quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Brasileiro tenta matar a vice-presidente da Argentina

 A vice-presidente e ex-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, escapou da morte por pouco quando chegava em casa hoje à noite, em Buenos Aires. Um brasileiro filho de chileno e argentina identificado pela polícia como Fernando Andrés Sabag Montiel, de 35 anos, tentou disparar um revólver a poucos centímetros de sua cabeça. Ele foi preso em seguida.

Sabag Montiel tinha antecedentes criminais. Em 17 de março de 2021, foi preso por portar uma faca de 35 centímetros perto de sua casa, no bairro de classe média La Paternal. Ele estava num carro sem placa. Declarou à polícia que usava a arma para defesa pessoal.

Cristina Kirchner vinha do Senado, do qual é presidente. Desde que o procurador Diego Luciani pediu 12 anos de prisão para a vice-presidente num processo por corrupção, na sexta-feira passada, manifestantes contra e a favor da líder do peronismo se concentram perto do apartamento dela, na esquina das ruas Juncal e Uruguai, no aristocrático bairro da Recoleta.

A perícia descobriu que a arma, uma pistola Bersa 64 calibre 32 de 7,65 milímetros, tinha cinco balas e capacidade para 15, mas a câmara estava vazia. Não estava preparada para atirar.

Em cadeia nacional de televisão, o presidente Alberto Fernández afirmou que “é o fato mais grave desde que restauramos a democracia” e decretou feriado nesta sexta-feira.

Líderes de todas as correntes políticas prestaram solidariedade à vice-presidente, mas a deputada oposicionista Patricia Bullrich, presidente do partido Proposta Republicana (Pro), criticou Fernández: “O presidente está brincando com fogo: em vez de investigar seriamente um fato grave, acusa a oposição e a imprensa, e decreta um feriado para mobilizar os militantes. Converte um ato de violência individual numa jogada política. Lamentável.”

O assassino em potencial está registrado profissionalmente como dedicado ao “serviço de transporte automotor urbano e suburbano não regular de passageiros de oferta livre, aluguel de carros com motorista e transporte escolar”. Seria um motorista de aplicativo.

Uma das primeiras fotos revela que Sabag Montiel tem um sol negro, um símbolo nazista, tatuado no cotovelo do braço esquerdo. Horas antes da tentativa de assassinato, teria publicado mensagem no Twitter elogiando o presidente Jair Bolsonaro pelos dados positivos sobre a economia brasileira.

KIRCHNERISMO

Cristina Kirchner era senadora pela província de Buenos quando foi eleita presidente em 2007, no fim do mandato do marido, o presidente Néstor Kirchner (2003-7), que pretendia voltar à Casa Rosada em 2011, mas morreu um ano antes da eleição, em 27 de outubro de 2010.

Representante da esquerda do Partido Justicialista (peronista), Néstor Kirchner governou a Argentina no período de recuperação depois da crise econômica brutal causada pelo colapso da dolarização da era Carlos Menem (1989-99) em 2001, quando 58% dos argentinos caíram na pobreza. 

Foi uma época de renegociação da dívida e retomada do crescimento, com fortes subsídios para amenizar a crise social, em um ambiente internacional favorável, com alta nos preços dos produtos primária.

Quando Cristina assumiu, começava a crise financeira que se agravou com a falência do banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers. O fluxo de dólares diminuiu. O governo argentino passou a cobrar mais de 35% de impostos sobre as exportações de grãos. A reação dos fazendeiros foi uma “greve do campo”.

Apesar do conflito com a oligarquia rural, Cristina foi reeleita em 2011 com 54% dos votos, o maior percentual desde a redemocratização da Argentina, em 1983. Foi a primeira presidente a se reeleger na América Latina.

Pela primeira na história democrática argentina, um partido ganha três eleições consecutivas. Com déficits orçamentários crônicos, sem querer cortar os subsídios, o governo passou a manipular os índices de inflação e gerou uma revolta dos sindicatos, base tradicional do peronismo.

A Argentina perdeu uma ação judicial em Nova York para um fundo que exigia o pagamento de todos os credores e não apenas dos que haviam renegociado a dívida. Como o ministro da Economia, Axel Kicillof, o país entrou em moratória, a nona de sua história. Em discurso nas Nações Unidas, Cristina acusou os “fundos abutres”.

Diante da crise, o direitista Mauricio Macri venceu a eleição de 2015 prometendo recuperar a economia. Ele cortou impostos e subsídios e fez um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), tomando um empréstimo de US$ 57 bilhões, o maior da história do Fundo.

Macri não conseguiu controlar a inflação e o país enfrentou dois anos de recessão em seu governo. Para neutralizar sua rejeição, em 2019, Cristina indicou Alberto Fernández para presidente e se candidatou a vice-presidente. Foi um golpe de mestre, mas os dois vivem brigando. Cristina sabota o acordo com o FMI.

A nomeação do presidente da Câmara dos Deputados, Sergio Massa, para superministro da Economia foi a última jogada de Cristina para tentar salvar o governo. Com a inflação em 71% ao ano e previsão de que chegue a 90% antes do fim de 2022, é um desafio formidável.

A crise permanente acirra as tensões políticas e o kirchnerismo está em guerra com o Poder Judiciário por causa dos processos criminais de sua líder, o que estimula os discursos de ódio e a violência.

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