quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Novo presidente dos EUA vai se aproximar do Brasil

Quem quer que seja o novo presidente dos Estados Unidos vai se aproximar do Brasil, previu o ex-embaixador Jeffrey Davidow ao participar da mesa-redonda A Relação EUA-América Latina: Segurança Regional e Política Energética, promovida pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) na segunda-feira, 4 de agosto, no Memorial Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Davidow vê grandes oportunidades para a eliminação a curto prazo da tarifa de 62% cobrada sobre o etanol importado do Brasil. “Chegamos à conclusão que não devemos mais proteger o álcool de milho”.

O próximo governo dos EUA vai se aproximar do Brasil e de outros países da região, antevê o embaixador, para desenvolver a produção de etanol de cana-de-açúcar. Um grande esforço será feito para desenvolver a produção de álcool de outros fontes, como celulose.

Ao fazer um balanço da situação atual o embaixador observou que “os EUA importam 70% do petróleo que consomem. Seus três maiores fornecedores – México, Canadá e Venezuela – não reduziram o consumo nem aumentaram a produção. Os EUA reduziram a produção, aumentaram o consumo e mandam bilhões de dólares para países que não gostam de nós”.

“Não podemos perfurar as regiões mais produtivas do Golfo do México, tanto em terra como no mar, por razões ambientais. O mesmo vale para a Costa Oeste e o Alasca”, reclamou o ex-embaixador Davidow.

“Em todos os casos, há uma coalizão de ambientalistas e autoridades locais ou estaduais, o que nos deixa numa posição difícil”.

Como o governo George W. Bush tinha uma postura cética em relação à mudança do clima, não partiu para alternativas além da energia produzida a partir do carbono – petróleo, gás e carvão.

“Nenhum especialista acredita que os EUA possam aumentar sua produção de energia mais de 20% na próxima década”, constata Davidow. “Encorajados pelo Brasil, os EUA partiram para o etanol. É apenas uma porcentagem, mas é muito. Nem sempre é uma boa idéia pegar o seu jantar e encher o tanque do carro. Mas, por causa do federalismo americano, os estados agrícolas são muito poderosos e os políticos lhes prometeram montanhas de dinheiro dos biocombustíveis”.

No início da campanha presidencial, lembra o embaixador, ambos os candidatos eram contra a exploração de petróleo perto da costa e em outras áreas de proteção ambiental. O senador John McCain mudou de posição há três meses, quando o presidente Bush começou a falar nisso como uma defesa de seu governo, jogando na oposição democrata a culpa pelo preço da gasolina.

Quatro dias atrás, Obama mudou de posição. “Pode ser útil, em sete, dez anos.”

“O ex-vice-presidente Al Gore falou em eliminar o carbono como fonte de combustível em 10 anos. É ridículo”, protesta. “A eletricidade nos EUA é gerada 20% por usinas nucleares, 20% por hidrelétricas, 50% por carvão e 10% por outras fontes. Isso significa que mais da metade é gerada por carbono”.

Para o embaixador, essas propostas mirabolantes tiram a racionalidade do debate: “Em 25 anos, teremos uma nova matriz energética. Minha preocupação é com a capacidade do sistema político americano de nos ajudar a nos concentrarmos no que seja necessário fazer para chegar lá.”

Os EUA não olham para o Sul com preocupações de segurança: “Para alguns, a volta da 4ª Frota faz parte de um plano esperto para tomar o petróleo, o oxigênio e a água do Brasil. Mas pode ser uma oportunidade para cooperação na área de segurança. Os dois países têm interesses comuns no combate ao terrorismo, ao tráfico de drogas, ao tráfico de pessoas e à criminalidade em geral.”

Nos últimos cinco ou seis anos, constata Davidow, surgiu uma nova imagem do Brasil nos EUA: o governo Lula, as descobertas do Brasil na área de energia, seu sucesso econômico. Finalmente o Brasil ocupa o lugar que sempre reivindicou.

O próximo presidente será movido por vontade política e realismo. Eles não serão apresentados no dia da posse, mas haverá um aumento da cooperação além de tudo o que vimos nos últimos anos.

