O presidente Barack Obama está fazendo agora o discurso sobre o Estado da União. Há 220 anos, o presidente dos EUA presta contras anualmente ao Congresso e apresenta suas propostas para o próximo ano.
"Quando os soldados americanos desembarcaram em Omaha Beach, na Segunda Guerra Mundial, ou a economia entrou em crise, ninguém tinha certeza da vitória", desafiou Obama.
"Há um ano, quando assumi o poder, o país estava numa situação que, se não agíssemos imediatamente, teríamos uma nova Depressão, o colapso do sistema financeiro e um desemprego muito maior. Agora, a crise passou, mas não o estrago. Dez por cento dos americanos não conseguem emprego", diagnosticou.
"Conheço as ansiedades. Não são novas", ponderou. "Por isso, me candidatei à Presidência. Recebo cartas de crianças perguntando por que tem de sair de suas casas ou por que seus pais não conseguem trabalho. Elas não entendem como Wall St. recebe ajuda, mas não elas, não entendem como Washington fracassou", avaliou Obama.
Para o presidente dos EUA, o povo quer a união dos dois partidos em torno de interesses comuns: "Num dos piores anos de nossas vidas, os americanos trabalharam arduamente, com decência e grande força. Nunca tive mais esperança no futuro dos EUA do que tenho hoje", enfatizou, para aplauso unânime do plenário.
"Apesar dos problemas, nossa União é forte", alegou Obama.
"A tarefa mais urgente quando assumimos foi sustentar aqueles bancos que causaram a crise. Todos nós odiamos o resgate aos bancos", empolgou-se o presidente, para aplausos do Congresso
"Se não tivéssemos salvo o sistema financeiro, a crise teria sido muito pior, muito mais gente estaria desempregada. Mas, no fim das contas, a maioria do dinheiro gastamos com os bancos. Parte foi devolvida. Para recuperar o resto, propus um imposto sobre os bancos. Se eles podem pagar bônus altíssimos a seus altos funcionários, podem pagar uma pequena taxa", provocou.
Além de estabilizar o sistema financeiro, "tentamos recuperar a economia", prosseguiu Obama, listando os cortes de impostos aprovados para beneficar famílias, pequenas empresas, estudantes universitários, "num total de 95% dos americanos. Assim, milhões de americanos tem um dinheiro a mais para gastar", alegou, usando o lógica dos economistas liberais.
"Não aumentamos os impostos um simples décimo de dólar por cidadão", assegurou o presidente, acusado pelos conservadores de tramar aumentos de impostos para financiar gastos públicos. Acrescentou que as isenções estão na Lei de Recuperação Econômica e Reinvestimento, rejeitada pela oposição republicana. "Economistas à direita e à esquerda concordam que o programa de estímulo ajudou a economia e manteve empregos.
"Depois de dois anos de recessão, a economia voltou a crescer. As empresas voltaram a investir e lentamente começam a contratar. Por isso, o emprego deve ser nossa prioridade para 2010. Convoco o Senado nesta noite a aprovar uma lei de geração de empregos", conclamou Obama.
Ele admitiu que os empregos devem ser criados por empresas americanas, cabendo ao governo criar o ambiente de negócios apropriado para os empreendedores, e foi aplaudido por deputados e senadores dos dois partidos.
"Eu proponho pegar US$ 30 bilhões do dinheiro devolvido pelos bancos de Wall St. e emprestá-los a pequenos bancos para financiamento de pequenas empresas", sugeriu. Também anunciou o fim do imposto sobre ganhos de capital para pequenas empresas e outros cortes de impostos para empresas de todos os tamanhos.
Para criar empregos imediatamente, Obama defendeu investimentos de infraestrutura, o que era a promessa da Lei de Recuperação Econômica e Reinvestimento, de US$ 787 bilhões, aprovada em fevereiro do ano passado.
Numa jogada populista, apoiou isenções de impostos para empresas que gerem empregos nos EUA, em contraste com as empresas americanas que transferem suas operações para países de mão-de-obra mais barata. Seria uma medida protecionista contrária ao sistema multilateral de comércio, que Obama prometeu prestigir mais adiante, falando no interesse em uma conclusão positiva da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mas essas medidas não serão suficientes para recuperar os 7 milhões de empregos perdidos desde o início da recessão, reconheceu. Será preciso lançar as bases para o futuro crescimento econômico.
