O presidente da Câmara dos Deputados da Argentina, Sergio Massa, terceiro colocado na eleição presidencial de 2015, renunciou ao cargo para assumir ontem um superministério da Economia, Desenvolvimento Produtivo e Agricultura, encorpado pela inclusão de agricultura, pecuária, pesca e indústria.
Seu desafio é formidável: controlar uma inflação que está em 64% ao ano e pode chegar a 80% em 2022, conter um ataque especulativo, acalmar os movimentos sociais e os produtores rurais, que exigem uma redução de impostos, e honrar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para reestruturar uma dívida de US$ 44 bilhões.
Se tiver sucesso, será o favorito à eleição presidencial de 22 de outubro de 2023. Caso contrário, a direita volta ao poder, onde fracassou com Mauricio Macri (2015-19).
Peronista moderado, com bom trânsito nos meios empresariais, Massa tomou posse sem a presença da poderosa vice-presidente Cristina Kirchner, que derrubou o ministro Martín Guzmán, substituído por Silvina Batakis, que durou apenas 24 dias no cargo e foi demitida quando voltava dos Estados Unidos, onde tinha ido tentar acalmar os investidores.
Ao chegar à Casa Rosada, o carro de massa foi cercado por piqueteiros que gritavam insultos e bateram nas janelas do veículo. A Unidade Piqueteira, que reúne vários movimentos sociais, rejeita os planos de ajuste fiscal. Exige reajuste do salário mínimo, uma escala móvel para o salário mínimo e um abono de emergência.
Sob pressão das ruas, Massa assumiu se desculpando preventivamente: "Não sou um superministro nem mago nem salvador. Venho ajudar a trabalhar para que a Argentina vá bem e os argentinos, melhor", declarou massa. "A Argentina é um país com recursos, em vias desenvolvimento, não um país rico. A riqueza devemos construir todos. Isto inclui governo e oposição, campo e indústria, trabalhadores e empresários, organizações sociais e da sociedade civil."
METAS
Massa anunciou o fim dos subsídios aos grandes consumidores de energia elétrica, prometeu manter o déficit orçamentário em 2,5% do produto interno bruto, como acertado com o FMI, não imprimir mais dinheiro, cortar os gastos públicos e reforçar as reservas cambiais com US$ 7 bilhões. Descartou uma desvalorização da moeda, sob o argumento de que tem um efeito cascata, dá um choque inflacionário a toda a economia. A meta é baixar a inflação até o fim do ano para 3% ao mês.
O mercado reagiu favoravelmente. No mercado livre, o dólar está em 291 pesos, depois de chegar ontem a 298. No câmbio oficial, vale 139,86 pesos. Mas o Banco Central vendeu US$ 820 milhões desde que Massa foi anunciado.
As reservas cambiais líquidas da Argentina em moedas fortes estão em US$ 1,5 bilhão, informa o jornal Clarín citando analistas do setor privado. Cobrem apenas 15 dias de importações. O governo pressiona os exportadores a liquidar operações de câmbio no valor de US$ 5 bilhões em agosto e setembro, mas eles querem redução de impostos.
Na Bolsa de Nova York, a única empresa argentina que teve alta foi Mercado Libre. Suas ações subiram 16% por causa do balanço divulgado nesta semana.
Com 47 milhões de habitantes, a Argentina foi o país mais rico e desenvolvido da América Latina. Tem capacidade para alimentar 350 milhões de pessoas. Em decadência há 50 anos, 40% dos argentinos vivem na pobreza. Conheça um pouco da história argentina.
QUEM É MASSA
Sergio Massa, de 50 anos, entrou na política como militante da União do Centro Democrático (UCD), um partido conservador. Aderiu ao peronismo quando estudava direito na Universidade de Belgrano. Em 1999, foi eleito deputado provincial em Buenos Aires e, em 2007, prefeito de Tigre, na Grande Buenos Aires, com o apoio do então presidente Néstor Kirchner.
Nos governos de Eduardo Duhalde (2002-3) e Néstor Kirchner (2003-7), Massa dirigiu a Administração Nacional de Seguridade Social. No início do primeiro governo Cristina Kirchner (2007-11), foi chefe de Gabinete, cargo equivalente ao de ministro-chefe da Casa Civil no Brasil de julho de 2008 a julho de 2009.
Quando deixou o governo, voltou à Prefeitura de Tigre e se afastou do kirchnerismo. Criou seu próprio partido, a Frente Renovadora, pelo qual se elegeu deputado nacional em 2013 e disputou a Presidência em 2015, conquistando o terceiro lugar com 21% dos votos.
Em 2019, voltou ao peronismo, apoiou a chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner, e foi eleito presidente da Câmara. Vira superministro como o único capaz de navegar entre a crise permanente entre o presidente e sua vice.
Com ironia para suportar a desgraça, os argentinos brincam que entre as originalidades do país está o regime vice-presidencialista. Quem manda de fato é Cristina, que fica sabotando os ministros de Alberto, um presidente fraco que ela nomeou num golpe de mestra para neutralizar sua rejeição, além de estar preocupada com os processos por corrupção. Seu governo tenta intervir na Corte Suprema.
POPULISMO
"A indicação de Massa pode ser uma manifestação do fim do experimento populista", disse o economia argentino Rafael di Tella, professor da Harvard Business School, ao Brazil Journal. Ele acredita que o superministro sonha em ser o Fernando Henrique Cardoso da Argentina, usando o combate à inflação como trampolim para chegar à Casa Rosada.
Para dar o salto, precisa não só vencer a crise econômica como o conflito interno do governo, a guerra das estrelas do peronismo. Crítico feroz do kirchnerismo, o jornalista Jorge Lanata afirma que Fernández "deixou de ser presidente". Foi relegado ao terceiro lugar em seu próprio governo.
"Massa é a última esperança deste governo", sentencia Lanata. Numa tentativa de deixar claro quem manda, acrescenta, Cristina Kirchner deu 100 dias a Massa para melhorar a situação do país: "Depois, pode acontecer qualquer coisa."
A festa da ascensão de Massa, no Museu do Bicentenário, foi para o jornalista uma amostra do peronismo: "Estavam todos lá, os milionários, os piqueteiros, os supostos empresários nacionalistas, tudo misturado."
Setenta anos depois da morte de Evita e 48 anos depois da morte do general Juan Domingo Perón, o peronismo, que o escritor Jorge Luis Borges chamou de "fenômeno incorrigível", ainda domina a política argentina. Não vai desaparecer. A esperança é que se torne menos autoritário.
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