quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Presidente do Peru tenta dar golpe, é destituído e preso

Para tentar escapar do terceiro processo de impeachment, com seis inquéritos sobre corrupção no governo, o presidente do Peru, Pedro Castillo, dissolveu hoje o Congresso, mas foi ignorado. Sem apoio nem de seu próprio partido, Peru Livre, foi destituído "por incapacidade moral permanente" e preso. 

A vice-presidente Dina Boluarte assumiu a Presidência. É a primeira mulher a ocupar o cargo e a sétima pessoa a presidir o país nos últimos seis anos.

Na sua tentativa de golpe, Castillo anunciou a dissolução do Congresso, decretou estado de emergência e toque de recolher noturno, convocou eleições parlamentares antecipadas, prometeu uma nova Constituição e admitiu estar impondo um "regime de exceção" sob o pretexto de "restabelecer o Estado democrático de direito e a democracia".

Nenhum partido, nem o esquerdista Peru Livre, pelo qual se elegeu, o apoiou, nem as Forças Armadas. Por 101 a 6 votos, com 10 abstenções, o Congresso unicameral de 130 cadeiras destituiu Castillo. A Corte Constitucional (supremo tribunal) chamou a manobra do presidente de golpe de Estado e chancelou a posse da vice-presidente Boluarte, rompida com Castillo há semanas.

O presidente deposto foi preso ao sair do palácio por delito de rebelião ao atentar contra a ordem constitucional e levado para a Prefeitura de Lima. Havia boatos de que buscaria refúgio nas embaixadas da Bolívia, do México ou da Venezuela. Tentou ir para a Embaixada do México. Foi preso por sua própria escolta. O ministro do Exterior mexicano, Marcelo Ebrard, ofereceu asilo político.

A nova presidente revogou o estado de emergência e o toque de recolher, e prometeu "um amplo diálogo com todas as forças políticas, representadas no Congresso ou não." 

Dina Boluarte não está filiada a nenhum partido político. Foi expulsa do Peru Livre em janeiro. Na sua primeira declaração como presidente, considerou imprescindível "retomar o crescimento econômico com inclusão" e "emprego digno".

Para isso, Boluarte pediu ao Congresso "uma trégua política para instalar um governo de unidade nacional", definiu como "impostergável" uma reforma política e prometeu apoio ao Ministério Público "para ingressar sem meias tintas nas estruturas corrompidas pelas máfias no interior do Estado."

O Peru foi o país com a maior taxa de mortalidade do mundo na pandemia. Com 80% da população na economia informal, foi impossível manter o distanciamento social. A economia peruana caiu 11% em 2020 e se recuperou, com alta de 13,3% em 2021. A taxa de crescimento em 12 meses ficou em 1,7% no fim do terceiro trimestre de 2022.

CORRUPÇÃO ENDÊMICA

Todos os presidentes do Peru desde 1990 foram ou estão sendo processados. Alberto Fujimori (1990-2000), que fechou o Congresso e a Corte Suprema num golpe em 1992, foi condenado por corrupção e violações dos direitos humanos. Outros quatro foram envolvidos em escândalos de corrupção da construtora brasileira Odebrecht.

Alejandro Toledo (2001-6) fugiu para os Estados Unidos, onde está em prisão domiciliar aguardando um processo de extradição. É acusado de receber US$ 20 milhões da Odebrecht. Seu sucessor, Alan García (2006-11), que havia governado o Peru de 1985 a 1990, antes de Fujimori, se matou para não ser preso em 17 de abril de 2019.

Durante a campanha eleitoral de 2016, a Polícia Federal do Brasil revelou que o então presidente Ollanta Humala (2011-16) recebera US$ 3 milhões da Odebrecht para a campanha eleitoral de 2011. Ele e a mulher foram presos.

Outro alvo da Operação Lava Jato e da Odebrecht, Pedro Pablo Kuczynski (2016-18), ex-primeiro-ministro, caiu com um ano e sete meses de governo. Renunciou um mês antes de receber a ordem de prisão. 

Seu vice-presidente, Martín Vizcarra (2018-20), durou um pouco mais, dois anos e sete meses. Caiu no segundo impeachment por "incapacidade moral" em virtude de um escândalo de suborno quando era governador do Departamento de Moquegua.

Em seu lugar, assumiu o presidente do Congresso, Manuel Merino, que durou apenas cinco dias. Caiu sob pressão de protestos populares contra o impeachment que tiveram duas mortes. Outro presidente do Congresso, Francisco Sagasti (2020-21) governou por oito meses para completar o mandato.

Esquerdista radical, mas conservador na política de costumes, contra o aborto e o casamento gay, José Pedro Castillo Terrones liderou uma greve de professores em 2017 para exigir aumento salarial, pagamento da dívida social, revogação da Lei da Carreira Pública do Magistério e mais dinheiro para a educação. 

Castillo prometeu na campanha anular todos os contratos com mineradoras, estatizar o setor e alterar a Constituição para permitir maior intervenção estatal na economia. Os setores empresariais temiam uma chavistização do Peru, mas ele era mais comparado ao ex-presidente boliviano Evo Morales.

Em 2021, Castillo, que foi votar a cavalo, era o candidato antissistema, do Centro e do Sul, do interior pobre. Era o azarão que veio de trás, atropelou, teve pouco mais de 15% no primeiro turno e bateu Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Fujimori, derrotada pela terceira vez no segundo turno, desta vez por 44 mil votos (50,13% a 49,87%). Tomou posse em 28 de julho de 2021.

Durante um ano e quatro meses, Castillo teve cinco primeiros-ministros. Sem maioria parlamentar, sempre foi um governo instável. O rompimento com o líder do Peru Livre, Vladimir Cerrón, tirou a base parlamentar do governo, que já era minoritária. Condenado por corrupção, Cerrón não podia se candidatar. Lançou Castillo. Hoje o partido votou pelo impeachment.

As acusações se agravaram há dois meses, quando a procuradora Patricia Benavides denunciou o presidente como líder de uma "organização criminosa", de uma trama criminosa "enquistada no Palácio do Governo" para "a obtenção de benefícios econômicos através da nomeação para postos-chaves, da cobrança de porcentagens de licitações realizadas ilicitamente e do uso ilícito da prerrogativas presidenciais." A procuradora também denúncia ter recebido "ameaças contra ela e sua família".

Foi o primeiro presidente peruano a não sair da elite limenha. Nas palavras do jornal espanhol El País, Castillo "é o Peru que não mora em Lima, que não está no Twitter e a quem ninguém prestou atenção durante a campanha eleitoral."

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