"A China, a Alemanha e outros países não estão esperando, estão investindo em educação, tecnologia e infraestrutura para serem líderes mundiais. Eu não aceito um segundo lugar para os EUA", alfinetou Obama, confrontando a oposição republicana, sempre tão nacionalista, com o declínio do país causado pela falta de atuação mais efetiva do Estado na promoção do desenvolvimento.
"É hora de levar a sério os problemas que bloqueiam nosso crescimento, a começar pela reforma do sistema financeiro. Mas é preciso ter cuidado com o descaso que derrubou nossa economia. Não podemos aceitar que instituições financeiras que pegam seus depósitos invistam esse dinheiro em operações de alto risco", explicou.
Em segundo lugar, "precisamos estimular a inovação. Nenhuma área está mais madura do que energia limpa, em baterias, painéis solares. Precisamos de uma nova geração de usinas nucleares limpas neste país", uma concessão que desagrada ecologistas mas merece aplauso de conservadores.
A seguir, Obama defendeu o desenvolvimento de carvão limpo e a aprovação de uma nova Lei de Energia que crie uma sociedade baseada em energias limpas, o que é um tanto utópico levando-se em conta a matriz energética dos EUA.
Mesmo admitindo que a ciência sobre aquecimento global esteja errada, concedeu Obama, diante do ceticismo de um Congresso que é um dos maiores obstáculos a metas de cortes de gases de efeito estufa, "o investimento em eficiência enenrgética se justifica e os EUA devem liderar essa luta".
Em terceiro lugar, os EUA precisam "exportar mais bens manufaturados. Nossa meta é dobrar as exportações nos próximos cinco anos, gerando 2 milhões de empregos. Para atingir esta meta, estamos lançando uma Iniciativa Nacional pelas Exportações, procurando novos mercados agressivamente para fortalecer nossa segurança nacional".
Depois de dizer que "os parceiros precisam honrar os acordos comerciais", Obama prometeu lugar por uma conclusão positiva da Rodada Doha.
"Em quarto lugar, precisamos investir em educação e qualificação profissional. No século 21, o melhor programa de combate à pobreza é uma educação de qualidade internacional". Prometeu isenções fiscais para empréstimos educativos.
Para diminuir a crise habitacional que originou a recessão, o presidente vai incentivar o refinanciamento dos contratos de compra da casa própria. Com a crise e a queda de preços, muitos imóveis valem menos do que as dívidas.
Obama defendeu sua reforma de saúde, dizendo que ajuda pacientes sem cobertura, famílias e empresas. Indicou sua mulher para liderar uma força-tarefa de combate à obesidade infantil.
"Quem já tem plano de saúde pode manter o seu. Nossa proposta para a saúde vai reduzir o déficit em mais de US$ 1 trilhão nas próximas duas décadas", assegurou o presidente, diante da uma oposição cética interessada em derrubar a lei e deixar tudo como está.
O presidente dos EUA admitiu: "Quanto mais debatemos, mais dúvidas as pessoas tem. A maioria dos americanos pergunta o que isso significa para mim. Quando eu terminar este discurso, mais americanos terão perdido seus seguros-saúde, mais pequenas empresas não terão condições de segurar seus empregados e tudo isso aumenta o déficit.
"Então, peço a este Congresso que não dê as costas para a reforma da saúde. Vamos fazer alguma coisa."
Mas a reforma de saúde não será suficiente para reduzir o déficit. Ele recordou que, em 2000, quando George W. Bush foi eleito, o governo federal dos EUA tinha um superávit de US$ 200 bilhões.
Quando o atual presidente assumiu, o déficit tinha passado de US$ 1 trilhão, com uma projeção de US$ 8 trilhões para a próxima década. Para pagar pelos trilhões de dólares gastos para salvar a economia, Obama propôs congelar os gastos públicos, com exceção de saúde, defesa, e previdência social, a partir de 2011. Disse ainda já terem sido identificados cortes de gastos no valor de US$ 20 bilhões.
