segunda-feira, 17 de maio de 2010

Irã se considera herdeiro do Império Persa

O Irã é a antiga Pérsia. Considera-se herdeiro do mais antigo império multinacional da História e de seus grandes reis-heróis, Dario, Xerxes e Ciro, que enfrentaram os gregos nas Guerras Médicas ou Medo-Persas ou Greco-Persas (499-449AC), em batalhas famosas como Maratona, Salamina e Termópilas.

Há um filme de Hollywood recente sobre essa guerra, 300, em referência aos 300 de Esparta, que sob o comando de Leônidas resistiram a um Exército persa muito mais numeroso. O filme é criticado como uma peça de guerra subliminar que visa a demonizar o inimigo, no caso o Irã.

Rodrigo Santoro, travestido como um homossexual escandaloso, é o imperador Xerxes, enquanto os gregos, fundadores da civilização ocidental, são os heróis brancos e americanizados.

As guerras estão contadas em História, de Xenofonte, um dos pais da História.

Contra todas as previsões, as cidades-estado gregas derrotaram o maior império da época, tornaram-se imperialistas e brigaram entre si na Guerra do Peloponeso, acabando com o período áureo da Grécia Antiga. O país seria conquistado por Felipe da Macedônia.

Seu filho, Alexandre, o Grande, um dos maiores generais de todos os tempos, derrotou e conquistou o Império Persa e o vizinho Afeganistão (foi o único ocidental a fazer isso antes da invasão americana pós-11 de setembro. A Batalha de Gaugamela, em que derrotou Dario III, em 331 AC, marca o fim do Império Persa da Antiguidade.

O Irã também é berço do Zoroastrismo.

Depois do fim do Império Persa,  a região foi incorporada ao Império Helenístico deixado por Alexandre, que morreu em Babilônia em 323AC.

Mais tarde, foi dominada pelo Império Romano, na época de sua major expansão, sob Trajano (98-117 DC). Com a decadência do império, ressurgem dinastias tribais locais, que enfrentam o Império Bizantino.

A grande mudança vem na Batalha de Kassídia, em 637, com a expansão árabe para propagar o Islamismo. Durante um século, o país é dominado pelo Califado de Damasco e depois passa para o Califado Abácida, que funda Bagdá para ser sua capital em 742.

É no Irã, e em seguida no Norte da África e na Península Ibérica, e mais tarde na Europa, que o Islamismo saiu do mundo árabe para se tornar uma religião internacional, uma das maiores da humanidade, com 1,3 bilhão de seguidores.

Só no final do primeiro milênio a Pérsia conquistou independência de Bagdá, sob os Samânidas, que tinham como capital Bukhara. Mas essa dinastia foi vencida por tribos turcas.

Nesta época, agia na região a seita dos Assassinos, considerados precursores do terrorismo político que hoje é endêmico no Oriente Médio.

Em 1256, são os mongóis que invadem a Pérsia e depois o Império Otomano.

FUNDAÇÃO DA MONARQUIA
Só em 1501, sob a dinastia Safavida, que tornou o xiismo a religião oficial do país, o Irã recuperou sua independência e lançou as bases da monarquia que vigorou até a revolução islâmica de 1979.

A partir do século 17, entram na disputa por influência sobre o país as potências europeias, notadamente nos Impérios Britânico e Russo, que fariam o Grande Jogo na região, incluindo o Afeganistão.

No início do século 20, de 1905 a 1911, houve a chamada Revolução Constitucionalista contra o absolutismo da dinastia Kajar e o país passa a ter um parlamento. O xá seria submetido à lei e a coroa passa a ser “uma dávida divina dada ao xá pelo povo”.

Em 1921, sob um clima de caos gerado pela ameaça da invasão de um exército guerrilheiro soviético, Reza Shah Pahlevi, um oficial da Brigada Cossaca Persa, treinada pela Rússia, dá um golpe de estado, assina um tratado de amizade com os soviéticos e funda a dinastia Pahlevi.

Reza Shah é coroado em 15 de dezembro de 1925 e impõe um regime autoritário, nacionalista, militarista, secularista e anticomunista, com censura pesada e muita propaganda governista. Foi sucedido em 1941 pelo filho Mohamed Reza Pahlevi, depois de uma invasão anglo-soviética.

O Xá dos Xás, Sua Majestade Imperial, a Luz dos Arianos e o Chefe dos Guerreiros. Na sua releitura do passado, celebrou os “2,5 mil anos da continua monarquia”, desde a fundação do Império Persa por Ciro.

Reza Pahlevi fez uma série de reformas econômicas promovendo uma modernização conservadora. Essas políticas e o reconhecimento de Israel o levaram a se distanciar do clero xiita.

Com o golpe contra o primeiro-ministro nacionalista Mohamed Mossadegh, que nacionalizou o petróleo e foi derrubado numa conspiração anglo-americana, em 1953, o Xá assumiu poderes absolutos, baniu o Partido Comunista e governou com o apoio de uma temida polícia política, a Savak, acusada por até 100 mil mortes. Era a instituição mais odiada do país.

