Um dos
insultos mais disparados nas discussões redes sociais é a pecha de fascista,
esgrimida tanto à direita quanto à esquerda para desqualificar o oponente e
vencer o debate com um ataque letal.
A grosso
modo, no conceito genérico, o fascismo é o uso da força para fazer política,
atropelando os princípios da democracia liberal. Neste sentido, pode ser
aplicado aos autoritarismos de direita e de esquerda.
No Dicionário de Política (Brasília: UnB,
1986), Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino identificam “três
usos ou significados principais do termo”.
O primeiro é
o Fascismo italiano, o movimento liderado por Benito Mussolini, que tomou o
poder na Itália em 1922 e levou o país à Segunda Guerra Mundial.
O segundo é
a dimensão internacional que o Fascismo alcançou com a ascensão do
nacional-socialismo de Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933. A guerra iniciada pelo ditador nazista matou mais de 50 milhões de pessoas.
O terceiro “estende
o termo a todos os movimentos e regimes que compartilham com aquele 'Fascismo
histórico' um certo núcleo de características ideológicas e/ou critérios de
organização e/ou finalidades políticas”.
Esta última
acepção se tornou tão ampla que os autores consideram difícil de usar
cientificamente. Assim, os dicionaristas chamam de Fascismo o movimento de
Mussolini, de Nazismo o de Hitler e de neofascismo todas as suas derivações
mais recentes, pós-Segunda Guerra Mundial.
Em geral, observam
os dicionaristas, se entende por Fascismo um sistema autoritário de dominação
caracterizado por:
- monopólio
da representação política por um grande partido único de massas,
hierarquicamente organizado;
- uma
ideologia fundada no culto ao líder, na exaltação da coletividade nacional, no
desprezo aos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de
classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema
corporativista;
- objetivos
imperialistas em nome da luta dos países pobres contra as grandes potências;
- mobilização
das massas e seu enquadramento em organizações controladas pelo regime, pelo
partido e pelo governo;
- aniquilamento
das oposições através da violência e do terror;
- um
aparelho de propaganda que controla as informações e os meios de comunicação de
massa;
- um
dirigismo estatal na economia, que permanece em mãos do capital privado; e
- integração
das estruturas de controle do partido e do Estado, dentro de uma lógica totalitária
de dominar todas as relações econômicas, políticas, sociais e culturais.
Para o
pensador italiano Umberto Eco, o que banalizou a palavra fascismo é o fato de
que bastam algumas dessas características para determinado regime ser declarado
fascista. Como um movimento ultranacionalista, o fascismo adquiriu
particularidades de acordo com a realidade de cada país.
Assim, o
fascismo é, ao mesmo tempo, um fenômeno nacional e supranacional, ao se
propagar além das fronteiras. “Na realidade, o Fascismo, como evento histórico,
é um fenômeno mais amplo que engloba o autoritarismo na sociedade moderna”,
observam Nobbio, Matteucci e Pasquino.
Quando
Mussolini tomou o poder e transformou o Estado liberal num Estado totalitário, “poucos
souberam ver no Fascismo a antecipação de uma crise mais geral que
revolucionaria a Europa e, com a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, viria a
produzir profundas mudanças na organização interna dos Estados nacionais e na
ordem internacional.”
“O atraso
do país, a falta de uma autêntica revolução liberal, a incapacidade e a mesquinhez
das classes dirigentes, unidas à arrogância de uma pequena burguesia parasitária
com a doença da retórica... foram terreno para o cultivo do Fascismo” na Itália, diz o Dicionário de Política.
“Como
expressão das aspirações de uma classe média emergente a um papel político autônomo,
tanto em confronto com a burguesia quanto com o proletariado, o movimento fascista
teria representado um momento de ruptura em relação ao passado, uma proposta de
modernização das estruturas da sociedade italiana, com certa carga revolucionária”,
notam os autores.
O Fascismo
teve origem no Partido Socialista, com que Mussolini rompeu para apoiar a
participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, e tinha um aspecto
revolucionário, em contraste com o Nazismo, que sempre foi essencialmente um
movimento radical de direita reacionário.
Ao tomar o
poder, o Fascismo fez um acordo com as classes dominantes que freou o impulso
subversivo original e manteve as relações tradicionais de poder entre as
classes sociais.
Na visão
marxista, o fascismo não passa de uma
ditadura escancarada da burguesia. “As
origens do fascismo como fenômeno internacional estão relacionadas com a crise
histórica do capitalismo em seu estádio final, o imperialismo, e com a
necessidade que a burguesia tem, em face do agravamento das crises econômicas e
da exacerbação dos conflitos de classes, de manter o seu domínio intensificando
a exploração das classes subalternas.”