Os cortes de impostos dados por Bush para companhias de petróleo, investidores de Wall Street e quem ganha mais de US$ 250 mil por ano não serão mantidos: "Simplesmente não podemos pagar por eles".
Outro tema foi o profundo déficit de confiança em Washington. Para mudar isso, "é preciso mudar o Executivo e o Legislativo, diminuir a influência dos grupos de interesse. É hora de fazer um controle maior dos lobbies. Na semana passada, a Suprema Corte abriu as portas para o financiamento eleitoral direto, irrestrito e ilimitado, acabando com uma legislação de cem anos. O Congresso deve aprovar uma lei para acabar com essas distorções" e o poder excessivo do dinheiro na política americana.
"Todas as emendas parlamentares devem estar disponíveis num site de Internet para que o povo americano saiba como e onde seu dinheiro está sendo gasto", argumentou o presidente.
Ele reclamou do clima de campanha eleitoral permanente para brigar por manchetes, com a oposição tentando derrubar qualquer medida do governo. "Sei que é um ano eleitoral e que a febre da campanha está na rua. Digo aos democratas que temos a maior maioria em muito tempo. Temos de resolver problemas. Aos republicanos, lembro que nada passa no Senado sem 60 votos, então vocês agora são corresponsáveis pelo governo.
"Quero manter mais encontros com os líderes republicanos e acho que eles estão ansiosos", brincou Obama.
Nada une mais os EUA do que a segurança nacional. Obama defendeu sua política de concentrar a guerra no Afeganistão contra os terroristas responsáveis pelos atentados de 11 de setembro de 2001, tomando medidas para acabar com a guerra no Iraque.
"Haverá dias difíceis à frente, mas estou confiante de que vamos ganhar". Em seguida, garantiu que a Guerra do Iraque está acabando, ainda que o apoio ao governo e ao povo iraquianos seja mantido.
Enquanto os EUA lutam duas guerras, ainda temem a ameaça nuclear. Mais uma vez, o presidente falou na redução e eliminação total das armas atômicas, o que nenhum estrategista sério acredita, mas é um bom slogan e um instrumento de pressão contra a proliferação nuclear.
Mais uma vez, Obama advertiu o Irã que "haverá consequências" se a república islâmica insistir em desenvolver armas atômicas.
Os EUA continuarão ajudando países pobres no combate a aids e outras doenças. No momento, mais de 10 mil soldados americanos estão ajudando o Haiti a suportar as consequencias do terremoto que arrasou Porto Príncipe.
A grande força da política externa americana está nas ideias, argumentou o presidente, criticando a discriminação da mulher e as violações dos direitos humanos.
Ele prometeu trabalhar com o Congresso para acabar com a discriminação aos homossexuais nas Forças Armadas dos EUA e garantir salários iguais para as mulheres, além de atacar o problema da imigração ilegal.
No final, concluiu, é a diversidade cultura dos EUA que se traduz numa riqueza de valores: "Quando um diretor de empresa se remunera pelo fracasso, todos perdemos a fé e a confiança. Por isso, há tanto cinismo e desapontamento por aí. Fiz campanha prometendo mudança. Hoje, muitos americanos duvidam que possamos mudar. A democracia, num país de 300 milhões de pessoas é ruidosa, provoca paixões e controvérsias. Mas é preciso pensar nas futuras gerações e não nas próximas eleições. Estamos aqui porque gerações de americanos fizeram o que era difícil.
"Este governo sofreu derrotas neste primeiro ano, e muitas foram merecidas. Mas isso é nada comparado com as derrotas que tantas famílias americanas sofreram neste ano. No fundo, a decência fundamental que está no íntimo do povo americano sobrevive no empresário honesto, na dona de casa que luta para sustentar a casa, no garoto de oito anos que me mandou dinheiro para o povo do Haiti.
"O espírito que sustenta esse país há mais de 200 anos vive em vocês, o povo americano. Nós não nos rendemos. Vamos continuar lutando e fortalecendo nossa União."
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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