O primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama, começa amanhã pelo Brasil sua primeira visita à América do Sul. Quer fechar negócios que gerem empregos para o povo americano e melhorar o relacionamento com os países da região, especialmente o Brasil. Além daqui, vai ao Chile e El Salvador.
Com uma agenda sobrecarregada pela pior crise econômica interna em 70 anos, as guerras no Iraque e no Afeganistão, as questões nucleares do Irã e da Coreia do Norte, e agora as revoluções democráticas no mundo árabe, nos primeiros dois anos de governo, o presidente americano praticamente não teve tempo para dar atenção aos vizinhos do Sul.
As relações entre os dois países, que têm vários conflitos comerciais, foram prejudicadas no ano passado pela tentativa do Brasil de negociar um acordo nuclear com o Irã, vista em Washington como mais uma tentativa da república islâmica de ganhar tempo para apresentar a bomba atômica como fato consumado.
Essa postura do governo Lula dificulta o apoio dos EUA à pretensão do Brasil de ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Durante visita à Índia, uma potência nuclear com quem os EUA têm uma parceria estratégica, Obama prometeu explicitamente apoio à reivindicação indiana por um assento permanente no Conselho de Segurança. O Brasil gostaria que dissesse o mesmo aqui. É uma das incógnitas da viagem.
Obama quer melhorar as relações com um país considerado chave para os EUA, um "parceiro estratégico global", como disse a secretária de Estado, Hillary Clinton. Durante a visita, devem ser assinados 20 acordos e memorandos de entendimento.
Em entrevista, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, que foi embaixador em Washington e é casado com uma americana, declarou que o Brasil quer um tratamento de igual para igual.
Desde a Grande Recessão de 2008-9, a China exige dos EUA um tratamento de igual para igual, mas é a economia que mais cresce no mundo. Seu produto interno bruto, de US$ 5,9 trilhões, ainda é pouco mais de um terço dos US$ 15 trilhões americanos, mas a China caminha para se tornar a maior economia do mundo até 2020.
O Brasil não tem o mesmo peso, é apenas a sétima economia do mundo, mas é um aliado cada vez mais importante para os EUA no estratégico setor de energia. Já tinha uma posição de vanguarda em biocombustíveis e aumentou muito seu cacife geopolítico com a descoberta das jazidas de petróleo na camada pré-sal.
As empresas americanas também estão de olho nas obras de infraestrutura que o país terá de fazer para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
No discurso que faria na Cinelândia, transferido para o Teatro Municipal do Rio, Obama deve destacar a semelhança de valores entre os dois países, especialmente a democracia liberal, os direitos humanos e a economia de mercado, que colocam o Brasil no seio do Ocidente e como potência ascendente do Ocidente.
Os EUA gostariam de ter o apoio do Brasil para pressionar a China a valorizar sua moeda, que o governo chinês mantém subvalorizada, manipulando o câmbio para garantir a competitividade das exportações.
Como a China está tomando os mercados de exportação da indústria brasileira e conquistando mercados no mundo inteiro, os EUA gostariam de uma pressão internacional pela alta do iuã.
Por causa da aliança com os grandes emergentes do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil reluta em se aliar aos EUA nesta questão. Acusa os EUA de desvalorizar o dólar para melhorar a competitividade da indústria americana.
Para estimular a economia, a Reserva Federal, o banco central dos EUA, está comprando até junho US$ 600 bilhões. Isso provoca uma grande entrada de dólares no Brasil, onde as taxas de juros e de crescimento são maiores, e valoriza o real.
Com a alta da moeda brasileira e a recessão americana, a China superou os EUA como maior parceira comercial do Brasil nos últimos dois anos, e o Brasil passou a ter déficit no comércio com os EUA, que chegou a US$ 7,73 bilhões em 2010.
Assim, a presidente Dilma Rousseff deve resistir às pressões de Obama para abrir mercado no Brasil para produtos e empresas americanas.
Na última visita de um presidente dos EUA ao Brasil, George W. Bush assinou acordos para o desenvolvimento de energias alternativas, mas há pouco progresso a registrar nesta área. O protecionismo do Congresso americano dificulta os negócios no setor agrícola, onde o Brasil é mais competitivo.
Há sobretaxas sobre as exportações brasileiras de etanol, suco de laranja, algodão. Por causa das barreiras fitossanitárias, só Santa Catarina obtém certificação para exportar carne de gado para os americanos.
Obama quer fechar um acordo para garantir a compra de parte do petróleo da camada pré-sal, uma maneira de reduzir a dependência americana do petróleo do Oriente Médio, uma região politicamente explosiva. Também tem interesse no etanol brasileiro, mas, sem maioria na Câmara, não tem margem de manobra para negociar concessões junto ao Congresso dos EUA.
Outra questão importante é a compra de aviões de caça para reequipar a Força Aérea Brasileira (FAB). O governo Lula aparentemente tinha se decidido pelos aviões franceses Rafale, parte de uma parceria estratégica mais ampla com a França. Mas a presidente Dilma adiou a decisão, entre outras razões para economizar, dando a seu governo mais uma carta para negociar com os EUA.
Quando cheguei na praia hoje, o vendedor de água de coco já sabia e estava um pouco desapontado: "Obama não vai falar mais na Cinelândia". É apenas uma amostra a mais da popularidade do primeiro presidente negro dos EUA na América Latina, especialmente entre os de origem africana.
Como observa a edição desta semana da revista The Economist, a popularidade de Obama na região é grande, mas o que os latino-americanos querem mesmo é uma mudança efetiva da política externa dos EUA para o resto do continente.
Para isso, é preciso muito mais do que visitas e gestos de boa vontade. É preciso desenvolver parcerias em torno de interesses comuns em condições de igualdade.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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