O senador Barack Obama está fazendo neste momento seu discurso aceitando a indicação do Partido Democrata para concorrer à Presidência dos Estados Unidos em 4 de novembro. É a primeira vez que um negro pode conquistar a Casa Branca. Ele promete recuperar o prestígio do país, abalado por oito anos de dois governos desastrosos de George Walker Bush.
"Esta eleição acontece num momento especial", declarou Obama diante de 85 mil pessoas reunidas num estádio de futebol americano em Denver, no Colorado, com transmissão ao vivo pela televisão e telões nas principais cidades americanas. "O país está em guerra e passa por uma grave crise econômica. Este país pode ser muito melhor. Nem tudo é culpa do governo, mas uma série de políticas fracassadas em Washington não ajuda.
"Basta!", bradou o candidato democrata. "Esta eleição é sobre como manter vivo o sonho americano no século 21."
A seguir, atacou o Partido Republicano. Diante da queda nas pesquisas, alguns caciques democratas o criticaram por não responder aos ferozes ataques republicanos. Repetiu a mensagem que tenta colar seu oponente na eleição de 4 de novembro, senador John McCain, no governo Bush: "Na próxima semana, os republicanos vão pedir mais quatro anos ao povo americano. Mas a convenção da próxima semana vai se parecer com os últimos oito anos."
"Oito anos bastam!", enfatizou Obama, para delírio da platéia.
"Não se enganem", prosseguiu a ofensiva do candidato democrata. "O senador McCain é um herói naconal condecorado por sua bravura. Na próxima semana, vocês vão ver [na propaganda] como ele é independente e rompeu com seu partido várias vezes. Mas como se pode confiar na capacidade de julgamento de alguém que ficou ao lado de George Bush 90% do tempo. Ele é tudo menos independente."
O democrata tentou então mostrar o adversário como insensível e distante dos problemas dos mais pobres. McCain não soube responder quantas casas têm. São sete. Obama o acusou de querer cortar impostos de grandes empresas e não dos 90% americanos das classes média e baixa.
"Talvez ele não saiba", alfinetou o senador democrata por Illinois. "Talvez ele não perceba."
Na convenção republicana, "eles vão falar de uma sociedade de proprietários, mas é uma sociedade do eu sozinho. Você está sem emprego? Tem de se virar sozinho. Tem de calçar suas botas e andar mesmo não tendo botas."
Para não desagradar o eleitorado conservador e os independentes, ressaltou os valores da família: "Eu sou o guardiã da minha irmã e do meu irmão.
Entre as promessas eleitorais, Obama sonhou alto: "É preciso acabar em cinco a 10 anos com o vício dos EUA em petróleo, que nos torna dependentes do Oriente Médio. Perfurar mais [em áreas ecologicamente protegidas, como querem Bush e McCain] é tapar buraco, não é uma solução de longo prazo".
Obama prometeu investir US$ 150 bilhões em fontes alternativas, inclusive "na próxima geração de biocombustíveis", uma indicação de que não pretende abrir o mercado americano ao etanol de cana-de-açúcar do Brasil. Está apostando num avanço tecnológico nos EUA.
Um ideal dos democratas é criar uma economia limpa que gere milhões de empregos. Mas a proposta de Obama é ousada demais. Nos próximos 10 anos, tudo indica que os EUA serem dependentes do petróleo importado. Em 25 anos, terão tempo para mudar a matriz energética.
"Quando eu vejo esses garotos que dormem três horas por dia porque têm de trabalhar o dia todo e estudar à noite, me lembro da minha mãe, que recorria a cupons de alimentação [distribuídos aos pobres pelo governo] mas soube poupar para nos mandar para as melhores escolas do país", disse o candidato democrata.
"Eu e Michelle estamos aqui por causa da educação", ressaltou Obama. "É preciso pagar mais aos professores, dar mais apoio aos professores. E precisamos assumir um compromisso com nossos jovens: se você se comprometer com o serviço público por sua comunidade ou seu país, vamos garantir sua educação até a universidade".
Num governo Obama, também haverá "cobertura universal de saúde, a mesma cobertura que os membros do Congresso dão a si mesmos".
Também garantiu o futuro da Previdência Social, acusando o adversário John McCain de querer privatizá-la.
