Uma bomba instalada embaixo do carro matou no sábado, perto de Moscou, por volta das 21h a jornalista e cientista política Daria Dugina, de 29 anos, filha do filósofo Alexander Dugin, principal ideólogo do neofascismo da Rússia, defensor do excepcionalismo russo, do eurasianismo e da guerra contra a Ucrânia.
Como ela dirigia um Toyota Land Cruiser do pai, há suspeitas de que o alvo seria ele, o guru do ditador Vladimir Putin, uma espécie de novo Rasputim, o mago que era eminência parda do último czar do Império Russo, Nicolau II, o Sanguinário, derrubado pela Revolução de Fevereiro de 1917. Podem ter sido os dois.
Dugina volta para casa depois de um evento em que os dois participaram. Com a explosão, o carro, que vinha em alta velocidade, explodiu, foi envolto em chamas e atravessou a pista, contou Andrei Krasnov, amigo pessoal dela. A polícia trata o caso como um crime premeditado, um “assassinato por encomenda”.
Na visão de Dugin, a Rússia é muito mais do que um país, é uma civilização destinada a unir a Eurasia para frustrar as ambições imperiais dos Estados Unidos de dominar o mundo inteiro. Para isso, seria fundamental o fim da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar criada para conter o expansionismo da União Soviética durante a Guerra Fria, e a retirada das forças norte-americanas da Europa. A guerra leva exatamente ao contrário.
Seu livro de 600 páginas Fundações da Geopolítica, publicado em 1997, é leitura obrigatória para as elites política e militar da Rússia. Oficialmente, Dugin não tem nenhum cargo público. Sua relação com Putin não é clara. As especulações vão de mentor propagandista. É um Olavo de Carvalho ou Steve Bannon, um provocador e ex-marqueteiro do ex-presidente Donald Trump?
“Ninguém, nem mesmo os altos funcionários, sabe ao certo quem ou o que Putin ouve”, admitiu Dugin, ao comentar o caótico processo de decisão em Moscou. “Qualquer um que diga que sabe como Putin toma decisões está desinformado ou errado.”
De qualquer maneira, suas ideias ultranacionalistas e imperialistas coincidem com as do Kremlin. Há anos, Dugin defende a anexação da Ucrânia pela Rússia, tema de um ensaio escrito por Putin no ano passado com o argumento central de que os dois países são um só por força dos laços históricos, políticos, espirituais e culturais.
A filha também fazia declarações públicas em defesa da invasão da Ucrânia. Ambos estão sob sanções dos EUA desde 2015, Dugina por ser editora-chefe do portal de desinformação United World International e o pai por “ser responsável ou cúmplice em ações ou políticas que ameaçam a paz, a segurança, a soberania ou a integridade territorial da Ucrânia.”
Como líder da União da Juventude Eurasiana, Dugin recrutava voluntários com treinamento militar e experiência de combate para lutar em Donetsk.
O Reino Unido impôs sanções a Dugina em julho deste ano por causa do apoio à guerra, “com contribuições frequentes e de alto destaque para a desinfomação relação à Ucrânia e à invasão da Ucrânia pela Rússia em várias plataformas on-line.”
Sob a ótica do pai, Daria Dugina vê um choque de civilizações entre a Eurasia e EUA e aliados. Em março, no início da guerra, ela afirmou no YouTube que a identidade nacional ucraniana está no Oeste do país.
O Leste da Ucrânia, especialmente a região de Donbass, a Bacia do Rio Dom, a região industrial formada pelas províncias de Donetsk e Lugansk, aceitaria fazer parte de um “império eurasiano”.
Denis Puchilin, dos líderes separatistas da República Popular de Donetsk, uma das províncias do Leste da Ucrânia que a Rússia reconheceu como países independentes e pode anexar, acusou o governo Volodymyr Zelensky pela morte de Daria.
No domingo, Mykhailo Podolyak, assessor de Zelensky, negou enfaticamente qualquer relação do governo ucraniano com o atentado: “Não somos um país criminoso como a Federação Russa, muito menos um país terrorista”, afirmou.
“O processo de destruição interna do mundo russo começou”, proclamou Andrii Yussov, porta-voz da inteligência militar da Ucrânia. “O mundo russo vai devorar a si mesmo.”
Se a Ucrânia estiver envolvida, será uma “política de terrorismo de Estado do regime de Kiev”, reagiu a porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia, Maria Zakharova, pedindo que as alegações de Puchilin “sejam investigadas pelas autoridades competentes”.
De uma forma ou de outra, às vésperas de completar seis meses sem perspectiva de paz, a Guerra da Ucrânia atinge a capital da Rússia e dificulta a censura oficial do governo Putin sobre a guerra, dias depois de ataques à Península da Crimeia, anexada ilegalmente por Moscou em 2014, a regiões ocupadas durante a guerra e a instalações militares situadas em território russo.
Vários comentaristas da mídia e das redes sociais que apoiam o regime estão pressionando o Kremlin a endurecer com a Ucrânia.
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