Se o líder da rede terrorista Al Caeda, Ossama ben Laden, for morto amanhã, isso não fará a menor diferença para os Estados Unidos, afirmou hoje o pesquisador Marco Vicenzino, do Conselho de Relações Exteriores.
Em palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), aqui no Rio, sobre a nova estratégia anunciada pelo presidente Barack Obama para a guerra no Afeganistão, ele sustentou que "Ben Laden já cumpriu sua missão" ao espalhar sua ideologista sanguinária, o jihadismo, pelo mundo inteiro.
Vicenzino reconhece que a situação é extremamente complexa. Os vizinhos poderosos interferem na guerra no Afeganistão: "O Paquistão quer controlar o Afeganistão" para se fortalecer no duelo existencial com a Índia. Concentra suas forças na fronteira com a Índia e deixa a fronteira oeste nas mãos de tribos e fundamentalistas muçulmanos.
"Há três milhões de exilados em campos de refugiados afegãos que estão no Paquistão desde a invasão soviética, em 1979", acrescentou o pesquisador. Eles e outros milhões que já voltaram para casa foram ou são educados em escolas religiosa onde só se estuda o Corão. "Nos anos 80 e 90, uma geração inteira foi educada nas madrassas".
Esses são os talebã (plural de taleb, do árabe, que significa estudante), que formaram uma milícia fundamentalista para combater a degradação dos costumes tradicionais muçulmanos, com uma ajuda do Paquistão e inicialmente apoio dos Estados Unidos, interessados na estabilidade da região.
Os salafistas, os fundamentalistas sunitas da rede terrorista Al Caeda, pregam uma interpretação antiga, conservadora e extremamente puritana do Corão. É a base da lei islâmica aplicada pela Polícia Religiosa da Arábia Saudita, modelo para o Ministério de Propagação da Virtude e Combate ao Vício do regime dos Talebã.
De 1994 a 1996, com pickups Toyota doadas pelos sauditas e rifles Kalachnikov, a milícia dos Talebã tomou "todo o país menos a Vale do Panjchir", uma região remota entre as montanhas onde se refugiou a Aliança do Norte, liderada por Ahmed Shah Massoud, assassinado em 9 de setembro de 2001.
Como os talebã "eram bem organizados e disciplinados", satisfaziam a um desejo de ordem", comentou Vicenzino.
Ao defender um diálogo para dividir o inimigo, o pesquisador considerou necessário "distinguir aqueles com quem se pode trabalhar. Nem todos os pachtunes são talebã. Não se pode repetir o erro cometido no Iraque com os baathistas, partidários de Saddam Hussein. Eu prefiro usar a palavras insurgentes a talebã. É difícil distinguir e junto há senhores da guerra e criminosos."
Há, claro, uma exploração das diferenças culturais para jogar a população local contra os estrangeiros.
Depois de derrubar o emirado islâmico dos Talebã em três semanas, a partir do ataque de 7 de outubro de 2001, o presidente George W. Bush desistiu de ir atrás de Ben Laden e desviou recursos para atacar o Iraque de Saddam Hussein, que não tinha qualquer relação com os atentados terroristas de 11 de setembro.
"Durante alguns anos, os EUA tiveram de 17 a 20 mil soldados no Afeganistão, um país maior do que o Iraque", acrescentou Vicenzino. "O maior desafio do Iraque é a reconciliação política. A produção de petróleo pode dobrar para 6 milhões de barris por dia. Eles podem ter um futuro brilhante". Primeiro, precisam se entender, o que é difícil em sociedades sem qualquer tradição democrática.
O Afeganistão não tem os mesmos recursos do Iraque. Nunca teve unidade nacional e governo central. É uma sociedade pré-moderna, tribal, com uma grande população miserável. Uma pesquisa recente indicou que os afegãos culpam mais a miséria do que o extremismo muçulmano pela guerra permanente em que o país vive há 30 anos.
A corrupção generalizada provoca raiva, frustração e cinismo numa população cansada de guerra que não confia no governo nem nos Talebã. O presidente Hamid Karzai acaba de se reeleger com uma fraude escandalosa denunciada pelas Nações Unidas.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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