quinta-feira, 1 de julho de 2021

PC centenário abraçou capitalismo para resgatar a grandeza da China

O Partido Comunista da China festejou cem anos hoje com três metas importantes cumpridas: restaurar a independência, a união e a preeminência do país nas relações internacionais depois de um século de submissão a potências estrangeiras e de décadas de tumulto desde a vitória, em 1949, da revolução liderada por Mao Tsé-tung. 

Com as reformas lançadas em 1978 pelo líder Deng Xiaoping e a adesão à economia de mercado, realizou o maior desenvolvimento econômico da história e marcha para se tornar a maior economia do mundo ainda nesta década.

Se Deng teve de enfrentar a velha guarda para aposentar o stalinismo econômico e adotar o capitalismo, que chamou de "economia de mercado socialista", o comunismo sobrevive como forma de governar. O partido tem hoje 92 milhões de filiados, mais do dobro da era de Mao, e o Congresso Nacional do Povo mais de 100 bilionários. 

Com seus longos braços, ou tentáculos, e as novas tecnologias de comunicação e de controle, o partido se confunde com o Estado e vigia a vida pública e privada de seus cidadãos nos mínimos detalhes. O PC é uma alavanca de ascensão social.

Na prática, o PC chinês criou uma ditadura militar fascista que reescreve sua própria história para apagar os momentos mais trágicos: a Grande Fome causada pelo fracasso do Grande Salto para a Frente (1958-60), a Grande Revolução Cultural Proletária (1966-76), o Massacre na Praça da Paz Celestial e sua responsabilidade na pandemia do coronavírus de 2019. Até a data de fundação do partido mudou. Na realidade, foi em 23 de julho.

IMPÉRIO DO CENTRO

A China era o Império do Centro, a potência dominante na Ásia desde a unificação do país pelo imperador Chin (daí China) na fim da Guerra dos Sete Reinos, em 221 antes de Cristo. Com sua cultura superior, sua filosofia, suas artes, sua medicina, mesmo quando foi dominada pelo Império Mongol, de 1271 a 1368, absorveu e sinificou o invasor.

Esta introversão, o senso de superioridade e a autossuficiência, além do desprezo do filósofo Confúcio pelos comerciantes, que considerava a escória da sociedade, a Dinastia Ming recolheu a frota mercante chinesa quando o Ocidente iniciava sua expansão colonial marítima, no fim do século 15. 

O Império Chinês ficou fora da Revolução Comercial, origem do capitalismo. Descobriu a pólvora e inventou a imprensa, mas não desenvolveu estas tecnologias como fez a Europa para dominar o mundo.

No fim do século 18, a China e a Índia eram responsáveis por 25% da produção industrial do mundo. Perderam o trem da história quando os britânicos desenvolveram a tecnologia da máquina a vapor e mecanizaram a produção.

Com a Revolução Industrial, o Reino Unido se tornou a maior potência econômica do planeta. Depois da vitória nas guerras napoleônicas, o Império Britânico se volta a Ásia, onde já dominava a Índia. Aumentou a pressão sobre a China, que só tinha um porto aberto ao mundo, Cantão.

HUMILHAÇÃO HISTÓRICA

Nas Guerras do Ópio (1839-42 e 1856-60), Império Britânico impôs o livre comércio à China, inclusive de ópio, o que é visto pelo regime comunista como uma humilhação histórica totalmente inaceitável. 

Ao festejar hoje o centenário do partido, o ditador Xi Jinping negou qualquer pretensão imperialista e advertiu que a China não aceitará ameaças e intimidações e quem a enfrentar vai bater numa muralha de 1,4 bilhão de chineses. Foi o momento de maior aplauso dos 70 mil convidados para a cerimônia na Praça da Paz Celestial, em Beijim.

O declínio se acentuou com a derrota na Guerra Sino-Japonesa (1894-95), que acaba com a ordem sinocêntrica na Ásia. O Japão se abrira ao mundo depois que o almirante americano William Perry ameaçou bombardear o porto de Tóquio, em 1853, o que acabou com a era do xogunato em 1868. Para não ser dominado pelo imperialismo, o Japão se ocidentalizou e derrotou a China e a Rússia.

