segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Afinal, o que é o fascismo?

Um dos insultos mais disparados nas discussões redes sociais é a pecha de fascista, esgrimida tanto à direita quanto à esquerda para desqualificar o oponente e vencer o debate com um ataque letal.

A grosso modo, no conceito genérico, o fascismo é o uso da força para fazer política, atropelando os princípios da democracia liberal. Neste sentido, pode ser aplicado aos autoritarismos de direita e de esquerda.

No Dicionário de Política (Brasília: UnB, 1986), Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino identificam “três usos ou significados principais do termo”.

O primeiro é o Fascismo italiano, o movimento liderado por Benito Mussolini, que tomou o poder na Itália em 1922 e levou o país à Segunda Guerra Mundial.

O segundo é a dimensão internacional que o Fascismo alcançou com a ascensão do nacional-socialismo de Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933. A guerra iniciada pelo ditador nazista matou mais de 50 milhões de pessoas.

O terceiro “estende o termo a todos os movimentos e regimes que compartilham com aquele 'Fascismo histórico' um certo núcleo de características ideológicas e/ou critérios de organização e/ou finalidades políticas”.

Esta última acepção se tornou tão ampla que os autores consideram difícil de usar cientificamente. Assim, os dicionaristas chamam de Fascismo o movimento de Mussolini, de Nazismo o de Hitler e de neofascismo todas as suas derivações mais recentes, pós-Segunda Guerra Mundial.

Em geral, observam os dicionaristas, se entende por Fascismo um sistema autoritário de dominação caracterizado por:
- monopólio da representação política por um grande partido único de massas, hierarquicamente organizado;
- uma ideologia fundada no culto ao líder, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo aos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema corporativista;
- objetivos imperialistas em nome da luta dos países pobres contra as grandes potências;
- mobilização das massas e seu enquadramento em organizações controladas pelo regime, pelo partido e pelo governo;
- aniquilamento das oposições através da violência e do terror;
- um aparelho de propaganda que controla as informações e os meios de comunicação de massa;
- um dirigismo estatal na economia, que permanece em mãos do capital privado; e
- integração das estruturas de controle do partido e do Estado, dentro de uma lógica totalitária de dominar todas as relações econômicas, políticas, sociais e culturais.

Para o pensador italiano Umberto Eco, o que banalizou a palavra fascismo é o fato de que bastam algumas dessas características para determinado regime ser declarado fascista. Como um movimento ultranacionalista, o fascismo adquiriu particularidades de acordo com a realidade de cada país.

Assim, o fascismo é, ao mesmo tempo, um fenômeno nacional e supranacional, ao se propagar além das fronteiras. “Na realidade, o Fascismo, como evento histórico, é um fenômeno mais amplo que engloba o autoritarismo na sociedade moderna”, observam Nobbio, Matteucci e Pasquino.

Quando Mussolini tomou o poder e transformou o Estado liberal num Estado totalitário, “poucos souberam ver no Fascismo a antecipação de uma crise mais geral que revolucionaria a Europa e, com a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, viria a produzir profundas mudanças na organização interna dos Estados nacionais e na ordem internacional.”

“O atraso do país, a falta de uma autêntica revolução liberal, a incapacidade e a mesquinhez das classes dirigentes, unidas à arrogância de uma pequena burguesia parasitária com a doença da retórica... foram terreno para o cultivo do Fascismo” na Itália, diz o Dicionário de Política.

“Como expressão das aspirações de uma classe média emergente a um papel político autônomo, tanto em confronto com a burguesia quanto com o proletariado, o movimento fascista teria representado um momento de ruptura em relação ao passado, uma proposta de modernização das estruturas da sociedade italiana, com certa carga revolucionária”, notam os autores.

O Fascismo teve origem no Partido Socialista, com que Mussolini rompeu para apoiar a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, e tinha um aspecto revolucionário, em contraste com o Nazismo, que sempre foi essencialmente um movimento radical de direita reacionário.

Ao tomar o poder, o Fascismo fez um acordo com as classes dominantes que freou o impulso subversivo original e manteve as relações tradicionais de poder entre as classes sociais.