Sob o Xá, o Irã era o país do Oriente Médio que mais recebia ajuda dos EUA, que chegou a US$ 11 bilhões por ano. O presidente Jimmy Carter elogiou o regime como um exemplo de estabilidade na região.

A  onda de protestos começou em janeiro de 1978. De agosto de 1978 a janeiro de 1979, uma onda de greves paralisou o país, especialmente o setor petrolífero. Os sindicatos começaram a revolução, que reunia desde liberais pró-Ocidente até extremistas religiosos.

Foram as maiores manifestações de massa de História, uma multidão nas ruas.

REPÚBLICA DOS AIATOLÁS
Os aiatolás, sob a liderança de Khomeini, eram a única instituição organizada para substituir o regime que desabava. Em 11 de fevereiro de 1979, o Xá entregou o país aos aiatolás e foi-se embora.

Com o passar do tempo, a linha dura tomou conta. Houve choques nas ruas de Teerã entre liberais descontentes com o regime, devidamente massacrados pela Guarda Revolucionária e suas milícias associadas.

A meta da ideologia de Khomeini é derrubar a ideia de que o progresso traz junto a ocidentalização da sociedade. É preciso reislamizar a umma, o conjunto de todos os muçulmanos, que era a proposta de Hassan al-Bana, fundador do primeiro grupo fundamentalista islâmico, a Irmandade Muçulmana, no Egito, em 1928.

Era uma primeira reação organizada contra a modernização imposta pelo colonialismo europeu desde a invasão do Egito por Napoleão em 1798.

Outro ideólogo importante do jihadismo e do ben-ladismo é Said Kutub, um egípcio que apoiou a revolução que derrubou a monarquia no Egito em 1952, mas rompeu com Gamal Abdel Nasser, o grande líder do nacionalismo pan-árabe, um nacionalista de esquerda que não queria mistura política e religião.

Na visão dos fundamentalistas, a religião deve orientar toda a vida social e política. Kutub escreveu na cadeia uma série de livros que lança as bases ideológicas do terrorismo muçulmano, partindo do princípio de que é preciso combater incessantemente os infiéis no mundo inteiro. A solução não está mais em islamizar a umma.

É preciso islamizar o mundo inteiro. Khomeini foi o tradutor de Kutub para o persa. Misturou o Corão, o xiismo, as ideias radicais do sunita Kutub e elementos da Revolução Francesa (revolução e república) para fazer a primeira revolução islâmica, com a tomada do poder e a mudanças na estrutura do Estado iraniano.

Nem Ocidente. Nem Comunismo. O mundo precisava de uma Revolução Islâmica. Khomeini introduziu a charia, o direito islâmico, e o conceito de velayat-e fakih, a sociedade precisa ser supervisionada por um Conselho de Guardiães da fé e da revolução, os sábios, juristas e doutores do Islã.

Esta é a base da ditadura teocrática, em que o presidente, o governo, o Parlamento, a Justiça, as Forças Armadas, a Polícia, todas as instituições estão subordinadas ao Supremo Líder Espiritual, posição ocupada por Ali Khamenei desde a morte de Khomeini, em 1989.

A revolução iraniana foi das primeiras a se submeter ao teste das urnas, mas o regime veta milhares de candidatos, cerca de mil na primeira eleição de Ahmadinejad e  mais de 400 na do ano passado.

Naturalmente, a revolução desagradou as diferentes ditaduras que governam os países muçulmanos, nem as superpotências da Guerra Fria. Todos apoiaram o ditador iraquiano, Saddam Hussein, quando ele invadiu o Irã, em 22 de setembro de 1980.

GUERRA ENTRE MUÇULMANOS
Essa guerra brutal durou oito anos. Matou quase 1 milhão de muçulmanos. Foi alimentada pelos dois lados por interessados em ver dois países muçulmanos se degladiando.

Dentro dela, houve uma Guerra dos Petroleiros, com ataque a navios-taque no Golfo Pérsico, e uma Guerra das Cidades, bombardeios maciços contra centros urbanos, de lado a lado, inclusive com armas químicas.

Em 1987, Khomeini teria vencido suas resistências e autorizado a Guarda Revolucionária a desenvolver armas nucleares.

Como a revolução passou a apoiar grupos radicais que seqüestraram americanos no Líbano, o governo Reagan vendeu armas e peças de reposição para os arsenais comprados pelo xá em troca da libertação de reféns.

Depois de dois governos do reformista Mohamed Khatami, eleito contra a vontade da linha dura, com 70% dos votos, no primeiro turno, quando parecia que o regime evoluiria gradativamente para uma liberalização, as invasões do Iraque e do Afeganistão levaram a nova radicalização interna e à eleição do ex-prefeito de Teerã Mahmoud Ahmadinejad, tema que exploro num capítulo do meu livro.

Foi uma eleição difícil, em segundo turno, de um cara de fora do círculo íntimo do regime mas seu fiel seguidor, um ex-guarda revolucionário que acenou com um programa de renda mínima no interior e bateu as pesquisas de opinião oficiais.

