O presidente Barack Obama faz agora sua prestação de contas anual ao Congresso dos Estados Unidos. Em 2011, o foco deve estar na recuperação da economia, na geração de empregos e no aumento da competitividade da economia americana.
Obama começou fazendo congratulações ao novo Congresso eleito em novembro e ao presidente da Câmara, o deputado John Boehner, para em seguida lembrar a "cadeira vazia" da deputada Gabi Giffords, baleada em Tucson, no Arizona, em 8 de janeiro deste ano.
"Os debates dos últimos dois anos têm sido ferozes. Mas há uma razão para refletir depois da tragédia de Tucson. Não interessa quem somos nem de onde viemos. Somos parte da família americana, onde qualquer povo, religião ou raça é aceito. Todos são iguais. Isso nos distingue como nação", disse Obama.
"O futuro depende não de nos sentamos juntos hoje aqui, mas de podermos trabalhar juntos amanhã", prosseguiu o presidente. (Aplausos)
"Vamos para a frente juntos ou não vamos", desafiou. "Estamos destinados ao progresso. Dois anos depois da pior recessão de que temos memória, a bolsa de valores e as empresas americanas estão de volta. Mas medimos o sucesso pelo sucesso individual das pessoas. É preciso gerar mais empregos".
Na tentativa de se apresentar como centrista, moderado, Obama citou o acordo do fim do ano passado para prorrogar por dois anos os cortes de impostos do governo George W. Bush.
Ao advertir que o mundo mudou, citou o exemplo dos investimentos chineses em energias renováveis e o sucesso na educação, mas "os EUA ainda têm a maior economia e a mais próspera do mundo. Temos as melhores empresas e as melhores universidades. Somos a primeira nação criada em torno da ideia de que cada um pode ser o que quiser. O que você quer ser quando crescer?"
Em outras palavras, os americanos têm ideias e liberdade para manter uma posição de preponderância no mundo mesmo depois que a China se tornar a maior economia do mundo: "Podemos conquistar o futuro. Não é uma dádiva, é uma conquista, com sacrifício e luta. Precisamos inovar e educar melhor nossas crianças para superar o resto do mundo", afirmou.
"Nenhum de nós pode prever onde vai surgir um novo negócio. Somos um país de ideias, criatividade e empreendorismo, o país de Edson e dos Irmãos Wright, do Google e da Microsoft", citou o presidente.
Alguns anos atrás, a União Soviética saiu na frente na corrida espacial, com o lançamento do Sptunik, o primeiro satélite artificial da Terra, em 4 de outubro de 1957, lembrou Obama. Os EUA entraram na disputa e não só superaram os soviéticos como desenvolveram uma série de indústrias relacionadas.
Para o presidente dos EUA, este é mais um "momento Sputnik", dando a entender que a próxima corrida tecnológica será contra a China.
"É preciso investir na indústria farmacêutica, na alta tecnologia: vamos financiar o Projeto Apolo da nossa geração. Fazer novos supercomputadores. Podemos romper a dependência do petróleo criando um carro elétrico. Em vez de subsidiar a energia do passado, vamos investir na do futuro", conclamou.
O presidente prometeu enviar um projeto ao Congresso para que "até 2035, 80% da energia elétrica gerada nos EUA terão de vir de fontes renováveis: solar, nuclear, gás natural, biocombustíveis... Temos de manter a liderança em tecnologia. Se queremos inovação que produza empregos aqui, temos de ganhar a corrida da educação."
Pelas previsões de Obama, "em 10 anos, todos os empregos gerados vão exigir um nível educacional acima de bacharel nos nossas universidades. É preciso mais para dar a cada criança o direito de ter sucesso. Essa experiência começa em casa. Os pais precisam ensinar que não só o campeão do SuperBowl [campeonato nacional de futebol americano] merece ser festejado, mas também o da feira de ciências da escola. O sucesso é resultado de disciplina e trabalho duro".
A educação é a porta para o futuro: "Quando uma criança chega na escola, deve encontrar um ambiente instigante de oportunidades. Precisamos melhorar a educação nas escolas públicas. Se algum estado me apresentar um plano, estou pronto a apoiar. Sabemos o que é preciso para nossas escolas", arguiu, para citar o exemplo de uma escola dominada por gangues que foi recuperada no colorado, onde os formandos agradeceram à nova direção.