FIM DO IMPÉRIO

Em 1911, cai a Dinastia Qing, que era manchu. Nasce a República da China, sob a liderança de Sun Yat-sen, até hoje considerado o Pai da Pátria. Mas ele foi logo afastado do poder e o colapso do centro deixou a maior parte do país sob o controle de senhores da guerra.

Um dos mais influentes intelectuais chineses daquela época foi Liang Qichao, considerado o pai do jornalismo chinês moderno. Foi o primeiro a descrever a China como o "doente da Ásia" e a rejeitar a tradição confucionista para despertar o país de "um sonho de 4 mil anos".

Suas ideias influenciaram a pregação maoísta de acabar com as Quatro Velharias (velhas ideias, velha cultura, velhos hábitos e velhos) no auge do radicalismo da Revolução Cultural. Seus editorias e reflexões no exílio no Japão educaram toda uma geração de jovens patriotas sofrendo com o destino do país, inclusive Mao e Chen Duxiu, dois dos 13 fundadores do PC chinês.

A herança maldita de Liang foi o destrutivismo. Para criar "novos cidadãos" com uma "consciência nacional" para "salvar o país", é preciso "derrubar tudo e criar um novo mundo. Não pode haver construção sem destruir tudo."

MOVIMENTO 4 DE MAIO

Liang foi o padrinho intelectual do Movimento 4 de Maio, um mobilização política e cultural anti-imperialista. Em 4 de maio de 1919, os estudantes protestaram contra o Tratado de Paz de Versalhes, que permitiu ao Japão manter o controle sobre a província de Xandong, no Leste da China.

O PC é filho do 4 de Maio. Em 1939, Mao declarou: "O Movimento 4 de Maio marcou 20 anos atrás uma nota etapa na revolução democrático-burguesa na luta contra o imperialismo e o feudalismo na China. Com o crescimento e o desenvolvimento de novas forças sociais naquele período, um novo campo entra na revolução democrático-burguesa, a classe trabalhadora, as massas de estudantes e a nova burguesia nacional. Neste sentido, o Movimento 4 de Maio foi um passo à frente da Revolução de 1911", que derrubou o império.

Como uma sociedade agrária e atrasada, a China não tinha um operariado industrial como a Rússia em 1917. O debate sobre como implantar o comunismo na China esteve no centro de disputa de poder entre Leon Trotsky e Josef Stalin na União Soviética depois da morte de Vladimir Lenin, em 1924.

Trotsky era a favor de fazer logo a revolução. Stalin não via condições. Ao assumir o controle da URSS, levou o PC chinês a adotar política de frente popular em aliança com o Partido Nacionalista do Povo, o Kuomintang (KMT), liderado por Chiang Kai-shek. O resultado foi mais uma tragédia na história da China.

GUERRA CIVIL

No massacre de Xangai, em 12 de abril de 1927, mais de 5 mil soldados do Exército do KMT mataram entre 5 e 10 mil comunistas, enquanto outras unidades atacavam os senhores da guerra na Expedição do Norte. Era o início da guerra civil chinesa entre nacionalistas e comunistas que levou Mao ao poder em 1º de outubro de 1949.

Durante 370 dias, de 16 de outubro de 1934 a 22 de outubro de 1935, o Exército Vermelho da República Soviética da China (fundada por Mao em 1931), sob o comando de Mao e Chu Enlai, empreendeu a Longa Marcha, uma fuga de 9 mil quilômetros para leste e para o norte para não ser aniquilado pelo KMT.

Em 1937, o Império do Japão, que invadira a Manchúria em 1931, tomou o resto da China, na realidade, a parte litorânea, onde estão as grandes cidades como Xangai, Beijim e Nanquim. O invasor, um inimigo comum, uniu os chineses durante uma Segunda Guerra Mundial mais longa do que a da Europa.