Ahmadinejad nega o Holocausto e ameaça varrer Israel do mapa. Isso aumenta a preocupação com o programa nuclear do Irã, que já foi alvo de três rodadas de sanções do Conselho de Segurança da ONU para pressionar o regime a parar de enriquecer urânio.

No ano passado, dentro das negociações propostas por Obama, Rússia e França se ofereceram para processar urânio até 20%. Em outubro, Ahmadinejad aceitou em princípio, mas foi bombardeado internamente por governo e oposição.

Dentro do xadrez político interno, a questão nuclear é peça fundamental. Há duas semanas, Khamenei descartou totalmente a possibilidade de mandar urânio para fora do país.

Na semana passada, o ministro do Exterior da França, Bernard Kouchner, advertiu Lula de que ele será enganado em Teerã porque o Irã não tem interesse em aceitar plenamente as regras do TNP.

Na abertura da conferência que revista o tratado até o fim deste mês, tanto o secretário-geral da ONU quanto o diretor-geral da AIEA disseram que “cabe ao Irã provar que seu programa nuclear é inteiramente pacífico”.

O Irã não abre suas instalações a inspeções da agência nem responde às dúvidas da agência.

Soma-se a isso um endurecimento do regime diante dos protestos contra a reeleição fraudulenta de Ahmadinejad.

FRAUDE ELEITORAL
Como na questão nuclear, não há nenhum revólver fumegante, nenhuma prova defnitiva de que o Irã esteja fazendo a bomba nem de que a eleição foi roubada. Mas todos os indícios levam a essas conclusões.

O regime sente nos EUA uma ameaça existencial, e quem quiser enfrentar os EUA precisa de armas de destruição em massa, como conclui o ex-ministro da Defesa da Índia Jaswant Singh.

Teerã não abre as instalações nucleares e desenvolve uma tecnologia de uso duplo. Para fazer a bomba, é preciso enriquecer urânio acima de 90% O Irã está em 3,5% e já anuncia capacidade de enriquecer a 20%.

A Europa e os EUA, inclusive França e Alemanha, países que não apoiaram a invasão do Iraque, não acreditam nas negativas de Teerã.

Já a fraude eleitoral foi revelada num estudo da Chatham House, o Royal Institute of International Affairs, uma das muitas instituições que premiaram o presidente Lula. É altamente improvável que Ahmadinejad tenha ganho no primeiro turno, quando precisou de um segundo turno numa eleição em que não havia nenhum reformista forte.

A apuração centralizada não permitiria apurar 46 milhões de votos em poucas horas. Ao longo de toda a apuração anunciada oficialmente, a distribuição percentual de votos entre os candidatos não variou, como se uns não fossem mais fortes do outros em diferentes regiões do país. Há vários cálculos que indicam a virtual impossibilidade de se acreditar no resultado oficial.

Os protestos foram violentamente reprimidos, o número de execuções dobrou, pelo oito dissidentes foram executados, a censura aumentou, especialmente na Internet, a milícia Bassij matou pelo menos 20 dissidentes, inclusive Neda Soltan, que virou o símbolo da revolta popular.

Isso não significa que o regime esteja ameaçado. Mas é uma ditadura com peso cada vez maior da Guarda Revolucionária, como mostra a vitória de Ahmadinejad contra antigos líderes do regime, sem qualquer perspectiva de reformas ou de submeter o programa nuclear a um controle democrático ou civil.

Israel e os EUA já examinaram a possibilidade de bombardear 100 a 200 alvos do programa nuclear. Mas há muitas instalações em cidades e universidades. Seria preciso atacar as defesas antiaéreas para minimizar o risco aos pilotos atacantes. E o Irã tem aliados capazes de lançar contra-ataques terroristas.

O resultado mais provável seria uma conflagração generalizada no Oriente Médio.

Ao mesmo tempo, o Irã não colabora para a paz com Israel, que não reconhece e chama de “entidade sionista”, arma grupos xiitas no Iraque, o Hesbolá e o Hamas. Seu ministro da Defesa, Ahmed Vahidi, tem prisão decretada na Argentina por atentados contra alvos judaicos em Buenos Aires nos anos 90.

Além da ameaça a Israel e do terrorismo nuclear, uma bomba iraniana deflagraria uma corrida nuclear no Oriente Médio, com Síria, Egito, Turquia e Arábia Saudita querendo equilibrar o poder de fogo do vizinho persa.

Em tese, uma negociação global com o Irã capaz de reduzir a paranoia do regime seria altamente benéfica em várias frentes. É o que buscam Lula e Celso Amorim. A questão é se isso é possível.

O Brasil e a Turquia são os únicos países democráticos que ainda estendem a mão ao Irã. A resposta positiva ao presidente Lula foi anunciada ontem à noite pelo ministro do Exterior da Turquia.

A Turquia é extremamente cética. Ainda desconfia do Irã. Teme que o regime fundamentalista iraniano esteja enrolando para ganhar tempo.

É provável que os EUA rejeitem a proposta iraniana e continuem pressionando o Conselho de Segurança das Nações Unidas a aprovar uma quarta rodada de sanções contra o Irã.

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