Como atual presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil convocou uma reunião de emergência neste domingo, mas é difícil que a organização internacional possa acabar com a guerra entre Israel e o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), um grupo fundamentalista muçulmano considerado terrorista pela Europa e os Estados Unidos. Poderia condenar o terrorismo do Hamas, mas nem isso conseguiu.
O Conselho de Segurança deve aplicar tais sanções através das forças armadas colocadas à sua disposição pelos países-membros. Desta prerrogativa, decorre total proibição do recurso à força armada para todos os países da organização, a não ser em legítima defesa, como é o caso da guerra ao Hamas declarada por Israel.
O Conselho é composto por 15 membros, cinco permanentes, as grandes potências com direito de veto (EUA, China, França, Reino Unido e Rússia), e 10 países eleitos para representar as regiões, entre eles às vezes o Brasil, por dois anos, em uma das duas vagas reservadas à América Latina.
Toda decisão do Conselho de Segurança precisa ser aprovada por pelo menos 9 dos 15 membros e não receber nenhum voto contra dos cinco grandes, o que seria um veto. Normalmente, faz-se um anteprojeto de resolução que circula entre os países-membros. Não havendo um consenso mínimo, a questão só é colocada em votação para marcar posição.
Esta hegemonia dos cinco grandes entra em conflito com o Art. 2 da Carta, que prescreve a igualdade entre os Estados, princípio básico do direito internacional.
Assim, o Conselho de Segurança cristaliza o poder dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Reflete uma divisão de poder baseada na corrente de pensamento realista em relações internacionais, que acredita que em última análise vale o uso da força, e tenta eliminar o idealismo pacifista que levou ao fracasso da Liga das Nações.
Normalmente, EUA, Grã-Bretanha e França formavam um bloco ocidental e depois negociavam com URSS ou Rússia e China. A invasão do Iraque pelos EUA para derrubar Saddam Hussein, em 2003, abalou esse bloco ocidental, enfraquecendo a posição dos EUA. Resultado: os EUA recorrem menos ao Conselho de Segurança, apenas em caso de necessidade de cooperação internacional, como na reconstrução do Iraque.
O bloco ocidental voltou a se unir depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, mas o acirramento da tensão com as grandes potências autoritárias e o risco de uma nova guerra fria torna mais provável o veto da China ou da Rússia.
CRÍTICA
Uma crítica importante ao modelo da ONU é a escolha de uma instância executiva, o Conselho de Segurança, como órgão mais importante, dotado pela primeira vez na história de monopólio da violência legítima na esfera internacional. Na opinião de Hans Kelson, um filósofo e jurista austríaco, somente um órgão jurisdicional poderia ter este poder, já que depende da capacidade de diferenciar três dimensões de uma situação conflituosa:
• o juízo sobre a existência ou não de uma infração da ordem internacional;
• existindo um delito, o juízo sobre que punição aplicar ao Estado faltoso;
• o juízo sobre quem aplicará tal sanção e em que condições.
Kelson admite que a segunda e terceira fases podem ficar a cargo de um órgão executivo mas entende que a primeira cabe a juízes independentes indicados por seu saber jurídico, em vez de representantes de governos nacionais.
Uma vez imparcial e tecnicamente correto, o juízo frearia a atitude belicosa dos Estados mais fortes, uma visão idealista.
Ao assumir posições claramente políticas, o Conselho de Segurança é necessariamente parcial. Fica evidente que possui um poder discricionário, não jurídico.
Face à hegemonia institucionalizada dos cinco grandes, o CS dá maior proteção aos interesses das grandes potências do que ao direito internacional.
Não havendo governo mundial, não há uma autoridade internacional legítima, razão pela qual os EUA rejeitam o Tribunal Penal Internacional alegando não haver uma autoridade com legitimidade política e democrática por trás do tribunal, o que contraria os princípios do direito norte-americano.
