A Arábia Saudita, país que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou na semana passada, é um buraco negro. Está montada em 25% de todas as reservas mundiais conhecidas de petróleo, mais de 260 bilhões de barris. E o petróleo está logo ali, no subsolo, a um custo de produção inferior a US$ 11/barril, provavelmente muito menos.
Como o sunismo é um ramo do islamismo em que o poder secular não é exercido pelo líder espiritual, como no xiismo, o chefe político era o califa. O último califado foi do Império Otomano, herdeiro do Califado de Bagdá (762-1258).
Há uma aliança da família real saudita, como guardiã das cidades sagradas de Meca e Medina, onde houve a Hégira, em 622, marco do nascimento da religião islâmica, com os mulás, os doutores em direito islâmico que dão legitimidade a essa monarquia medieval.
O país não tem Constituição. Em teoria, tudo pertence ao rei, inclusive o petróleo. A família real tem 22 mil príncipe. Os sultões até hoje foram e é todos filhos do sultão Abdul Aziz al Saud, que fundou o país em 1932.
Há um encontro histórico dele com o então presidente americano
Franklin Delano Roosevelt, já em cadeira de rodas, em que selou uma aliança com os EUA para obter financiamento e assistência técnica para desenvolver a indústria do petróleo, a partir de 1938.
Essa aliança persiste até hoje. É uma das bases da política de Oriente Médio dos EUA. Os dois maiores aliados árabes dos EUA são a Arábia Saudita e o Egito, que tem a maior população do mundo árabe, quase 80 milhões.
O raciocínio é que a Arábia Saudita tem o petróleo e que mexer ali só vai provocar algo pior. Essa é a maior bronca de fundamentalistas como Ossama ben Laden, uma família real corrupta se alia ao imperialismo.
Ele foi um dos emissários do sultão para levar ajuda ao Afeganistão durante a invasão soviética, ao lado de EUA, China e Paquistão.
Este é outro aspecto da Arábia Saudita. O tipo de islamismo oficial no país é uma versão ultrapuritana chamada da wahabismo ou salafismo, que surgiu no século 18 em reação ao sufismo, então não pode cantar, não pode dançar, há toda uma série de restrições impostas rigorosamente pela polícia religiosa.
A polícia religiosa saudita foi o modelo para o Ministério de Combate do Vício e Promoção da Virtude do regime dos talebã no Afeganistão.
“Em uma geração, passamos de camelos a Cadillacs. Do jeito que estamos gastando, vamos voltar aos camelos”, disse o rei Faiçal, citado por Mai Yamani num dos livros que te emprestei.
O Rei Faiçal impôs o embargo da venda de petróleo árabe aos aliados de Israel depois da Guerra do Yom Kippur, em 1973, causando a primeira crise do petróleo. Foi morto em 1975 pelo filho de um príncipe que havia se rebelado contra a primeira transmissão de TV no país (o Islã proíbe a representação da figura humana) e morto ao ser desalojado à força da torre de transmissão.
Quando Abul Aziz conquistou o território que considerava necessário para fundar o país e parou, uma turma disse que não, que o Corão mandava conquistar o mundo para o Islã. Ben Laden é herdeiro dessa filosofia da espada. A espada está na bandeira saudita com versos do Corão.
Em 11 de setembro de 2001, 15 dos 19 terroristas eram sauditas. Como foi uma operação rigorosamente planejada, é claro que a participação de tamanha maioria de saudita visava abrir um racha na aliança EUA-Arábia Saudita.
Imediatamente os sauditas passaram a ser mal vistos nos EUA. Como a Arábia Saudita é um buraco negro, todo o mundo suspeita que alguns príncipes fundamentalistas apóiam Ben Laden e sua turma.
Al Caeda gostaria de recrir o Califado, uma superpotência muçulmana da Mauritânia à Indonésia, com o petróleo do Oriente Médio e as armas nucleares do Paquistão. É um delírio mas os fatos estão aí. O alvo central é o sultão (e o petróleo) da Arábia Saudita.
O país prospera quando o petróleo sobe e sofre quando desce. Tem um nível de vida altíssimo, mas não consegue dar o salto da modernidade para se industrializar e parar de depender apenas do petróleo. É uma riqueza fácil que pastores do camelos deixaram os gringos tirar do subsolo em troca de aviões e tanques para patrulhar o deserto, e depois tomaram conta.
É uma riqueza fácil e a maldição do petróleo, que sustenta a tese de que uma riqueza fácil gera regimes autoritários Arábia Saudita, Irã, Iraque, Nigéria, Indonésia, México e agora Venezuela.
Uma pesquisa da antropóloga Mai Yamani investiga como os jovens sauditas enfrentam esse desafio da modernidade. No Irã, a maioria dos jovens, especialmente em áreas urbanas, e as outras são muito atrasadas, se volta para o Ocidente, para os estilos de vida mais liberais associados à modernidade.
Na Arábia Saudita, a maioria dos jovens se volta para a religião, para o Islã, como caminho para interpretar a vida. Ela os divide em três grupos: os liberais modernistas, os conversadores salafistas e os radicais, no caso os jihadistas, que combinam religião com luta armada para criar uma ideologia populista.
A religião é pano de fundo. O fundamentalismo na verdade é um projeto político. É capitalista e privatista em economia, extremamente conservador em questões sociais e radicalmente anti-imperialista em política externa.
Com a riqueza fácil do petróleo, a Arábia Saudita financiou essa expansão do islamismo pelo mundo, de sua versão puritana, o wahabismo, e o radicalismo que levou a Ben Laden, de exemplares do Corão impressos em S. Paulo (tenho um que ganhei do Partido Islâmico de Moçambique) às milhares de pickups Toyota que deram superioridade aos Talebã na guerra civil afegã nos anos 90.
É uma forma de exportar o radicalismo gerado pela falta de discussão política interna. A luta contra o regime só pode ser clandestina ou armada. Houve vários atentados, muitos contra alvos ocidentais. Eles tratam a ferro e fogo. Não se consegue nem ter noção do tamanho dos grupos jihadistas, mas no momento estão por baixo,
Por tudo isso, é um buraco negro: ditadura, contabilidade obscura, transparência zero, uma família real inchada, mulher não pode nem dirigir, se for estuprada e denunciar é processa por adultério, e terrorismo. É uma usina e uma fonte de financiamento do fundamentalismo muçulmano da pior espécie.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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