Na visão marxista, o fascismo não passa de uma ditadura escancarada da burguesia. “As origens do fascismo como fenômeno internacional estão relacionadas com a crise histórica do capitalismo em seu estádio final, o imperialismo, e com a necessidade que a burguesia tem, em face do agravamento das crises econômicas e da exacerbação dos conflitos de classes, de manter o seu domínio intensificando a exploração das classes subalternas.”

O Estado capitalista se torna uma ditadura aberta da burguesia, sem a intermediação das instituições da democracia parlamentar.

De acordo com esta análise, os partidos e os regimes fascistas são expressões diretas dos interesses do grande capital e sua função é essencialmente contrarrevolucionária. Atacam o proletariado e tentam frear o curso da história.

Essa análise marxista rejeita a descrição do “Fascismo como uma forma de bonapartismo, com a cessão temporária do poder a uma terceira força com relativa autonomia do Executivo em relação às classes dominantes.” Apesar da convergência de interesses, há “uma autonomia relativa dos Estados fascistas em face do grande capital”.

Outra perspectiva situa o Fascismo como totalitarismo, uma vertente que inclui na mesma categoria, do Estado totalitário, regimes fascistas e comunistas.

As características centrais do Estado totalitário são, de acordo com o livro Ditadura Totalitária e Autocracia, de Carl-Joaquim Friedrich e Zbigniew Brzezinski, que seria assessor de Segurança Nacional dos EUA no governo Jimmy Carter (1977-81):
- uma ideologia oficial tendente a cobrir todos os aspectos da existência humana à qual todos devem aderir, ao menos passivamente;
- um partido de massas único, conduzido por um homem só;
- um sistema de controle policial baseado no terror;
- o monopólio quase total dos meios de comunicação de massa;
- o controle quase total do complexo industrial-militar; e
- o controle central da economia.

Os regimes fascistas foram também tentativas de modernização (como processo de transformação global) distintas de democracia liberal e do socialismo, fundadas numa tentativa de acordo entre os setores tradicional e moderno, argumenta outra interpretação do fenômeno.

Os traços econômicos dessa modernização foram:
- na esfera econômica, uma industrialização atrasada, mas intensa, promovida a partir de cima, com notável interferência do Estado a favor da acumulação de capital;
- na esfera política, o desenvolvimento de regimes autoritários e repressivos, expressão da coligação conservadora das elites agrárias e industriais que querem avançar pelo caminho da modernização econômica, mantendo as estruturais sociais tradicionais;
- na esfera social, a tentativa de evitar a desagregação dessas estruturas, impedindo ou reprimindo a mobilização posta em marcha pela industrialização e os movimentos operários.

Ao acentuar o peso do componente tradicional, o conceito do fascismo como força modernizadora “tende a subestimar a importância do embate entre a burguesia e o proletariado, o papel das classes médias, a crise do sistema liberal e das instituições representativas”.

A questão aqui é se o fascismo é apenas uma resposta a crises do capitalismo ou uma terceira via diferente do capitalismo e do socialismo.

O Fascismo também pode ser visto como uma revolta da pequena burguesia, que forneceu os quadros e as massas para sua ascensão.

“Para a teoria liberal, a pequena burguesia era uma das bases do sistema democrático e a garantia do desenvolvimento social pacífico. Para o marxismo, estava impossibilitada de exercer um papel político autônomo por causa de sua posição na estrutura das classes sociais, subalterna no conflito fundamental entre a grande burguesia e o proletariado”.

Assim, a pequena burguesia seria apenas massa de manobra da ditadura das classes dominantes. Estas exploraram a “revolta da pequena burguesia urbana e rural ameaçada em seu status pelos processos de transformação socioeconômica”, de um lado pela concentração do grande capital industrial e do outro pelo fantasma do comunismo depois da Revolução Bolchevique, na Rússia, em outubro de 1917.

“A capacidade de mobilizar a pequena burguesia, com base numa ideologia onde confluíam o irracionalismo e o voluntarismo, o anticapitalismo e o antissocialismo, e vagas aspirações a uma democracia radical com tons fortemente nacionalistas”, é um elemento central do fascismo desde suas origens na Itália.

É aí que a histeria nas redes sociais assusta, com a perspectiva de uma saída irracional de apoio a candidatos populistas e salvadores da pátria na próxima eleição presidencial. Vou reler outros textos sobre o fascismo e voltar ao assunto.

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