A 27ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CoP-27) terminou na madrugada deste domingo em Charm al-Cheikh, no Egito, com um acordo para criar um fundo internacional para compensar os países pobres por perdas e danos causados por fenômenos climáticos.
Não houve grande melhora nas metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa nem os 196 países participantes decidiram abolir o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), os principais responsáveis pelo aquecimento global.
A promessa de uma ajuda anual de US$ 100 bilhões dos países ricos a partir de 2020 foi feita na CoP-15, em Copenhague, na Dinamarca, em 2009. Seria principalmente para financiar a transição energética para uma economia de baixo carbono.
Pela primeira vez, será para mitigação, adaptação e reparação de perdas e danos porque é cada vez mais evidente que os fenômenos climáticos estão se tornando mais violentos.
O aquecimento global está aí. A temperatura média subiu 1,2ºC desde o início da era industrial, em 1750. A meta de limitar este aumento a 1,5ºC, do Acordo de Paris (2015), é cada vez mais inatingível.
PERDAS E DANOS
A conferência deveria terminar na sexta-feira. As negociações se prolongaram por mais 37 horas. Seria um fracasso realizar a reunião na África e não chegar a um acordo sobre perdas e danos. O continente é responsável por menos de 4% das emissões e sofre com secas, enchentes, quebras de safra e fome causadas pelas emergências climáticas.
Os países pobres reivindicam ajuda há 30 anos, desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), quando foi negociada a convenção quadro sobre o clima. Como vai funcionar o fundo será definido no próximo ano por uma comissão formada por 14 países do Sul e 10 do Norte e levado a aprovação na CoP-28, a ser realizada em novembro de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos..
Os Estados Unidos e a Europa sempre relutaram porque admitir que houve perdas e danos causados pela produção industrial e por transportes poderia levar os países pobres a processar os ricos porque sofrem mais as consequências de um problema que não causaram.
Os acordos do clima sempre falam em "responsabilidade conjunta, mas diferenciada". O maior ônus deve recair sobre quem poluiu mais. A União Europeia pretende limitar a ajuda aos países em desenvolvimento "realmente vulneráveis". Ofereceu US$ 300 milhões, muito pouco.
Os EUA querem que os grandes emergentes, como a China, a Índia e o Brasil, contribuam para o fundo e não se beneficiem dele. Vai haver resistência no Congresso, onde os republicanos recuperaram a maioria na Câmara. O senador oposicionista John Barrasso alega que o aquecimento global tem de ser enfrentado com inovação tecnológica.
A China é hoje a segunda maior economia do mundo e a maior poluidora, com 28% das emissões. A Índia é a terceira maior poluidora e a quinta maior economia do mundo. Em contraste, o Paquistão, responsável por menos de 1% das emissões, sofreu com uma enchente que alagou um terço de seu território, matou 1,7 mil pessoas e deu um prejuízo de US$ 30 bilhões.
CRISE DE ENERGIA
Sob o impacto da Guerra da Ucrânia e da crise energética causada pelo boicote à Rússia, alguns países, especialmente da Europa, adiaram os planos de transição e voltaram a usar carvão.
Enquanto a UE e mesmo grandes produtores como os EUA, o Canadá, a Noruega e a Colômbia queriam um abandono gradual do petróleo e do gás, a maioria dos países, sob a liderança da China e das monarquias petroleiras do Oriente Médio, preferiu apenas uma redução gradual, sem marcar uma data para o fim da era do petróleo.
Havia um número recorde de 636 lobistas da indústria do petróleo, mais do que o total de delegados da África.
A presidência egípcia apresentou um texto para não desagradar aos países árabes exportadores de petróleo. A ditadura do marechal Abdel Fattah al-Sissi foi muito criticada por reprimir protestos e perseguir ativistas, inclusive ecologistas.
TEMPERATURA EM ALTA
As metas voluntárias, as contribuições determinadas nacionalmente, são insuficientes para atingir a meta ambiciosa do Acordo de Paris (1,5ºC). Poucos países, entre eles, a Índia, o México, o Vietnã e a União Europeia, melhoraram suas propostas.
Na situação atual, a previsão é que até o fim do século a temperatura média do planeta suba 2,5ºC. "Este 1,5ºC não é algo que alguém inventou", advertiu o ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide.
Ele alertou para a "diferença fundamental entre 1,5ºC e 2ºC", o limite máximo admitido pelo Acordo de Paris. "Países inteiros aqui presentes vão desaparecer da superfície do planeta. A maior parte do gelo do mundo vai derreter. Cidades que amamos e onde vivemos vão sumir."
AVANÇOS
Além do fundo para perdas e danos, um passo positivo foi o diálogo entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o ditador da China, Xi Jinping, na conferência de cúpula do Grupo dos 20 em Báli, na Indonésia, onde prometeram trabalhar juntos na questão do clima. Os dois maiores poluidores e países mais ricos do mundo precisam liderar.
A presença do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, traz o Brasil de volta ao centro das discussões sobre mudança do clima. As promessas de desmatamento zero, de uma aliança mundial para acabar com a fome e uma articulação de países com grandes florestas tropicais para obter financiamento internacional para preservação são boas propostas para o futuro governo, que já reativou o Fundo Amazônia.
Outro avanço foi a decisão de incluir o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entre as instituições que vão distribuir o dinheiro do fundo de combate à mudança do clima. Isso implica uma reforma destas instituições para apoiar os países mais vulneráveis, inclusive com redução de dívidas para facilitar a transição para uma economia sem combustíveis fósseis.
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