Na onda do crescimento espetacular nas últimas décadas, a China se tornou um importante ator global nas relações internacionais e sofisticou sua política externa, trocando a ideologia pelo pragmatismo, observou o professor David Shambaugh, ao falar sobre A Ascensão da China em palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.
Sob a liderança do presidente Hu Jintao, houve mudanças significativas na política externa chinesa:
• a prioridade é a relação com os Estados Unidos, depois com os vizinhos e a Europa;
• há uma preocupação global, o que inclui a África, a América Latina e o Oriente Médio;
• o processo de tomada de decisões é mais compartilhado;
• outros líderes viajam ao exterior, além do presidente, do primeiro-ministro e do ministro do Exterior.
Shambaugh elogia a política externa de Hu. Não há grandes inimigos, apenas algumas tensões comerciais com os EUA e a Europa. Mas o professor vê uma deterioração nas relações sino-russas. Há cerca de um ano, a Rússia parou de vender armas para a China, talvez com medo de armar um vizinho cada vez mais poderoso.
“Houve mudanças impressionantes nos últimos 20, 30 anos”, constata Shambaugh, “a começar pela qualidade dos diplomatas chineses. Eles não era muito bem-educados e só falavam em ‘Taiwan, Taiwan, Taiwan...’ Liam textos que traziam prontos em conferências internacionais, num discurso ideológico surrado”.
Em vez de negociar, marcavam posição.
“Agora, são cultos e sofisticados, bem-preparados, inclusive com especialização no exterior, e muito ativos nas instituições multilaterais. Estão mais interessados em ação do que no discurso”, comentou o professor.
A relação EUA-China é a mais importante relações bilateral hoje no mundo. Há meses, foi criada uma linha telefônica direta usada com freqüência. Os presidentes George W. Bush e Hu Jintao falam seguidamente e se encontram três a quatro vezes por ano. Há um diálogo estratégico realizado duas vezes por ano com a participação de 25 ministros.
Apesar das fortes suspeitas mútuas entre os militares e serviços de informações dos dois países, há questões importantes de interesse comum, como a segurança e a estabilidade da Ásia, o terrorismo e o programa nuclear da Coréia do Norte.
Nas relações com a União Européia, há problemas comerciais, mas houve uma melhora sensível. A UE é hoje o segundo maior parceiro comercial da China.
Há 170 mil chineses estudando na Europa e 35 grupos de trabalho com a Comissão Européia, discutindo comércio, direitos humanos, o Dalai Lama, o embargo comercial e o status de economia de mercado, perseguido pela China.
“O então presidente da Argentina, Néstor Kirchner, concedeu o status em agosto de 2004 sem perceber as conseqüências reais”, assinalou Shambaugh. “Agora, impôs restrições.”
As relações da China com o Japão e Taiwan, inimigos históricos, melhoraram muito nos últimos meses. No período mais radical da revolução comunista, no começo da Grande Revolução Cultural Proletária, em 1966, a China usava uma retórica agressiva e se isolou do mundo. Tinha uma série de problemas com vizinhos.
Quem rompeu o isolamento foi o então secretário de Estado americano Henry Kissinger, que viu uma oportunidade de atrair a China, que se afastara da União Soviética, com quem quase entrou em guerra em 1969. Agora, a China assina pactos de não-agressão com os vizinhos.
A relação com o Japão, essencial para a estabilidade da Ásia, abalada pelo nacionalismo do primeiro-ministro Junichiro Koizumi (2001-06), que visitou várias vezes o santuário xintoísta Yasukuni, onde estão enterrados 14 criminosos de guerra japoneses da Segunda Mundial. Melhorou bastante nos últimos anos, meses e semanas.
O regime comunista chinês não aderiu ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis e chegou a difundir sua tecnologia nuclear militar para o Paquistão e a Coréia do Norte.
“Hoje, a China faz parte de 280 organizações internacionais, mas não da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nem do Grupo dos Oito”, notou o professor.
“É um membro cooperativo. Ajuda a forjar as instituições internacionais e não se opõe às alianças dos EUA na Ásia”, acrescentou. “Tem 2 mil soldados participando de operações de paz em 20 países, inclusive no Haiti, com quem a China não tem relações diplomáticas.”
A China apóia a reforma do Conselho de Segurança da ONU, mas vetou sua ampliação por causa do Japão. Quer “democratizar” a ONU, o que significa reduzir o poder americano.
Usa o poder de veto para impedir decisões importantes de interesse do Ocidente como uma ação mais decisiva contra o Sudão pelo genocídio de Darfur ou contra a ditadura do Zimbábue. Como a Rússia, defende o princípio da não-intervenção nos assuntos internos de outros países, revelando inclusive certo temor de que o direito internacional humanitário seja usado contra si.
Há também as relações internacionais do Partido Comunista da China com partidos do mundo inteiro. Só não tem relações com partidos fascistas e os dois grandes partidos americanos. O Brasil já recebeu a visita de cinco membros do atual Politburo do Comitê Central do PC chinês.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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