O Estado
capitalista se torna uma ditadura aberta da burguesia, sem a intermediação das
instituições da democracia parlamentar.
De acordo
com esta análise, os partidos e os regimes fascistas são expressões diretas dos
interesses do grande capital e sua função é essencialmente contrarrevolucionária.
Atacam o proletariado e tentam frear o curso da história.
Essa análise
marxista rejeita a descrição do “Fascismo como uma forma de bonapartismo, com
a cessão temporária do poder a uma terceira força com relativa autonomia do
Executivo em relação às classes dominantes.” Apesar da convergência de
interesses, há “uma autonomia relativa dos Estados fascistas em face do grande
capital”.
Outra
perspectiva situa o Fascismo como
totalitarismo, uma vertente que inclui na mesma categoria, do Estado
totalitário, regimes fascistas e comunistas.
As características
centrais do Estado totalitário são, de acordo com o livro Ditadura Totalitária e Autocracia, de Carl-Joaquim Friedrich e Zbigniew Brzezinski, que seria assessor de Segurança Nacional dos EUA no governo Jimmy Carter (1977-81):
- uma
ideologia oficial tendente a cobrir todos os aspectos da existência humana à qual
todos devem aderir, ao menos passivamente;
- um
partido de massas único, conduzido por um homem só;
- um
sistema de controle policial baseado no terror;
- o monopólio
quase total dos meios de comunicação de massa;
- o
controle quase total do complexo industrial-militar; e
- o
controle central da economia.
Os regimes fascistas foram também tentativas de
modernização (como
processo de transformação global) distintas de democracia liberal e do
socialismo, fundadas numa tentativa de acordo entre os setores tradicional e
moderno, argumenta outra interpretação do fenômeno.
Os traços
econômicos dessa modernização foram:
- na
esfera econômica, uma industrialização atrasada, mas intensa, promovida a
partir de cima, com notável interferência do Estado a favor da acumulação de
capital;
- na esfera
política, o desenvolvimento de regimes autoritários e repressivos, expressão da
coligação conservadora das elites agrárias e industriais que querem avançar
pelo caminho da modernização econômica, mantendo as estruturais sociais
tradicionais;
- na esfera
social, a tentativa de evitar a desagregação dessas estruturas, impedindo ou
reprimindo a mobilização posta em marcha pela industrialização e os movimentos
operários.
Ao acentuar
o peso do componente tradicional, o conceito do fascismo como força
modernizadora “tende a subestimar a importância do embate entre a burguesia e o
proletariado, o papel das classes médias, a crise do sistema liberal e das
instituições representativas”.
A questão aqui é se o fascismo é apenas uma resposta a crises do capitalismo ou uma terceira via diferente do capitalismo e do socialismo.
A questão aqui é se o fascismo é apenas uma resposta a crises do capitalismo ou uma terceira via diferente do capitalismo e do socialismo.
O Fascismo também pode ser visto como uma
revolta da pequena burguesia, que forneceu os quadros e as massas para sua ascensão.
“Para a
teoria liberal, a pequena burguesia era uma das bases do sistema democrático e
a garantia do desenvolvimento social pacífico. Para o marxismo, estava
impossibilitada de exercer um papel político autônomo por causa de sua posição
na estrutura das classes sociais, subalterna no conflito
fundamental entre a grande burguesia e o proletariado”.
Assim, a
pequena burguesia seria apenas massa de manobra da ditadura das classes
dominantes. Estas exploraram a “revolta da pequena burguesia urbana e rural
ameaçada em seu status pelos processos de transformação socioeconômica”, de um lado pela concentração do grande capital industrial e do outro pelo fantasma
do comunismo depois da Revolução Bolchevique, na Rússia, em outubro de 1917.
“A
capacidade de mobilizar a pequena burguesia, com base numa ideologia onde
confluíam o irracionalismo e o voluntarismo, o anticapitalismo e o antissocialismo,
e vagas aspirações a uma democracia radical com tons fortemente nacionalistas”,
é um elemento central do fascismo desde suas origens na Itália.
É aí que a histeria nas redes sociais assusta, com a perspectiva de uma saída irracional de apoio a candidatos populistas e salvadores da pátria na próxima eleição presidencial. Vou reler outros textos sobre o fascismo e voltar ao assunto.
É aí que a histeria nas redes sociais assusta, com a perspectiva de uma saída irracional de apoio a candidatos populistas e salvadores da pátria na próxima eleição presidencial. Vou reler outros textos sobre o fascismo e voltar ao assunto.
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