A Argentina ameaçou aplicar sanções contra empresas que explorem petróleo e gás nas Ilhas Malvinas e o mar territorial a seu redor. Aproveita a oportunidade para exigir a reabertura das negociações sobre a soberania sobre as ilhas.
O conflito, que provocou uma guerra contra o Reino Unido em 1982, voltou agora com a decisão britânica de procurar petróleo e gás na região.
Há quatro dias, a presidente Cristina Kirchner proibiu que navios a caminho das ilhas façam escala em portos argentinos, numa tentativa de impedir que os equipamentos para prospecção cheguem às Malvinas.
Ontem, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, declarou estar confiante numa solução diplomática para aliviar a tensão, mas reafirmou o que considera o direito de explorar as ilhas, que os britânicos chamam de Faklands.
As Ilhas Malvinas foram descobertas por navegadores europeus no fim do século 17. Fazem parte de um arquipélago situado no Sul do Oceano Atlântico, com duas grande ilhas que ficam a cerca de 480 quilômetros da Patagônia argentina.
Em 1764, os franceses iniciaram a primeira tentativa de colonização, estabelecendo uma base na ilha que os argentinos chamam de Grande Malvina e os ingleses de Falkland Oriental. Em 1765, os britânicos ocuparam a ilha de Soledad ou Falkland Ocidental.
Cinco anos depois, em 1770, a Espanha comprou a possessão francesa e expulsou os britânicos, mas eles voltaram no ano seguinte.
Diante do custo elevado de manter uma colônia a 10 mil quilômetros de distância da metrópole, o Império Britânico abandonou as Falklands, mas não sua reivindicação de soberania sobre as ilhas.
Em 1820, depois que a Argentina se tornou independente da Espanha, ocupou as Malvinas, retomadas pelo Império Britânico em 1833.
Desde então, a Argentina exige a devolução das ilhas, consideradas um enclave colonialista na América do Sul. Nas escolas argentinas, as crianças do país aprendem caligrafia escrevendo "Las Malvinas son argentinas" e "Son argentinas las Malvinas".
Nos anos 70 do século passado, o Reino Unido, querendo se livrar do fardo de colônias de custo elevado, começou uma negociação diplomata discreta no mesmo modelo que seria usado no acordo de 1984 que devolveu Hong Kong à China em 1º de julho de 1997. Mas o golpe militar de 24 de março de 1976 e o regime sanguinário que tomou o poder, acusado pelo desaparecimento de 30 mil pessoas, fizeram o governo britânico congelar as negociações.
Em 2 de abril de 1982, a Argentina invadiu as ilhas. O assalto seria fruto de um acordo do ditador Leopoldo Fortunato Galtieri com a Marinha argentina. Para obter o apoio da mais poderosa das três armas argentinas para sua ambição de passar do comando do Exército para a Presidência, Galtieri teria oferecido as Malvinas.
O ditador estaria convencido de que "os ingleses não iriam lutar por uma ilhazinhas". Mas a primeira-ministra britânica conservadora Margaret Thatcher não aceitou a humilhação. Afinal, grandes potências não costumam aceitar a conquista de seus territórios.
Depois de muita discussão no Parlamento Britânico, uma força expedicionária foi enviada para retomar as ilhas. Em missões heroicas, pilotos da Marinha argentina fizeram voos rasantes, a cinco a dez metros acima da superfície do Atlântico para iludir os radares e atacar a frota inimiga com mísseis franceses Exocet.
Se tivessem afundado mais navios britânicos, talvez a opinião pública do Reino Unido tivesse mudado de ideia e passado a rejeitar a ação militar. Mas, quando a força expedicionária chegou às ilhas, obteve uma vitória fácil.
Os primeiros comandos britânicos desembarcaram nas Malvinas em 21 de abril. Sob pressão do clima rigoroso do outono no Sul do Atlântico, se retiraram no dia seguinte.
Em 1º de maio, as forças britânicas lançaram a operação terrestre. No dia seguinte, o submarino nuclear britânico Conqueror afundou o cruzador argentino General Belgrano, matando 323 argentinos fora da zona de exclusão imposta pelos britânicos ao redor das ilhas, o que provocou uma reação internacional negativa para Thatcher.
