A ex-república soviética da Geórgia anunciou neste domingo que estava retirando suas forças da província separatista da Ossétia do Sul, onde a maioria dos 70 mil habitantes gostaria de pertencer à Rússia. Não foi suficiente para deter a invasão russa, iniciada na madrugada de sexta-feira, 8 de agosto de 2008, depois que a Geórgia bombardeou Tskhinvali, a capital ossétia, na noite de quinta-feira.
Os combates se estenderam à outra província rebelde da Geórgia, a Abcásia. Quando a Geórgia declarou independência, em 1991, diante do colapso da União Soviética, duas regiões georgianas se rebelaram com o apoio da Federação Russa, que era a maior das repúblicas soviéticas.
Em 1991, a Ossétia do Sul declarou independência. A Abcásia fez o mesmo em 1992. Ambas as rebeliões contam com o apoio da Rússia em dinheiro e armas.
Com a o fim da URSS, a Geórgia foi a república que sofreu o pior colapso econômico. Perdeu 30% do produto interno bruto. Seu primeiro presidente eleito, em 1992, era um intelectual. Zviad Gamsakhurdia foi um dos primeiros pesquisadores da Anistia Internacional na URSS. Não ficou um ano no poder.
A Geórgia só conseguiu alguma estabilidade quando foi eleito presidente o ex-ministro das Relações Exteriores da URSS na era Gorbachev, Eduard Chevardnadze. Mas a crise econômica crônica e a corrupção endêmica levaram à Revolução Rosa, que derrubou Chevardnadze em 2003.
No início de 2004, o líder da Revolução Rosa, Mikheil Saakchvili, foi eleito presidente com a promessa de restabelecer a soberania sobre todo o território nacional, entrar para a União Européia e para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar liderada pelos Estados Unidos, que tinha como maior inimiga a URSS.
Para a Rússia, a adesão da Geórgia e, pior ainda, da Ucrânia à OTAN só alimentaria o sentimento de estar cercada de inimigos que marca a história do maior país do mundo, construído como um império que incorpora várias nações. É um problema de países que não tem fronteiras naturais.
O primeiro-ministro Otto von Bismarck, que unificou a Alemanha com a Guerra Franco-Prussiana (1870-71), dizia que "esta era a nossa grande vantagem e desvantem", não ter fronteiras naturais.
Quando Vladimir Putin chegou ao poder, sendo nomeado primeiro-ministro em 1999 e eleito presidente em março de 2000, seu projeto era restaurar o poder imperial soviético.
Isso incluía manter ou restaurar as antigas esferas de influência, e as ex-repúblicas soviéticas são o que se chama de antigo "império interior soviético", em contraste com o "império exterior soviético", formado pelos países alinhados à URSS, onde a Rússia perdeu seu poder.
A Rússia passou a hostilizar as ex-repúblicas e a usar seus recursos naturais de gás e petróleo para tentar manter sua influência. Com a construção de um oleoduto ligando Baku, no Azerbaijão, que era a quarta maior cidade soviética, a Tíflis, a capital da Geórgia, e o porto de Ceihã, na Turquia, o petróleo e o gás natural do Mar Cáspio já podem chegar ao Ocidente sem passar pela Rússia.
Saakachvili também está pressionado pela oposição interna, que protesta nas ruas e tentou destituí-lo.
Na última reunião de cúpula da OTAN, sob pressão da Rússia, a Europa, liderada pela Alemanha, não quis dar associação imediata à Ucrânia e à Geórgia, como propôs os EUA. Era um sinal claro de que a UE não iria socorrer a Geórgia num conflito com a Rússia, a não ser que fosse claramente a vítima.
A UE mantém sua postura de pedir o imediato cessar-fogo e a solução pacífica dos conflito. Nessa caso, a Geórgia só teria um país para pedir proteção: os EUA.
Mas a maior preocupação de segurança dos EUA hoje não é a Rússia. É o programa nuclear do Irã, que estaria desenvolvendo armas nucleares.
Os EUA precisam do apoio da Rússia para pressionar o Irã. A Rússia é mais aliada do que inimiga, apesar das reminiscências da Guerra Fria e do uso que Putin, que voltou a ser primeiro-ministro, agora do presidente Medvedev, faz do passado em seu projeto de restaurar o poder imperial dos czares e da URSS.
Medvedev, por sua vez, é um jovem advogado de 42 anos que chegou ao Kremlin pelas mãos de Putin. Não tem as credenciais de Putin, que foi diretor do Serviço Federal de Segurança, herdeiro do KGB (Comitê de Defesa do Estado), a temida polícia política da URSS. Precisava afirmar suas credencias em segurança e defesa. Ser durão.
Durante os últimos meses, houve vários momentos de tensão, como vôos de aviões não-tripulados e acusações de parte a parte. Diante da provocação foi o ataque de mísseis da Geórgia contra Tskhinvali, a capital da Ossétia do Sul, a Rússia teve a oportunidade de mostrar seu poderio diante de um inimigo muitíssimo menor.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
A Comparação do conflito da Sérvia contra o Kozovo e a Bósnia com o actual da Geórgia contra a Ossétia do Sul é assaz pertinente.
No primeiro caso as províncias revoltosas receberam apoio dos EUA e de outros países; Não será de espantar que agora seja a Ossétia do Sul a receber o apoio de outra potência (a Russia).
Quer num, quer noutro caso as potências apoiantes apenas defendem ou defenderam os seus interesses e que é bastante compreensível. Até a avaliação dos "crimes de guerra" praticados por uns e outros poderão ser compados. A razão está de um ou de outro lado apenas conforme o ponto em que se encontra o observador (ponto de vista).
Zé da Burra o Alentejano
Postar um comentário