A guerra de guerrilhas contra o Japão preparou o exército comunista. Em 31 de março de 1946, recomeça a guerra civil, depois do fracasso de negociações mediadas pelo general americano George Marshall. A URSS forneceu apoio limitado aos comunistas, enquanto os EUA deram grande ajuda de centenas de milhões de dólares em armas, munições, outros equipamentos militares e suprimentos.

No primeiro ano, os nacionalistas obtiveram algumas vitórias, mas seu governo era impopular e a força moral da tropa estava muito abaixo do fervor ideológico da revolução. Em novembro de 1948, Lin Piao tomou a Manchúria, onde os nacionalistas perderam meio milhão de soldados. Os comunistas também conquistaram Xandong.

VITÓRIA DA REVOLUÇÃO

Beijim caiu em janeiro de 1949. Xangai e Nanquim em abril. Em 1º de outubro, Mao proclama a fundação da República Popular da China, com a promessa de não submeter mais o país às humilhações do século anterior e de não aceitar status de inferioridade. A fuga de Chiang de Xunquim para Taiwan, em 7 de dezembro, consolidou a vitória da revolução. Mas o Camarada Stalin jogou duro.

Mao chegou a Moscou em 16 de dezembro de 1949. No mesmo dia, se encontrou por duas horas com Stalin, que não acreditava que os EUA iriam à guerra contra a Revolução Chinesa. Em 2 de janeiro, Mao avisou ao partido que Stalin estava disposto a convidar o primeiro-ministro e ministro do Exterior. Chu Enlai, para ir a Moscou e assinar um tratado de cooperação e defesa.

Chu levou 11 dias para ir de trem até Moscou. O Tratado de Amizade, Aliança e Assistência Mútua, favorável à URSS, foi assinado em 14 de fevereiro de 1950. Mao visitou o túmulo de Lenin, Leningrado, Gorki, fábricas de armas, o metrô de Moscou e uma fazenda coletiva.

GUERRA DA COREIA

A revolução seria testada com a Guerra da Coreia, iniciada quando a Coreia do Norte, comunista, invade o Sul em 25 de junho de 1950. Como a URSS estava boicotando o Conselho de Segurança das Nações Unidas por causa da exclusão da China, não vetou e os EUA aprovaram uma resolução autorizando uma força internacional a reunificar a Península Coreana.

Para evitar a presença de um aliado dos EUA junto à sua fronteira, em outubro de 1950, o 4º Exército da China, sob o comando de Lin Piao, cruzou o Rio Yalu e entrou na guerra. Houve uma guerra entre China e EUA dentro da Guerra da Coreia e a China ganhou, no sentindo de que conseguiu o objetivo político de empurrar as forças americanas para o sul do paralelo 38º N e restaurar a situação anterior à guerra. Nunca mais os dois países entraram em guerra, mas o risco aumenta com a ascensão da China e o declínio relativo dos EUA.

DESESTALINIZAÇÃO

Quando o novo secretário-geral Nikita Kruschev denunciou os crimes de Stalin no 20º Congresso do Partido Comunista Soviético, em fevereiro de 1956, houve uma liberalização dos regimes comunistas. Em maio, a China lançou a Campanha das 100 Flores, um movimento para dar mais liberdade a artistas e intelectuais e estimular a criatividade: "Deixe brotar 100 flores e centenas de escolas de pensamento competir."

A revolta de 23 de outubro de 1956 na Hungria e a invasão soviética em 4 de novembro acabaram com a breve liberalização dos regimes comunistas. Na China, durou até junho de 1957 e foi seguida de uma dura repressão aos críticos do partido.

A resposta de Mao, o Grande Timoneiro, foi o Grande Salto para a Frente (1958-60), uma tentativa desastrosa de coletivizar a agricultura e instalar usinas siderúrgicas em fazendas coletivas numa aliança operário-camponesa. O aço produzido era de péssima qualidade e a produção agrícola desabou, gerando a Grande Fome (1958-62), talvez o maior desastre do reinado de Mao, com um total estimado de 45 milhões mortes.