Todos esses programas são caros, admitiu Obama, argumentando que vai financiá-los com o fim dos privilégios fiscais a grandes empresas e o fim de brechas na legislação do imposto de renda usadas para não pagar impostos. Comprometeu-se ainda a "revisar todo o orçamento federal" para fechar programas que considere ineficientes e deixou no ar uma possibilidade de reduzir o funcionalismo público federal ao dizer que "não se pode enfrentar os desafios do século 21 com a burocracia do século 20".
Para Obama, os EUA são o país mais rico do mundo, com as Forças Armadas mais poderosas, mas, "como disse John Kennedy, nossa grande força é moral e intelectual".
Como o Estado não é tudo no discurso político americano, embora na realidade o que está em jogo é o controle da máquina pública federal, "temos responsabilidades individuais e mútuas". A sociedade ideal de Obama parte de uma teia iniciada por indivíduos, mas o Estado tem um papel indutor, ou sobretudo educador, importante.
Em política externa e defesa, insistiu em que tinha razão desde o início em ser contra a guerra no Iraque, custosa e desnecessária, desviando o país do verdadeiro inimigo que era a rede terrorista Al Caeda e a milícia dos Talebã, que a acobertava no Afeganistão.
O candidato democrata prometeu restabelecer as relações com os aliados sem fazer referência direta à Europa, mas Bush abalou a aliança transatlântica ao invadir o Iraque, contrariando a Alemanha e a França.
"Este é o partido de Franklin Roosevelt e John Kennedy", desafiou Obama. "Não venham me dizer que os democratas não podem defender este país. Precisamos só colocar nossas tropas em perigo com houver um objetivo específico", cuidar bem dos veteranos, dando-lhes ampla assistência, modernizar e reequipar as Forças Armadas.
"Vou acabar com a guerra no Iraque responsavelmente e acabar com a guerra contra os talebã e Al Caeda no Afeganistão. Até o governo do Iraque concorda com meu plano de retirada gradual das tropas americanas, com data marcada para terminar. É preciso usar a diplomacia direta para evitar que o Irã tenha armas nucleares e conter a agressão da Rússia."
A meta é restaurar o sonho americano e a estatura moral dos EUA no mundo como "último refúgio daqueles que lutam pela liberdade e anseiam por um futuro melhor", exaltou Obama.
"Estas são as propostas e idéias que pretendo debater com John McCain, em uma campanha em que não sejam questionados nem o caráter nem o patriotismo dos candidatos. Todos nós amamos este país. Os militares que estão defendendo os EUA são republicanos e democratas. Às vezes, parece que perdemos o sentido do propósito comum", observou o candidato democrata.
Outro tema importante do ideário de Obama aparece aqui: a idéia de uma grande em torno de objetivos comuns acima de partidos, raças e outros fatores capazes de dividir a sociedade americana.
"Se você não tem idéias, ataca seu adversário", disparou Obama. "Se você não têm idéias para atrair o eleitor, faz o possível para ele se afastar ainda mais do seu adversário."
"Os niilistas estão por aí. Mas esta eleição não sobre mim, é sobre vocês. Ao longo dos últimos 18 meses, vocês estiveram de pé na luta pelo Partido Democrata", lembrou o candidato. Agora é o final desta jornada. Vai até a eleição de 4 de novembro.
"Com as mesmas velhas políticas e os mesmos velhos atores, não se pode esperar um resultado diferente", argumentou Obama, passando ao tema central de sua campanha: mudança.
Esta mudança "não sai de Washington. Ela chega a Washington. A mudança acontece porque o povo exige novas idéias, novos líderes e uma nova política".
A força dos EUA, alegou Obama, não vem do seu poderio militar, nem na maior economia do mundo, nem das suas universidades e de sua cultura. "Está no espírito, na promessa, no sonho americano. Essa é nossa grande herança. Há 45 anos, um pregador da Geórgia [o reverendo Martin Luther King jr., maior líder negro da história dos EUA] falou desse sonho".
Terminou convidando o povo americano a caminhar junto rumo ao futuro.
Foi mais um discurso brilhante, com oratória impecável, mas não imuniza o candidato dos ataques que têm sofrido. A verdadeira campanha começa agora.
As pesquisas indicam um empate técnico ou até uma surpreendente vitória de McCain. A obamania terá de deixar um estádio de futebol americano e ganhar as ruas, tocar o cidadão comum que não vai a comícios, e convencê-lo a votar e em Obama.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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