Por 78% a 22% dos votos, o Chile decidiu neste domingo redigir uma nova Constituição, enterrando a carta imposta em 1980 pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-90). A ordem econômica será um tema central do debate.
Por 79% a 21%, os eleitores chilenos optaram por uma Assembleia Constituinte exclusiva e paritária entre homens e mulheres, de 155 membros a serem eleitos em 11 de abril de 2021, em vez de uma comissão constitucional com metade dos membros eleita diretamente e outra pelo atual Congresso.
Mais de 7,4% chilenos votaram, cerca de metade do eleitorado apto a votar. Como o voto não é obrigatório no Chile, na última eleição presidencial, em 2017, 46,7% participaram no primeiro turno e 49% no segundo turno. Era, até agora, o maior comparecimento às urnas desde que o voto se tornou facultativo, em 2012.
"Hoje triunfaram a cidadania e a democracia, e a paz prevaleceu sobre a violência", declarou o presidente conservador Sebastián Piñera no Palácio de La Moneda, em Santiago. "Este plebiscito não é o fim, é o começo de um caminho que devemos percorrer todos juntos."
A Assembleia Constituinte terá nove meses para elaborar um projeto de Constituição a ser submetido a um referendo em 2022. Para a televisão pública britânica BBC, "é um passo muito importante para restabelecer o equilíbrio social."
O Chile foi palco de uma onda de manifestações de protesto que começaram em 7 de outubro, um dia depois de um aumento nos preços do metrô de Santiago, e se espalharam por outras 12 cidades importantes. Pelo menos 34 pessoas morreram em choques entre a polícia e manifestantes. Em 19 de outubro, Piñera decretou estado de emergência e toque de recolher noturno na capital.
A revolta popular cresceu com protestos contra a desigualdade social, a privatização dos serviços públicos, inclusive de educação, saúde e previdência, a alta do custo de vida (Santiago é a segunda capital mais cara da América Latina), as baixas aposentadorias, o custo elevado de remédios e tratamentos de saúde, e o descrédito generalizado dos políticos.
Foram os maiores protestos desde a ditadura do general Pinochet. A maior manifestação reuniu 1,2 milhão de pessoas na capital, Santiago do Chile. Pela primeira vez desde a redemocratização, o Exército saiu às ruas para reprimir manifestações. Era natural que a ordem constitucional imposta pelo ditador em 1980 fosse questionada.
Pinochet chegou ao poder em 11 de setembro de 1973 num golpe militar que levou à morte do presidente socialista Salvador Allende, eleito três anos antes em coligação com os comunistas. Começava uma era de terror em que pelo menos 3.105 pessoas foram mortas, centenas de milhares presas e torturados ou fugiram para o exílio.
Na economia, Pinochet cercou-se de Chicago boys, assessores formados na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, a meca do neoliberalismo, impôs seu modelo econômico ao Chile, privatizou a educação e a previdência social, e tornou o Estado subsidiário. O Estado só atua onde a iniciativa privada não tem interesse. A Constituição de 1980 institucionalizou o pinochetismo.
Outro plebiscito, em 5 de outubro de 1988, derrotou o general Pinochet, que pretendia governar por mais um mandato presidente. A primeira eleição presidencial democrática desde 1970 foi realizadas em 14 de dezembro de 1989 e vencida pelo democrata-cristão Patricio Aylwin, à frente de uma aliança de 16 partidos, a Concertação, liderada pela Democracia Cristã e o Partido Socialista. Ele tomou posse em 11 de março de 1990, pondo fim à ditadura militar.
"Não foram 30 pesos! Foram 30 anos!", gritava a multidão nas ruas de Santiago. A maior manifestação reuniu 1,2 milhão de pessoas na Praça Itália e a até 4 quilômetros de distância em 26 de outubro.
Sob pressão das ruas, o atual presidente, que no primeiro momento chamara os manifestantes de marginais e inimigos do Chile, convocou um plebiscito constitucional. Em 27 de dezembro, anunciou a data de 26 de abril.
A pandemia do novo coronavírus obrigou-o a mudar a data. No primeiro momento, o Chile parecia ter controlado a covid-19, mas em abril o número de casos novos voltou a aumentar e a situação saiu de controle. É o quinto país da América do Sul tanto em número de casos confirmados (502 mil) e de mortes, pouco menos de 14 mil.
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