Em discurso na 27ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Charm al-Cheikh, no Egito, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu zerar o desmatamento no Brasil até 2030, cobrou medidas concretas dos países ricos, defendeu "uma nova governança global", com multilateralismo, uma ampliação do Conselho de Segurança da ONU e o fim do direito de veto das grandes potências.
Ao participar da conferência, Lula rompe o isolamento diplomático a que o governo Jair Bolsonaro relegou o Brasil e promete retomar o protagonismo do país nas negociações sobre o clima. Ele anunciou que o Brasil quer sediar a CoP-30, em 2025, na Amazônia. Bolsonaro se recusou a organizar a CoP-25, em 2019, alegando que o custo de R$ 500 milhões era muito elevado."Não há segurança climática para o mundo sem a Amazônia", alertou Lula.
ALIANÇA CONTRA A FOME
O presidente eleito propôs "uma aliança mundial contra a insegurança alimentar, a fome e a desigualdade com total responsabilidade climática." Agradeceu ao convite do Egito, que chamou de "berço da civilização", e observou que foi dirigido ao país porque "o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta."
Além de defender o multilateralismo, uma das marcas da política externa brasileira, Lula criticou o gasto de "trilhões em guerras que só trazem destruição e mortes, enquanto 900 milhões de pessoas em todo o mundo não têm o que comer."
CRISES MUNDIAIS
Ele citou múltiplas crises internacionais, "crescentes tensões geopolíticas, a volta do risco de guerra nuclear, crise de abastecimento de alimentos e energia, erosão da biodiversidade e aumento intolerável das desigualdades."
Tempos difíceis exigem liderança, acrescentou Lula, "e os acordos já finalizados têm de sair do papel", numa referência ao Acordo de Paris, de 2015, em que 194 países se comprometem a adotar metas voluntárias de redução das emissões dos gases que agravam o efeito estufa.
FINANCIAMENTO
"Para isso", cobrou Lula, "é preciso tornar disponíveis recursos para que os países em desenvolvimento, em especial os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande medida pelos países mais ricos, mas que atinge de maneira desproporcional os mais vulneráveis."
Na CoP-15, realizada em Copenhague, na Dinamarca, em 2009, os países ricos se comprometeram a dar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para financiar a transição energética para uma economia com baixo consumo de combustíveis fósseis. Não cumpriram a promessa.
AMAZÔNIA
A eleição foi importante para "conter o avanço da extrema direita autoritária e antidemocrática e do negacionismo climático no mundo". Estavam em jogo, disse Lula, "não apenas a paz e o bem-estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta."
"O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004 e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB agropecuário cresceu 75%", destacou o presidente eleito. O crescimento real no período foi de 70,3%.
DESGOVERNO
Em seguida, descreveu o governo atual como "desastroso" no "combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa, que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação ambiental."
"Quero dizer que o Brasil está de.volta" para reatar os laços com o mundo, combater a fome, cooperar com os países pobres, "estreitar as relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos", para lutar por um comércio justo e a paz entre os povos, e "ajudar a construir uma ordem mundial pacífica assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipluralidade".
UM SÓ PLANETA
Se no discurso da vitória Lula falou que não existem dois brasis, na CoP advertiu que "não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie", que deveria construir "um mundo mais justo e solidário".
Para assinalar a emergência da questão climática, o futuro presidente citou estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que o aquecimento global vai causar 250 mil mortes a mais por ano entre 2030 e 2050, com custo de 2 a 4 bilhões de dólares por ano. E lembrou que o 1% mais rico é o maior responsável pelas emissões de gases de efeito estufa.
"Por isso, a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza" e a desigualdade, continuou Lula. Em seu governo, prometeu acabar com o desmatamento e preservar todos os biomas, fortalecer os órgãos de fiscalização e punir os responsáveis por quaisquer atividades ilegais: garimpo, mineração, extração de madeira, ocupação indevida e queimadas.
Um dos objetivos é criar o Ministério dos Povos Originários para que os índios sejam os primeiros guardiães da natureza.
RIQUEZA SUSTENTÁVEL
"Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem provocar mais mudança climática", "tendo a natureza como aliada estratégica". Ele agradeceu à Noruega e à Alemanha a reativação do Fundo Amazônia e disse estar aberto à cooperação internacional para proteger o meio ambiente, "sob a liderança do Brasil", sem comprometer a soberania nacional.
Também mencionou um acordo com a República Democrática do Congo e a Indonésia, os dois outros países mais florestas tropicais para criar uma aliança para buscar recursos para a preservação.
O governo Lula vai convocar uma reunião de cúpula dos países do Tratado de Cooperação Amazônica (1978), o Pacto Amazônico, que reúne todos os países da região; o Brasil tem 60% da área.
Em sua primeira apresentação perante o mundo como presidente reeleito do Brasil, Lula reafirma as credenciais de sua política externa, o multilateralismo, o não alinhamento, a busca de uma ordem mundial baseada no direito internacional, a solidariedade, a cooperação, o combate à fome e à desigualdade em escala global, e a retomada do protagonismo nas negociações ambientais.
Para recuperar a autoridade moral, o Brasil terá primeiro de pôr ordem na casa, de conter a destruição da Amazônia e fazer um combate decisivo à desigualdade estrutural.
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