo Centro). Ele se apresentava como uma espécie de Tony Blair alemão, um modernizador que traria a social-democracia mais para o centro para ganhar eleições.
Schröder era um politico pragmático que fechou diversos acordos de bastidores. Nunca teve uma visão programática e ideológica capaz de relançar o SPD a seus momentos de glória. Na verdade, os grandes partidos, o SPD e a CDU, perderam muito espaço para partidos menores nas últimas décadas.
Com algumas reformas liberalizantes, Schröder conseguiu acelerar o crescimento da estagnada economia alemã e reduzir o desemprego, que atingia 4 milhões quando ele se elegeu, em setembro de 1998.
O crescimento e a oposição à invasão do Iraque lhe valeram a reeleição em 2002. Em 2005, ele perdeu por pequena margem para a atual chanceler Angela Merkel, que passou a governar numa grande aliança com o SPD até vencer as eleições de setembro de 2009.
Schröder governou em aliança com Os Verdes, com Joschka Fischer, um ex-líder estudantil e radical dos anos 60 que virou estadista, como ministro do Exterior. Fischer desafiou o então secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, quando a Alemanha, como membro temporário do Conselho de Segurança, foi contra a invasão do Iraque, provocando um grande racha na aliança transatlântica, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
No Kossovo, a Alemanha voltou a entrar em guerra pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em uma convenção dOs Verdes, militantes e Fischer, na mesa, se acusavam de Hitler porque a Alemanha voltaria a entrar em combate na Guerra do Kossovo, em 1999.
A Alemanha quer mudar, mas é um pais maior e mais desigual, mais desequilibrado depois da reunificação, maior do que a aliada França. Isso abalou o eixo central da integração europeia, sob tremendas pressões da globalização,
O modelo social-democrata, símbolo da estabilidade, da paz e da prosperidade do pós-guerra, está ameaçado.
Uma crise que a Alemanha não esperava e acredita que não criou abalou inclusive o sistema financeiro alemão, que tinha excesso de poupança para aplicar, então investiu nos papéis que micaram.
As exportações desabaram. No primeiro semestre, a China superou a Alemanha e se tornou a maior exportadora mundial de produtos industriais.
A Alemanha compete com sua engenharia de ponta, mas seus custos são muito superiores aos da China, Índia, Sudeste Asiático, América Latina e Europa Oriental. A maior cidade industrial da Alemanha hoje é São Paulo, onde as empresas alemães criam mais valor.
Nas eleições de 2005, nenhum partido ganhou um mandato claro. Merkel governou com o SPD do ministro do Exterior, Frank-Walter Steinmeier.
Só agora pôde fazer aliança com os liberais-democratas do FDP, partido que tradicionalmente era o fiel da balança, fazia alianças com a CDU e o SPD para formar o governo.
Longe do poder, o FDP se tornou um partido mais liberal economicamente, a favor de desburocratização, desregulamentação, corte de impostos e subsídios, e reforma das leis de negociação coletiva de salários. Seu líder é Guido Westerwelle, novo ministro do Exterior alemão.
Merkel teme a volta da inflação com o aumento do endividamento público e gostaria de impor mais disciplina ao mercado financeiro. Steinmeier prometia pleno emprego dentro de alguns anos, o que parece impossível.
Resultado: o SPD sofreu sua maior derrota desde as eleições que levaram Hitler ao poder, em 1932.
A Alemanha é uma sociedade complexa, em larga medida introvertida e insegura quanto ao futuro, em crise de identidade, com dificuldades para manter a estabilidade, a harmonia e a paz social conquistadas com a economia social de mercado do modelo social-demcrata. Sua saída é a Europa, mas a UE dos 27 se tornou grande demais e também vive sua crise de identidade.
De qualquer maneira, é um país rico, moderno e bem-sucedido, que está na vanguarda da ciência, da cultura e das artes, berço de poetas e filósofos - e vai continuar sendo um dos mais importantes do mundo.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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