Como debatedor, o embaixador Marcos Azambuja, vice-presidente do Cebri mencionou o primeiro e o segundo choques do petróleo: “Me lembro da angústia do presidente Carter. E os preços caíram. A volatilidade é extraordinária”.

“Fizemos o Proálcool porque o petróleo iria continuar subindo. É um produto que exige uma racionalidade, uma previsibilidade.

“Agora, há o problema ambiental. Depois de Carter, Al Gore...

Na primeira grande conferência internacional sobre meio ambiente, “em Estocolmo, em 1972, falava-se das grandes manadas, dos parques naturais, do Serengetti. No Rio, em 1992, foi a sustentabilidade. Agora, é o aquecimento global, que parece estar acontecendo com maior velocidade e maior gravidade do que o previsto”.

Mas o embaixador Marcos Azambuja está otimista: “Esta é a primeira crise mundial em que estamos um pouco melhor do que o mundo. O Brasil tem petróleo, urânio, bioenergia e outras alternativas. Está numa posição confortável diante da crise de energia. Está numa posição confortável diante da crise dos alimentos. Está numa posição confortável diante da eleição americana.”

Na sua opinião, “a relação Brasil-EUA é monótona. Há uma convergência muito grande.” Mas a volta da 4ª Frota pode ser uma fonte de atrito porque “o poder tende a ser abusivo e intimidador”.

Já o geógrafo Demetrio Magnoli, professor da Universidade de São Paulo (USP) foi menos diplomático em sua intervenção: “Nunca, na minha vida adulta, vi tanto antiamericanismo. É quase como no tempo do Vietnã. Dizem que a culpa é do Bush. Mas há causas mais profundas”.

Em sua análise, Magnoli observou que, “desde 1945, os EUA definiram suas visões para o hemisfério”. Começaram com o TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), em 1947, e a OEA (Organização dos Estamos Americanos), em 1948.

Quinze anos depois, o presidente John Kennedy criou a Aliança para o Progresso, colocando o desenvolvimento como forma de evitar novas revoluções no continente.

O fim da Guerra Fria levou a negociações comerciais, à Iniciativa para as Américas do presidente George Herbert Walker Bush, o pai, e a uma revitalização da OEA, “que estava no respirador artificial desde a guerra das Malvinas”, comparou o professor da USP.

“Essa visão da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) se desvaneceu e não foi substituída por nenhuma outra. Os EUA têm uma certa incapacidade em resolver certos conflitos internos, e os lobbies internos capturam a política externa, impedindo o surgimento de uma nova visão”, argumentou Magnoli.

Sob o governo Clinton (1193-2001), a Alca seria uma expansão do Acordo de Livre Comércio da América do norte (Nafta). “Não serviria para o Brasil, por causa da diversificação do comércio exterior brasileiro. Não atribuo o fracasso ao governo Lula”, disse o professor.

Com o fracasso da ALCA s EUA partem para acordos bilaterais, além do CAFTA (Acordo de Livre Comércio da América Central). “Acordos de comércio hoje são como alianças estratégicas”, notou Magnoli. “A China é o segundo maior parceiro comercial de todos os países do continente.”

No plano político, o professor da USP entende que, “nos anos 90, nascia uma nova OEA mais democrática, com um pacto sobre direitos humanos. Quando estava preparada para funcionar, os EUA apoiaram os golpistas [em 11 de abril de 2002] que foram fundamentais para consolidar o poder de Chávez na Venezuela”.

Para Magnoli, “Cuba é uma ilha sem importância econômica mas de extraordinária importância ideológica. É a solda da esquerda latino-americana. Os EUA mantêm uma política anacrônica [de boicote econômico] que sustenta os Castro. Isso impede a formação de uma frente comum pela transição em Cuba.”

Por fim, o professor da USP declarou: “Fico contente de ouvir que o subsídio [do álcool americano] está com os dias contados. É um exemplo de como os lobbies internos distorcem os reais interesses americanos.”

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