O momento mais crítico da Guerra Fria, a Crise dos Mísseis em Cuba, em outubro de 1962, quando o mundo esteve mais perto do que nunca de uma guerra nuclear, acabou consolidando a coexistência pacífica entre os EUA e a Rússia, fragilizando a posição da China que romperia com a URSS em 1964, quando um golpe derrubou Kruschev e levou Leonid Brejnev ao poder no Kremlin.

Em 1964, a China explodiu sua primeira bomba atômica, afirmando o status de grande potência.

REVOLUÇÃO CULTURAL

No mesmo ano, começa a intervenção militar dos EUA na Guerra do Vietnã, aumentando a percepção de isolamento e cerco do regime comunista chinês. A sensação de insegurança e o conflito político interno levaram Mao a lançar, em 16 de maio de 1966, a Revolução Cultural, um movimento violento de radicalização política e perseguição a inimigos que derrubou altos dirigentes do partido inclusive Deng e tentou marginalizar o primeiro-ministro Chu.

Milhões de chineses foram humilhados publicamente, presos, torturadores, expurgados, condenados a trabalhos forçados, tiveram propriedades confiscadas, executados e perseguidos até o suicídio. O total de mortos é estimado entre 500 mil e 2 milhões.

Tesouros e relíquias e prédios históricos e culturais foram destruídos por representar o passado imperial. Em total inversão de valores, o trânsito andava no sinal vermelho e parava no verde.

Um dos extremistas, o marechal Lin Piao, foi nomeado sucessor de Mao em abril de 1969, mas morreu num acidente suspeito quando fugia do país em setembro de 1971.

Em 1969, a tensão com a URSS levou a uma guerra de fronteiras de que os EUA se aproveitaram para aprofundar o fosso entre as potências comunistas.

REATAMENTO COM EUA

No mesmo ano, Mao convidou uma equipe de pingue-pongue para visitar a China, iniciando o degelo com os EUA. Em julho de 1971, o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca visitou a China, preparando a viagem do presidente Richard Nixon, em fevereiro de 1972.

Antes disso, ainda em 1971, o regime comunista assumiu a vaga da China no Conselho de Segurança da ONU, até então ocupada por Taiwan. As relações com os EUA seriam restabelecidas em 1979.

Com a morte de Mao, em 9 de setembro de 1976, acaba a Revolução Cultural. A Gangue dos Quatro, inclusive a viúva do Grande Timoneiro, Jiang Qing, é presa. Se acordasse dez anos depois no mausoléu na Praça da Paz Celestinal, Mao não reconheceria o país, com lojas do McDonald's e do Kentucky Fried Chicken ao redor da praça e sua quarta mulher na cadeia.

O país e o partido estão destroçados. Reabilitado, Deng percebe que a única ideia capaz de unir o PC e o país é a modernização. Resgata o Programa das Quatro Modernizações (agricultura, indústria, defesa, e ciência e tecnologia), lançado por Chu em 1963 e abortado pela Revolução Cultural.

ERA DAS REFORMAS

Deng assume a liderança do partido. Em 13 de dezembro de 1978, lança o programa de reformas e abertura econômica com um discurso que defende uma democracia interna, dentro do partido, para permitir um debate que leve ao desenvolvimento sem abrir mão do monopólio de poder do partido.

Em 1984, quando negociou a devolução de Hong Kong à China, a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, alimentou a esperança de que a liberalização da economia levasse a uma liberalização política do regime. Ledo engano. A Revolução Francesa de 1789 foi feita pela burguesia em ascensão em busca de poder político. A burguesia e a classe média chinesas não vão contestar o regime que as enriqueceu. Talvez façam isso quando houver uma crise econômica, o que inevitavelmente virá.

O grande desafio à liderança do partido na era das reformas veio do movimento pela liberdade e democracia na Praça da Paz Celestial, iniciado em 15 de abril de 1989, com a morte do ex-secretário-geral do PC reformista Hu Yaobang. Na véspera do enterro, em 21 de abril, 100 mil estudantes marcharam até a praça para exigir liberdade, democracia, transparência governamental, liberdade de imprensa e liberdade de manifestação.