"Na Coreia do Sul, os professores são conhecidos como os construtores da nação. Nos EUA, é hora daqueles que cuidam dos nossos filhos terem o mesmo respeito. Queremos recompensar os bons professores e parar de arrumar desculpas para os ruins", alertou o presidente americano.
A educação não termina com o diploma de segundo grau: "Todos devem ter direito a fazer um curso superior". Obama defendeu a manutenção de um subsídio. O presidente da Câmara e os republicanos não aplaudiram.
"Precisamos atacar o problema da imigração ilegal, reforçar as fronteiras e resolver a situação dos milhões que vivem na clandestinidade", argumentou, pedindo apoio parlamentar para reformar a lei de imigração.
Ao mesmo tempo, "vamos parar de mandar embora gente boa e talentosa. Precisamos investir na infraestrutura, em um sistema de estradas de ferro e na Internet de alta velocidade. Isso gera empregos. Estou propondo que redobremos esses esforços para recuperar estradas e pontes, atrair financiamento privado. Queremos dar acesso a trens de alta velocidade a 80% dos americanos. A proposta é conectar todo o país à era digital."
Para estimular a geração de empregos, "hoje à noite, estou pedindo a deputados republicanos e democratas para reduzir o imposto sobre empresas sem aumentar o déficit. Isso pode ser feito".
Para que as empresas vendam mais ao exterior, "criamos a meta de dobrar as exportações até 2014. Na semana passada, fechamos o acordo de livre comércio com a Coreia do Sul. Peço ao Congresso que o ratifique assim que possível" e o mesmo em relação aos acordos com o Panamá e a Colômbia, além de discutir o livre comércio na Ásia e no Pacífico.
Ao fazer o balanço do governo, Obama defendeu a reforma da saúde dizendo que diminui a exploração dos pacientes pelas empresas de seguro médico. "Tudo pode ser melhorado", reconheceu Obama.
"Podemos começar já reduzindo o peso sobre as pequenas empresas. O que eu não quero é voltar ao dia em que as empresas podiam negar cobertura por problemas preexistentes", comparou. "Não posso dizer a um paciente de câncer que o tratamento dele não vai mais ser pago. Vamos corrigir o que precisa ser corrigido e ir em frente, em vez de voltar às batalhas dos dois últimos anos."
É hora de atacar a dívida de US$ 14,3 trilhões, cujo crescimento começou nos governos de George W. Bush: "Vivemos com um endividamento que começou há dez anos. Agora que o pior da recessão passou, temos de encarar o fato de que o governo vive além do que arrecada. Muita gente luta para acertar o orçamento. Eles merecem um governo que faça o mesmo."
"Estou propondo um congelamento no orçamento não militar da União por cinco anos", adiantou o presidente. "Isso vai representar uma redução de US$ 400 bilhões no déficit ao longo dos próximos dez anos. Tem gente aqui querendo mais cortes. Estou disposto a negociar o que for possível, mas não podemos cortar no apoio à velhice, no investimento para a educação, o que equivaleria a jogar fora o motor de um avião em dificuldades."
A Comissão Bipartidária sobre o Envididamento Público concluiu que é preciso cortar gastos excessivos em todos os setores. "Estou aceitando uma proposta que os republicanos fizeram o ano passado, de limitar as ações judiciais contra médicos e empresas do setor. Não podemos colocar em risco os mais vulneráveis."
"É o momento de fazer os duros acordos necessários para cortar o déficit. Não podemos conquistar o futuro com um governo do passado. Vou apresentar uma proposta para modernizar a administração pública dos EUA para aumentar a fé do cidadão nas instituições governamentais", prometeu. "O que aconteceu com seus impostos você vai poder conferir na Internet."
Em seguida, prometeu vetar as emendas individuais de parlamentares.
"Um governo do século 21, aberto e confiante, que vive dentro de seus meios, com novas ideias, vai nos levar a um novo nível de engajamento nas relações exteriores. Os EUA têm de fazer coalizões e dar exemplo moral, de justiça e dignidade."
