Seu sonho era recriar o Califado, uma superpotência muçulmana se estendendo da Mauritânia à Indonésia, com o petróleo como riqueza e a bomba atômica do Paquistão como arma. Não conseguiu, mas semeou o terror com sua ideologia assassina que mata em nome de Deus.
Ossama ben Laden morreu na maior caçada humana da História, quase dez anos depois de atacar o coração do Império. Deixa uma rede terrorista ampla, difusa e descentralizada, aparentemente sem capacidade de repetir os atentados espetaculares de 11 de setembro de 2001, mas com grande poder de matar com suas técnicas terroristas suicidas.
É um detrito da Guerra Fria. Ben Laden fazia parte do contingente de árabes que foram para o Afeganistão lutar contra a invasão soviética de 1979 com o apoio da Arábia Saudita, dos Estados Unidos, da China e do Paquistão.
Da resistência bem-sucedida contra a União Soviética, com armas e treinamento militar americanos, nasceu em 1988 a rede terrorista Al Caeda (A Base) para tentar resgatar um purismo muçulmano, o salafismo ou wahabismo, o islamismo praticado na Arábia Saudita.
Em 2 de agosto de 1990, quando o ditador iraquiano Saddam Hussein invadiu o Kuwait, sentido-se ameaçada, a monarquia saudita pediu ajuda militar aos EUA.
A Operação Tempestade no Deserto, além de proteger a Arábia Saudita, pressionou Saddam, sem sucesso, a deixar o Kuwait. Mulheres soldadas americanas dirigiam caminhões e operações militares num país onde as mulheres são proibidas de dirigir.
Era uma afronta aos princípios sagrados da versão puritana do Islã vigente no país. Isso escandalizou Ben Laden, que ofereceu seus homens para defender o reino. O sultão não quis entregar seu trono aos veteranos árabes da guerra contra a URSS. Preferiu chamar os americanos.
Desde então, Ben Laden acreditava que a única saída era derrubar a dinastia Saud, que não estaria à altura da obrigação de proteger as cidades sagradas de Meca e Medina. Também tinha vendido a maior riqueza do país - o petróleo - aos EUA numa aliança histórica firmada pelo então presidente Franklin Roosevelt com o sultão Abdul Aziz al-Saud, em 1943.
O primeiro atentado contra o World Trade Center, em 1993, foi na garagem, tentando abalar as fundações das Torres Gêmeas. Seis pessoas morreram.
Al Caeda estava em guerra com os EUA, que não davam maior importância ao grupo. Em 1998, dois atentados contra embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia mataram mais de 200 pessoas.
Em resposta, o presidente Bill Clinton ordenou o bombardeio aéreo de campos do grupo terrorista no Afeganistão, mas não levou adiante a ação. Os atentados de 11 de setembro seriam uma resposta ao ataque dos EUA. Antes, em 2000, o navio americano USS Cole foi atacado no Iêmen e 17 marinheiros morreram.
De repente, um obscuro e enigmático guerrilheiro das montanhas do Afeganistão que dera algumas entrevistas desafiando as grandes potências se transformou no terrorista mais procurado do mundo, com recompensa de US$ 25 milhões. Como disse o presidente George W. Bush, no estilo do Velho Oeste, "procurado vivo ou morto".
A caçada durou quase 10 anos. Em 16 de dezembro de 2001, na Batalha de Tora Bora, Ben Laden esteve cercado pelos americanos, mas conseguiu fugir para o Paquistão. Há alguns anos, vivia na mansão da Abotabade atacada pelos EUA.
O mundo está de sobreaviso. Espera a reação dos extremistas muçulmanos à morte e funeral sumário do mar do homem que chamavam de Xeque ou Emir.
Há um risco de aumento do terrorismo a curto prazo, pelo desejo de vingança dos jihadistas. Mas não vejo crescimento do poder d'al Caeda. Isso aconteceu depois de 11 de setembro de 2001, quando os terroristas conseguiram atacar os EUA com sucesso.
A derrota e a morte do líder não ajudam, mas Ben Laden criou uma organização que sobrevive sem ele.
Esse Che Guevara árabe de ar carismático e barba, filho do magnata que construiu a Grande Mesquita de Meca, se tornou no maior guerrilheiro do século 21, ao contestar pela via armada a ordem internacional vigente e a única superpotência.
Sua estratégia era exatamente essa: bater com força nos EUA porque os americanos, na sua visão, são caubóis. Ben Laden contava com uma reação excessiva e a guerra. Acertou. Pensava que poderia repetir a vitória sobre a URSS contra a superpotência que o nutriu e ajudou quando o inimigo era o comunismo. Errou.
O fundamentalismo é uma doutrina populista que busca nas sagradas escrituras justificativas para suas opções políticas. No caso muçulmano, a mesquita foi historicamente a única válvula de escape em sociedades autoritárias.
Com sua doutrina glorificando a guerra santa e o martírio como virtudes máximas neste mundo de infiéis, Ben Laden e seu jihadismo transformaram o fundamentalismo muçulmano numa guerra civil sobre qual deve ser a verdadeira interpretação do Corão, o livro sagrado do Islã.
Muitos muçulmanos são a favor de uma vida cotidiana mais de acordo com os princípios religiosos, mas não concordam com o uso da força e o terrorismo, que estavam em decadência antes da morte de Ossama.
Sua doutrina mistura uma política externa revolucionária de desafio às grandes potências com uma política social extremamente conservadora de inspiração religiosa e uma economia privatista em que empresas se beneficiam da fabricação e venda de produtos para bons muçulmanos.
As revoluções democráticas no mundo árabe são a prova de que existe uma opinião pública liberal nos países árabes cansada do autoritarismo e da corrupção. Vai haver partidos religiosos muçulmanos como há democratas-cristãos no Ocidente, assim como haverá partidos nacionalistas árabes. Mas, dentro de sociedades democráticas, serão obrigados a negociar sem a chantagem da força.
O futuro do mundo árabe está na revolução democrática no Egito, o mais populoso e o mais importante país árabe, ao lado da Arábia Saudita. Para onde for o Egito, o mundo árabe vai se inclinar.
Falta uma doutrina para o Ocidente, que agora é a favor das revoluções democráticas mas até ontem apoiava as ditaduras, influenciar construtivamente essas transições, critica o professor Zaki Laidi, da Faculdade de Ciências Políticas de Paris.
A batalha das ideias é o melhor antídoto contra a violência. O benladismo foi atropelado pelos fatos antes mesmo da morte de seu líder, o que não significa que a praga terrorista não vá continuar solta por aí, recriando-se nas injustiças sociais e nas ditaduras do planeta.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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2 comentários:
Será que os EUA mataram mesmmo o bin Laden, ou teria sido o ben???? rararara, você é um comediante!
Este blogue defende a língua portuguesa. Você já ouviu falar de um filme bíblico chamado Ben-Hur.
O personagem, encarnado por Charlton Heston, chamava-se Judá Ben-Hur, que significa Judá, filho de Hur, a cidade histórica que hoje fica no Iraque.
Em árabe, ben significa filho de. Bin é uma grafia inglesa. Optei por uma grafia latina.
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