domingo, 4 de setembro de 2022

Chilenos rejeitam Constituição de tendência esquerdista

 Em uma derrota para o presidente Gabriel Boric, com 95% dos votos apurados, por 62% a 38%, os chilenos rejeitaram um novo projeto de Constituição redigido por uma Assembleia Constituinte de esquerda eleita em resposta à onda de protestos contra o modelo econômico neoliberal imposto pela Constituição de 1980, durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-90).

Ao aumentar a participação do Estado, a nova carta representava uma guinada à esquerda para construir uma sociedade mais igualitária.

Pelo menos 36 pessoas morreram, cerca de 11.564 foram feridas e 28 mil detidas nas manifestações que começaram em 7 de outubro de 2019 em protesto contra o aumento das passagens do metrô de Santiago. Mais de 80 estações do metrô foram vandalizadas e 17 incendiadas. Os prejuízos com depredações e saques foram estimados em  US$ 3,5 bilhões.

A reação do presidente conservador Sebastián Piñera foi acusar os manifestantes que formar uma gangue, decretar estado de emergência e reprimir com uma dureza que não se via desde o tempo da ditadura (foto de Felipe y Jairo Castilla).

Os protestos se ampliaram e se alastraram por todo o Chile. Incluíram outros aspectos da desigualdade social, como a privatização da educação, da saúde e da previdência, com custo elevado para as classes média e baixa e aposentadorias incapazes de garantir uma vida digna, aumento do salário mínimo, renúncia de Piñera e uma nova Constituição.

Mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas de Santiago em 25 de outubro de 2019 (foto de Hugo Morales). Os protestos só diminuem com a pandemia da covid-19. 

Para tentar conter a revolta popular, em 15 de novembro de 2019, o Congresso do Chile convoca um plebiscito sobre uma nova Constituição, adiado por causa da pandemia. Em 25 de outubro de 2020, 78% dos 51% que compareceram às urnas votaram por uma nova carta magna. Em 16 de maio de 2021, os chilenos elegeram uma Assembleia Constituinte com 155 deputados.

A eleição de Boric com 55% dos votos no segundo turno, em 19 de dezembro do ano passado, e a derrota dos partidos tradicionais que governavam o Chile desde o fim da ditadura, foram consequências dos protestos.

DESTAQUES DA CARTA

O projeto constitucional rejeitado introduzia o conceito de plurinacionalidade, reconhecendo o direito a autodeterminação das 17 nações indígenas, com seus próprios sistemas de Justiça, como acontece na Bolívia e no Equador. A direita alegou que isto dividiria o país, ameaçando-o de dissolução. Moradia, segurança, saúde, trabalho e acesso a comida seria considerados “direitos sociais”.

Na questão ambiental, o texto inovava ao estabelecer que “a natureza tem direitos” e que “os animais devem receber proteção especial”. A mineração seria proibida em pântanos e geleiras. Seria objeto de uma fiscalização mais rigorosa. O abastecimento de água, hoje feito por empresas privadas, seria nacionalizado e os mananciais protegidos, assim como as áreas de exploração do lítio, elemento essencial nas baterias de carros elétricos.

A nova carta também garantiria a paridade entre homens e mulheres em toda a máquina pública. O aborto seria realizado no sistema público, dependendo apenas da vontade da mulher.

FUTURO DA REFORMA

“A democracia sai mais robusta”, declarou o presidente Boric. “É preciso escutar a voz do povo. Devemos ter autocrítica. Comprometo-me a fazer tudo de minha parte para construir junto com o Congresso e a sociedade civil um novo itinerário constituinte. Não podemos deixar o tempo passar.”

O resultado é uma derrota para seu projeto político e foi influenciado pelas dificuldades do governo atual. Agora, Boric deve reunir os líderes do Congresso para enviar uma nova proposta ao Congresso, onde o governo é minoritário.

Numa futura Constituinte, a direita quer reduzir a cota reservada a candidatos independentes e as 17 cadeiras destinadas aos indígenas, um para cada nação indígena. Isto aumentaria o peso dos partidos tradicionais, que foram praticamente excluídos do processo.

A esquerda insiste em que o texto rejeitado sirva de base para uma ampla reforma constitucional e mantenha o conceito de plurinacionalidade, a proteção ao meio ambiente e os direitos da mulher. Quer que a nova carta seja aprovada até 11 de setembro do próximo ano, no aniversário de 50 anos do golpe que derrubou o presidente socialista Salvador Allende. Boric é o presidente do Chile mais à esquerda desde Allende.

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