Depois da desmoralização internacional da era Bush, "a posição dos EUA foi restaurada. Cerca de 180 mil soldados americanos saíram do Iraque de cabeça erguida. Os EUA pararam de patrulhar as ruas, a violência está diminuindo..." Para dizer a verdade, cerca de 150 xiitas foram mortos em atentados na última semana. Não é exatamente um clime de paz.
"Enquanto falamos, a rede terrorista Al Caeda está conspirando contra nós", observou. "Estamos respondendo às ameaças internas com o apoio na comunidade e a convicção de que os muçulmanos fazem parte da família americana."
"Também levamos a luta contra a Al Caeda ao exterior, no Afeganistão. Ao impedir os Talebã de retomar o poder, vamos evitar que Al Caeda encontre lá um refúgio seguro. Mas em julho vamos começar a trazer nossos soldados de volta para casa", reafirmou, renovando uma promessa de campanha.
"No Paquistão, Al Caeda está sob pressão como nunca. Mandamos uma mensagem: não vamos descansar enquanto não derrotarmos vocês."
"A liderança dos EUA também está no controle das armas de destruição em massa. Ao aprovar o novo acordo de redução de armas estratégicas com a Rússia, o Congresso contribuiu para um mundo mais seguro", agradeceu.
O Irã deve enfrentar sanções mais duras para não fazer a bomba atômica, ameaçou Obama, mas a república islâmica prefere ignorar os apelos do resto do mundo.
"Fortalecemos a OTAN, nos aproximamos da Rússia. Vou ao Brasil, Chile e El Salvador para forjar novas alianças", anunciou, na segunda e breve referência à América Latina. Antes, o presidente tinha pedido ao Congresso a aprovação dos acordos de liberalização comercial negociados com a Colômbia e o Panamá.
"No Sul do Sudão, com ajuda americana, o povo finalmente pode votar num plebiscito prometido desde o acordo de paz. Vimos o mesmo desejo de liberdade na Tunísia. Os EUA estão ao lado do povo da Tunísia e apoiam as aspirações democráticas de todos os povos", falou Obama, sem citar o aliado Egito, onde dezenas de milhares de pessoas protestaram nas ruas e pelo menos três morreram. "Não devemos nos esquecer que os valores pelos quais lutamos estão nos corações das pessoas do mundo inteiro."
Outra promessa de campanha foi acabar com a lei que permite que homossexuais sirvam nas Forças Armadas dos EUA desde que não assumam publicamente a orientação sexual: "Hoje vamos falar com uma só voz, apoiar nossas tropas no exterior. Nossos soldados vêm de todos os povos e religiões deste país. Alguns são gays. A partir deste ano, ninguém será proibido de servir às Forças Armadas por causa de quem ama."
Em um apelo à união acima das diferenças dos partidos: "É hora de ir em frente como uma nação unida! Não devemos ter ilusões sobre o trabalho à frente, reformar escolas, mudar a energia, reduzir o déficit. Tudo será difícil. Vamos discutir cada ponto, os custos, os detalhes...
"Alguns países não têm esse problema. O governo central decide tudo, uma nova estrada, a censura a uma notícia. Mas, com toda a confusão da nossa democracia, ninguém aqui trocaria esse país por qualquer outro no mundo", proclamou, apelando ao nacionalismo.
"Temos diferenças de opinião, mas acreditamos na nossa Constituição e no mesmo sonho: este é um país onde tudo é possível, não importa quem você seja". Um exemplo: o presidente da Câmara, o deputado republicano John Boehner, que começou varrendo o chão do negócio do pai e é hoje o terceiro homem mais poderoso dos EUA.
No meio do caminho, foi lobista da indústria do tabaco e distribuiu cheques no plenário da Câmara, mas ninguém lembra disso na hora de fazer média.
A seguir, Obama homenageou o empresário que descreveu como o homem que criou a sonda que cavou o túnel por onde os mineiros do Chile escaparam, depois de ficar 69 dias enterrados vivos a 622 metros de profundidade. "Nós fazemos grandes coisas".
Com um desafio de criar "um mundo melhor além do horizonte", resgatando a promessa de campanha de ressuscitar o sonho americano, Obama encerrou um discurso longo e moderado, sem o impacto de seus grandes discursos como o realizado recentemente em homenagem às vítimas do massacre no Arizona.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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