sexta-feira, 9 de outubro de 2009

América Latina vive regionalismo anárquico

NOVA IORQUE - As tentativas dos presidentes da América Latina de resolverem a crise de Honduras revelam um regionalismo anárquico que teve sucesso em conflitos anteriores, observa a cientista política brasileira Mônica Hirst, professora da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires.

Em artigo no jornal argentino Clarín, Mônica Hirst afirma que Honduras terá de passar por um longo processo de pacificação, com intermediação e interferências de países e organizações regionais.

Ao analisar a atuação coletiva diante da crise hondurenha, a pesquisadora conclui que a América Latina desenvolveu uma capacidade de coordenação regional. Ela vem desde o surgimento da política desenvolvimentista de substituição de importações surgida na Cepal (Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe).

Politicamente, nasce com a formação do Grupo de Contadora (Colômbia, México, Panamá e Venezuela), em 1983, para tentar resolver pacificamente os conflitos na Nicarágua, na Guatemala e El Salvador, na América Central, combatendo a estratégia militarista do então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan.

Em 1985, surgiu o Grupo de Apoio a Contadora (Argentina, Brasil, Peru e Uruguai). No ano seguinte, os dois se uniram para formar o Grupo do Rio, do qual hoje também fazem parte Belize, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guiana, Haiti, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e a Comunidade dos Países do Caribe (Caricom).

Além do Compromisso de Esquipulas, que garantiu a paz e a democratização da América Central, acrescenta Mônica Hirst, ações bilaterais, trilaterais e multilaterais ajudaram a evitar golpes e retrocessos políticos na Bolívia, no Equador, no Haiti, no Paraguai e na Venezuela.

A principal característica deste regionalismo anárquico é a rejeição a qualquer tentativa de institucionalização de mecanismos de governança supranacional, fruto do soberanismo que impera no subcontinente. Ninguém quer abrir mão da soberania nacional, enquanto na União Europeia há um consenso de que ceder parte da soberania nacional é precondição para manter a influência europeia no mundo.

Na análise da professora da Universidade Torcuato di Tella, a segunda característica é a preservação da liberdade e da autonomia regional.

Até mesmo a Organização dos Estados Americanos (OEA), fundada em 1948 como um instrumento de defesa dos interesses dos EUA na região durante a Guerra Fria, nos últimos anos age em defesa de interesses coletivos, como na crise de março de 2008, depois que a Colômbia matou o subcomandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), Raúl Reyes, num acampamento no Equador.

Outra característica é a espontaneidade. Os problemas são resolvidos caso a caso, a partir da iniciativa de governos nacionais.

O quinto elemento importante é a não violência. A única intervenção militar aconteceu no Haiti, com um mandato claro das Nações Unidas para pacificar o país mais pobre da América, que estava à beira da guerra civil.

Por fim, esse regionalismo anárquico marcado pelo soberanismo evita o surgimento de uma liderança regional. Neste aspecto, Mônica Hirst vê dois embates que terminam empatados, Venezuela x Brasil e Brasil x EUA.

Nem o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, consegue impor sua ideologia bolivarista nem o Brasil consolida uma preeminência política e econômica, apesar da sua assimetria em relação aos demais países latino-americanos.

Ao mesmo tempo, os EUA, voltados para seus próprios problemas internos e para questões internacionais muito mais importantes na sua agenda,  não escapam de uma negligência benigna, benigna na medida em que o não envolvimento evita que seu peso desproporcional destrua um frágil equilíbrio regional e os consensos que ele produz.

Por outro lado, no Brasil, imerso em suas contradições internas, não há um consenso nacional para que o país assuma as responsabilidades permanentes necessárias à consolidação de uma liderança regional, o que teria um custo político e econômico.

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