O economista e deputado de ultradireita Javier Milei venceu as eleições primárias abertas simultâneas e obrigatórias (PASO) na Argentina com 30,25% dos votos. É o candidato da antipolítica na eleição presidencial de outubro e novembro.
A aliança de direita Juntos pela Mudança (JxC), ficou em segundo com 28,25%, com vitória na disputa interna da ex-ministra Patricia Bullrich (17%) sobre o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta (11,2).
A União pela Pátria, do governo peronista, ficou em terceiro com 27,17%. Com inflação de 115% ao ano, o ministro da Economia, Sergio Massa, que tinha a expectativa de ser o mais votado, teve apenas 21,35% dos votos.
Desde já, Milei é o favorito no primeiro da turno da eleição presidencial, em 22 de outubro. Se nenhum candidato tiver mais de 45% dos votos ou mais de 40% e vantagem de mais de 10 pontos sobre o segundo colocado, haverá segundo turno em 19 de novembro.Eufórico, Milei declarou: "Conseguimos construir esta alternativa competitiva que não dará fim só ao kirchnerismo. Além disso, dará fim à casta política parasitária, ladra e inútil." O jornal argentino Clarín o comparou aos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro e ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que assumiu poderes ditatoriais.
"O impacto do triunfo de Milei e sua amplitude falam da extensão da desesperança e da raiva que pulsa na sociedade argentina, que quis com seu voto agora em agosto expressar seu mal-estar profundo", escreveu o colunista Ricardo Kirschbaum. "Que esse sentimento se transforme numa força política capaz de governar este país complexo ainda é uma incógnita."
Sua crítica ataca tanto a direita quanto a esquerda, mas o ex-presidente Mauricio Macri, líder da aliança JxC, destacou que a soma dos votos da direita e da extrema direita indica que os argentinos querem mudança.
Neste sentido, o grande derrotado nestas primárias foi o kirchnerismo, a força política que dominou a política argentina a partir de 2003, com a breve interrupção do governo Macri (2015-19), desde a recuperação do país da profunda crise causada pelo colapso da dolarização da economia, em dezembro de 2001, quando 58% dos argentinos caíram abaixo da linha de pobreza. Hoje, mais de 40% estão na pobreza.
A crise econômica argentina vem desde a última ditadura militar, que acabou com a indústria, inflou o sistema financeiro e reprimiu os sindicatos, reduzindo a renda dos trabalhadores em 37%.
Quando Raúl Alfonsín foi eleito presidente, em 1983, pela União Cívica Radical (UCR), os argentinos acreditavam que a democracia traria estabilidade política e resgataria a prosperidade do que já foi um dos dez países mais ricos do mundo.
Alfonsín (1983-89) não conseguiu controlar a inflação herdada da ditadura. Com alta de preços de 200% ao mês, deixou o poder cinco meses antes do fim do mandato, na primeira transição pacífica de um presidente civil para outro desde 1930 na Argentina.
Sem sucesso com os dois primeiros ministros da Economia, o presidente Carlos Menem (1989-99), peronista de direita, recorreu a Domingo Cavallo, que dolarizou a economia argentina, enrijecendo-a de uma forma que a pesificação deflagrou uma das piores crises de uma economia moderna e relativamente desenvolvida. Deixou a herança maldita para o radical Fernando de la Rúa (1999-2001), que renunciou com dois anos de governo, em 21 de dezembro de 2001, em meio a uma onda de protestos e saques com 39 mortes.
Em 2002, no auge da crise, após uma sucessão de presidentes temporários, assume o peronista Eduardo Duhalde, o candidato derrotado por De la Rúa em 1999.
Duhalde patrocina a candidatura de Néstor Kirchner em 2003, que como presidente assume o controle do Partido Justicialista (peronista), afasta Duhalde e elege a mulher para a Casa Rosada em 2007. Cristina Kirchner foi a primeira mulher eleita para governar a Argentina, ocupando o lugar mítico de Evita Perón.
Kirchner se preparava para voltar quando morreu de infarto em outubro de 2010. Cristina é reeleita em 2011 com 54% dos votos, 37 pontos à frente do segundo colocado. Mas seu segundo governo afunda o país na crise econômica, com corrupção, manipulação da inflação, excesso de gastos públicos, endividamento e ruptura com o sistema financeiro internacional.
O resultado foi a eleição de Macri em 2019. Além de não resolver a crise econômica crônica da economia argentina, Macri fez o maior empréstimo da história do FMI, no valor de US$ 57 bilhões.
Por causa da rejeição Cristina indicou Alberto Fernández em 2019 e ficou como vice. A piada é que a Argentina é um país tão original que inventou o vice-presidencialismo. Cristina várias vezes humilhou publicamente seu apadrinhado para mostrar quem manda.
Assim, a vice-presidente Cristina Kirchner é a maior derrotada. Não foi candidata e não apareceu. A única boa notícia para o kirchnerismo foi a vitória do governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, ex-ministro da Economia de Cristina, com 36,38% votos com mais de 80% das urnas apuradas, à frente de JxC e do partido direita A Liberdade Avança (La Libertad Avanza, LLA).
Massa aposta no canibalismo dos candidatos de direita para que a esquerda fique com uma das vagas no segundo turno. Depois do fracasso do governo Alberto Fernández (2109-23) e da sombra permanente da vice-presidente Cristina Kirchner, as PASO mostram um risco de que o peronismo fique fora do segundo turno, o que seria algo sem precedentes.
Milei surpreendeu em todo o país. Seus candidatos foram mal em eleições regionais recentes As pesquisas lhe davam algo em torno de 20% das preferências. Ele faz sucesso entre os jovens, cansados do kirchnerismo e do macrismo. Apresenta-se como anarcocapitalista.
Seu ponto fraco é a promessa de resolver a crise econômica e a hiperinflação dolarizando a economia argentina, o que já deu errado uma vez e não tem por que dar certo, extinguindo vários ministérios, inclusive da saúde, da educação da cultura, e o Banco Central.
Nos costumes, Milei quer acabar com o direito ao aborto, mas é a favor do casamento gay porque entende que o Estado não deve interferir na vida privada dos cidadãos. Também é contra o Mercosul. Alega que o Estado não deve intervir na economia e que o comércio exterior é uma questão do setor privado.
A corrupção é endêmica. "Conseguimos que o Estado parasse de matar", declarou Luis Moreno Ocampo, procurador adjunto no Julgamento das Juntas Militares, que depois foi procurador-geral do Tribunal Penal Internacional, quando 1985 foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiros. "Mas ainda não conseguimos que pare de roubar."
Neste pântano político, com a inflação correndo a renda das classes médias, o discurso da antipolítica faz sucesso. Se quiserem barrar Milei, os partidos tradicionais devem pensar desde agora numa possível aliança no segundo turno.
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