REALPOLITIK
As relações internacionais ainda sofrem forte influência da realpolitik, embora seja evidente uma democratização, um aumento crescente do peso da opinião pública. Todos os governos europeus que apoiaram a invasão do Iraque pelos EUA foram derrotados nas urnas e a aprovação do presidente George W. Bush caiu para 30%, tornando-o um dos presidentes mais impopulares da história.
Talvez tenha se perdido uma oportunidade de mudar o Conselho de Segurança no fim da Guerra Fria, incluindo como membros permanentes Japão e Alemanha, as novas grandes potências econômicas. Isto aumentaria sua contribuição à ONU. Os derrotados de 1945 financiariam a nova ordem internacional. Mas o debate incluiria o acesso dos países em desenvolvimento, como Brasil e Índia.
Haveria uma erosão real do poder da Grã-Bretanha e da França, os grandes impérios coloniais de 1945, hoje membros poderosos da União Européia, além de maior dificuldade em chegar a consenso. Isso traria o risco de paralisar mais ainda o Conselho de Segurança e a ONU como instituição internacional encarregada de preservar a paz internacional.
A carta autoriza o Conselho de Segurança a usar organismos regionais para uma ação coercitiva, mas nenhuma ação coercitiva será levada a efeito sem a autorização do Conselho (Art. 53, § 1º). Um exemplo deste tipo de ação coercitiva está nas missões de paz lideradas pela Nigéria em países do Leste da África, como Libéria e Serra Leoa.
No Cap. VI, a Carta trata da solução pacífica dos litígios em várias etapas. A primeira prevê que as partes em litígio cheguem a uma solução através da “negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha” (Art. 33, § 1º).
O Cap. VII da Carta trata do uso legítimo da força. Ao definir, no Art. 39, que “o Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”, a Carta dá amplos poderes aos países-membros, especialmente aos membros permanentes, do CS.
Para prevenir ou resolver conflitos, a Carta enumera algumas etapas a serem percorridas pelo Conselho de Segurança. A primeira tenta congelar o conflito com a adoção de medidas provisórias (Art. 40). Com certeza, no momento, Israel não vai aceitar um cessar-fogo.
A segunda faculta ao Conselho de Segurança convidar os países-membros a aplicar certas medidas, sem recurso às forças armadas. São medidas como a “interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos ou de qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas” (Art. 41).
As sanções também são inúteis neste momento. O Hamas já sofre e ninguém vai punir Israel neste momento. Se a resposta israelense for brutal, com a morte de muitos civis palestinos, pode haver uma reação internacional contra a guerra, mas três grandes potências do Conselho de Segurança, os EUA, a França e o Reino Unido, já afirmaram que Israel tem o direito de se defender.
USO DA FORÇA
Numa etapa posterior, o Conselho de Segurança “poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios ou outras operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas” (Art. 42).
A indefinição da expressão “outras operações” dá ao Conselho de Segurança amplas prerrogativas para agir, facultando-lhe inclusive a possibilidade de impor a paz militarmente. Mas isso é impensável nesta guerra.
Quando o Conselho de Segurança toma uma decisão, ela é obrigatória para os países-membros, que “se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem” (Art. 43).
Israel nunca cumpriu as resoluções 242 e 338, que pedem a retirada israelense dos territórios árabes ocupados na Guerra dos Seis Dias (1967), e não sofreu nenhuma sanção.
A única possibilidade de exclusão viria da não conclusão de acordo especial para operacionalizar o uso da força, que deve ser “submetido à ratificação, pelos Estados signatários, de conformidade com seus respectivos processos constitucionais” (Art. 43, § 3º).
Assim, a iniciativa militar coletiva só será possível com o apoio dos membros permanentes nas duas etapas essencias: na primeira, quando deve haver unanimidade de decisão; e, na segunda, quando se tratar da operacionalização. Pode acontecer que um membro permanente apoie a guerra, mas não se disponha a oferecer suas forças armadas, caso da URSS na Guerra do Golfo de 1991.
Nenhum comentário:
Postar um comentário