Mais de 700 marinheiros foram salvos das águas geladas. Acuada, a ditadura militar argentina radicalizou ainda mais sua posição, mas a ameaça da Marinha estava neutralizada.
Dois dias depois, um Exocet atingiu o contratorpedeiro britânico Sheffield, que foi abandonado e queimou durante seis dias. Foi um dos episódios que poderiam ter virado a opinião pública na Grã-Bretanha.
Por causa da eficiência dos aviões franceses Etendart e dos mísseis Exocet, os britânicos chegaram a fazer plano para ataque sua base, em Rio Grande, na Terra do Fogo. Seria um ataque ao território continental da Argentina, numa ampliação significativa da guerra.
Para o comando das forças de elite das Forças Armadas britânicas, seria uma operação suicida.
Em 21 de maio, a força-tarefa britânica lançou uma operação de assalto anfíbio nas praias próximas da Baía de São Carlos, na costa noroeste da Grande Malvina.
Sem treinamento, armas adequadas e roupas para resistir ao frio e ao exército profissional do Reino Unido, os reservistas argentinos, convocados sob a ameaça de pena de morte por deserção, se entregaram em alguns casos em troca de abrigo e comida.
A última batalha da guerra, para tomada da capital, que os britânicos chamam de Porto Stanley e os argentinos de Porto Argentino, começou em 11 de junho.
Em 14 de junho, depois de 74 dias de guerra, a Argentina se rendeu. Ao todo, 907 pessoas morreram na Guerra das Malvinas: 649 argentinos, 255 militares britânicos e três mulheres civis residentes nas ilhas.
A derrota vergonhosa completou a desmoralização da ditadura militar argentina e apressou a volta de democracia, com impacto sobre toda a América Latina.
O capitão Alfredo Astiz era conhecido como Anjo da Morte por suas atividades terroristas nos esqudrões da morte da Escola de Mecânica da Armada (ESMA) contra grupos esquerdistas, inclusive o assassinato de uma garota sueco-argentina de 17 anos, Dagmar Hagelin, com um tiro pelas costas. Nomeado governador das Ilhas Geórgias do Sul, se entregou sem disparar um tiro.
Vários grupos de defesa dos direitos humanos e o governo da Suécia pressionaram o governo Thatcher a entregar Astiz. Thatcher, que apoiara a ditadura no seu confronto com grupos de esquerda, assim como sempre apoiou a ditadura do general Augusto Pinochet no Chile, preferiu devolvê-lo à Argentina.
Galtieri e sua junta militar caíram, sendo substituídos pelo general Reinaldo Bignone, que convocaria eleições diretas em 1983, vencidas por Raúl Alfonsín, marco da redemocratização do país.
Se a Guerra das Malvinas serviu para algo na Argentina, foi para acabar com a ditadura.
No Reino Unido, fortalecida politicamente pela vitória, Margaret Thatcher obteve sua maior vitória eleitoral nas eleições parlamentares de 1983. Consolidou o poder, ampliou o programa de privatizações e partiu para o enfrentamento com os sindicatos.
A prova de fogo foi uma greve de mineiros de carvão que durou 11 meses, em 1984 e 1985. Thatcher venceu, reduzindo o poder do sindicalismo britânico.
Desde 1994, a Constituição da Argentina obriga o presidente a lutar pela soberania sobre as Ilhas Malvinas. Caso contrário, pode ser alvo de processo de impedimento por crime de responsabilidade. Mas será preciso um governo menos oportunista do que o do casal Kirchner em Buenos Aires para que as negociações diplomáticas avancem.
Na posição do governo britânico, qualquer mudança de status nas últimas colônias do império depende da aprovação dos moradores do território. Isso impede as negociações com a Espanha sobre Gibraltar, já que os habitantes, na maioria britânicos, são contra.
Pouco mais de 3 mil kelpers vivem nas Malvinas e não aceitam viver sob domínio argentino.
Durante a guerra, o embaixador do Brasil em Londres, Roberto Campos, argumentou junto ao governo Thatcher que seria muito mais barato reassentar os kelpers na Escócia, que tem um clima semelhante ao das Malvinas. Mas impérios, mesmo decadentes, não aceitam ser humilhados.
O Brasil apoiava a reivindicação argentina de soberania sobre as ilhas, mas rejeitava o uso da força. Mantém essa posição até hoje.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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