O magnata e chefe do grupo de mercenários Wagner, Yevgueni Prigojin, que liderou uma rebelião contra as Forças Armadas da Rússia dois meses atrás, morreu hoje na suspeitíssima queda de um avião Legacy, fabricando pela Embraer, quando ia de Moscou para São Petersburgo. O governo russo confirmou a morte de todas as pessoas a bordo, sete passageiros e três tripulantes.
Há anos, Prigojin fazia o jogo sujo da Rússia na África, fornecendo serviços de segurança em troca da exploração de recursos naturais, e na guerra civil da Síria. Seus mercenários foram uma das forças russas mais efetivas na invasão da Ucrânia. Dois dias atrás, divulgou vídeo na África dizendo que estava ajudando a libertar o continente.
REBELIÃO
No maior desafio até hoje à ditadura de Putin, numa tentativa de golpe, em 23 de junho, o senhor da guerra Yevgueni Prigojin, dono da empresa de segurança Wagner, conclamou a uma rebelião armada na Rússia e afirmou que todos seus 25 mil homens estavam prontos para morrer.
Prigojin ameaçava marchar até Moscou se o ministro da Defesa, Serguei Choigu, e o comandante das Forças Armadas da Rússia, general Valery Guerassímov, não fossem até Rostov-sobre-o-Dom, sede do Comando Militar do Sul, negociar com ele.
O Kremlin decretou sua prisão e fechou a estrada até a região do motim. O prefeito de Moscou anunciou medidas para prevenir ações terroristas. Prigojin explodiu depois que o ministro da Defesa decretou o fim dos grupos armados irregulares e ordenou, no início de junho, que fossem integrados às Forças Armadas regulares. E também porque procurador-geral da Rússia anunciou que ele está sendo investigado por crimes com pena de até 20 anos de prisão.
Em pronunciamento divulgado pelas redes sociais, Prigojin acusou os militares russos de bombardear um acampamento de suas forças e declarou que assumiu o controle do destacamento militar e do aeroporto de Rostov-sobre-o-Dom e Voronej, regiões próximas à Ucrânia. Seus mercenários derrubaram sete helicópteros e um avião, matando 12 soldados russos.
Desde o início da guerra contra a Ucrânia, Prigojin ataca o ministro da Defesa e os comandantes militares de não fornecerem as armas e munições necessárias a seus mercenários, que incluem criminosos retirados de prisões para combater na guerra.
Seus homens conseguiram a única vitória significativa da Rússia dos últimos meses ao vencer a Batalha de Bakhmut, uma pequena cidade sem importância estratégica onde os combates duraram um ano.
VIDA PREGRESSA
Preso aos 20 anos por roubo, fraude e corrupção de menores, Prigojin foi condenado a 12 anos em 1981, dez anos do fim da União Soviética. Cumpriu 9 anos. Quando saiu da cadeia, começou a vender cachorros-quentes num mercado em Leningrado, hoje São Petersburgo. Foi sócio e gerente da primeira rede de supermercados de São Petersburgo e fundou cassinos. Foi quando conheceu Putin, presidente da comissão que supervisionava cassinos e jogos de azar.
Em 1995, abriu um restaurante que serviu um jantar para Putin e o presidente francês Jacques Chirac e depois para o presidente norte-americano George W. Bush. Negociou contratos para fornecer comida para escolas e depois para as Forças Armadas da Rússia, este último, em 2012, por 1 bilhão e 200 milhões de dólares. Ficou conhecido como o chef de cozinha do Kremlin.
A empresa de segurança Wagner nasceu em 1º de maio de 2014. É filha da guerra civil fomentada por Putin no Leste da Ucrânia. Há anos, Prigojin faz o jogo sujo para Putin na África e no Oriente Médio. Seus mercenários estão na Síria, na Líbia, na República Centro-Africana, no Mali e no Sudão. No Mali, apoiam militares golpistas que mandaram embora forças da França, antiga potência colonial. Em troca da ajuda militar, a Rússia explora recursos naturais na África.
Ao lançar a rebelião, Prigojin atacou as razões alegadas por Putin para justificar o que a propaganda oficial não chama de guerra, mas de “operação militar especial” para desarmar e desnazificar a Ucrânia.
O senhor da guerra afirmou que o Ministério da Defesa enganou Putin porque não haveria ameaça ucraniana nem nada de extraordinário. Não haveria qualquer razão especial para iniciar a invasão de 24 de fevereiro do ano passado, que chamou de agressão insana. Alegou que o povo russo está sendo enganado.
TRAIÇÃO
A historiadora Nina Kruscheva, bisneta do líder soviético Nikita Kruschev, que deu a Crimeia de presente à Ucrânia no aniversário de 300 anos de União com a Rússia, hoje professora em Nova York, declarou à televisão pública britânica BBC que Prigojin queria tomar o poder no Kremlin.
O ditador russo reagiu imediatamente. Além de ordenar a prisão de Progojin, Putin fez um breve pronunciamento pela televisão sem citar o nome do rebelde. Putin afirmou que a Rússia estava travando a mais dura batalha pelo seu futuro e acusou o Ocidente de tentar dividir o país.
Putin disse: “Precisamos unir todas as forças”. Chamou o motim de traição aos camaradas que lutam nas frentes de batalha, inclusive aos mercenários do grupo Wagner, “uma facada pelas costas no país e no povo”. Responsabilizou a divisão do país pela derrota na Primeira Guerra Mundial em 1917, a destruição do Exército e do Estado, uma grande sublevação, e à guerra civil, com russos matando russos, sem citar as revoluções de 1917, a que derrubou a monarquia e a Revolução Comunista.
“Não podemos deixar que isto aconteça de novo”. O ditador falou em traição aos que lutam para libertar a Nova Rússia”, o nome histórico dado pela czarina Catarina II, a Grande, aos territórios ao Norte do Mar Negro conquistados na segunda metade do século 18, que hoje legalmente fazem parte da Ucrânia. Prometeu punir aqueles que, nas suas palavras, empurram o país ao fratricídio.
“Qualquer motim interno é uma grave ameaça ao nosso Estado, um golpe na Rússia, um golpe contra o povo. Vamos defender o Estado com a dureza necessária”, afirmou o ditador. “A traição, a chantagem e terrorismo serão punidos. As forças armadas vão restaurar a ordem. Uma ação resoluta será tomada para restaurar a situação em Rostov e no Dom. Como comandante supremo e cidadão da Rússia farei tudo para defender a Rússia e a Constituição, as vidas, a segurança e a liberdade do novo povo”, acrescentou Putin.
“Quem organizou e realizou o motim, aqueles que foram atraídos por este crime, que cometeram este erro trágico serão punidos. Tenho certeza de que vou defender tudo o que é sagrado para nós”, concluiu.
Apesar da virulência do discurso, dias depois, os rebeldes foram anistiados e Putin recebeu Prigojin no Kremlin. Um ex-chefe do MI6, o serviço de espionagem do Reino Unido, ironizou: "Foi declarado traidor no café da manhã, anistiado na hora do jantar e convidado para um chá no dia seguinte."
ASSASSINATOS POLÍTICOS
O chá não tinha polônio-210, um elemento radioativo usado para matar o ex-agente Alexander Litvinenko em Londres em 23 de novembro de 2006. Desta vez, o avião caiu.
A morte de Prigojin é mais um assassinato político de adversários políticos ou críticos do ditador do Kremlin. Em 7 de outubro de 2006, a vítima foi a jornalista Anna Politkovskaya, que denunciava as atrocidades da Segunda Guerra da Chechênia, iniciada por Putin para consolidar o poder quando se tornou primeiro-ministro de Boris Yeltsin, em 1999.
A defensora dos direitos humanos Natalia Estemirova, que também acusava o Kremlin por crimes de guerra na Chechênia, foi morta em 15 de julho de 2009 na república russa da Inguchétia.
Em 27 de fevereiro de 2015, o ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov foi mortos a tiros a 50 metros das muralhas do Kremlin dois dias antes de um comício em que denunciaria a guerra contra a Ucrânia e a corrupção do governo russo.
O ex-agente duplo Serguei Skripal e sua filha Yulia foram envenados com o agente nervoso Novichik em Salisbury, na Inglaterra, em 4 de março de 2018, mas sobreviveram.
O principal líder da oposição russa, Alexei Navalny, também foi envenenado com Novichok, em 21 de agosto de 2020, quando fazia campanha eleitoral em Tomsk. Seu voo de volta para Moscou fez um pouso de emergência em Omsk para que ele pudesse ser atendido. Levado inconsciente para tratamento na Alemanha, foi preso na volta sob a acusação de violar os termos de sua liberdade condicional.
Em janeiro de 2021, a suspensão da pena por processos forjados sob acusações de corrupção foi substituída por uma pena de dois anos e meio de reclusão. Esta pena foi acrescida de mais nove anos de prisão em março de 2022 por corrupção e desacato à justiça.
Um novo processo, por extremismo, condenou Navalny a mais 19 anos de prisão. Tudo indica que só sai da prisão quando Putin cair ou morrer, se sobreviver até lá.
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