Enquanto o secretário-geral reformista, Zhao Ziyang, defendia o diálogo, o primeiro-ministro linha-dura Li Peng decretou a lei marcial e convocou o Exército para acabar com o movimento, com o apoio decisivo do supremo líder, Deng Xiaoping, na época presidente da Comissão Militar Central.

MASSACRE NA PRAÇA

Numa reunião decisiva na cada de Deng, Zhao alegou que tinha "1,2 bilhão de chineses", a população do país, a seu lado". Deng respondeu: "Não tem, não, e eu tenho 320 milhões", o contingente do Exército Popular de Libertação. 

Na noite de 3 para 4 de junho de 1989, os militares massacraram os estudantes e outras pessoas que aderiram ao movimento. O total de mortes foi estimado entre 800 e 10 mil. Zhao caiu em desgraça e morreu em prisão domiciliar.

Uma visita de Deng à zona de processamento de exportações de Xenzen, em 1992, reafirmou o apoio às reformas econômicas. A abertura política foi descartada definitivamente, mas Deng criou uma direção colegiada sob o comando do Comitê Permanente do Politburo do Comitê Central - os nove e depois sete imperadores  que mandam no país - e uma regra de que cada secretário-geral do partido e presidente governaria a China por dois mandatos de cinco anos. O atual ditador, Xi Jinping, aboliu esta regra de sucessão para se eternizar no poder.

Em Governando a China, o sinólogo americano Kenneth Lieberthal observa que há 2 mil anos os chineses criaram uma burocracia capaz de administrar seu vasto país, mas até hoje não conseguiram organizar um sistema político capaz de administrar a luta de suas elites pelo poder. A ditadura unipessoal de Xi reduz os pesos e contrapesos do sistema e gera o risco de conflitos no futuro, especialmente na sucessão.

A entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) acelerou ainda mais o crescimento chinês, a taxas acima de 10% ao ano até a crise mundial de 2008, tornando o país na maior potência industrial do planeta desde 2010, responsável hoje por 28,7% do total. Em 2009, a China se tornou a maior parceira comercial do Brasil. As importações chinesas foram um fator decisivo para o crescimento no governo Lula (2003-10).

EXERCENDO O PODER

Deng aconselhava os chineses a trabalhar duro, não mostrar sinais interiores de riqueza e não se envolver em conflitos internacionais. A China precisava acumular riqueza e poder. Xi, que chegou ao poder em 2012, concluiu que o país já tem essa massa crítica e precisa impor sua vontade, sem ceder a pressões internacionais.

O novo líder lançou um megaprograma de infraestrutura, a Iniciativa Um Cinturão Uma Estrada, a Nova Rota da Seda, com investimentos de US$ 11 trilhões em 138 países acusado de neocolonialismo por supostamente submeter países em desenvolvimento através da dívida.

No discurso dos 100 anos, Xi reafirmou a determinação de reunificação com Taiwan, à força se necessário. Ele é o líder chinês que acumulou mais poder desde Mao. A diferença é que hoje o país é muito mais poderoso, com muito mais recursos e um produto interno bruto anual estimado em US$ 16 trilhões.

O partido sempre encontrou um jeito de se legitimar. Na era de Mao, foi através do confronto ideológico. Com as reformas, com a promessa de riqueza e prosperidade crescentes. Na pandemia, apesar da imagem abalada, se apresenta como mais eficiente do que as potências ocidentais no combate ao coronavírus, depois de tentar esconder a notícia e negar a realidade no primeiro momento, como é próprio dos regimes autoritários.

Uma ditadura é um governo em guerra civil contra seu próprio povo. A repressão dura e rigorosa a qualquer dissidência revela uma insegurança do partido.

COMPETIÇÃO ESTRATÉGICA

A guerra comercial com os EUA, deflagrada pelo presidente Donald Trump, é muito mais do que aumentar tarifas protecionistas. É um conflito estratégico, econômico, político, ideológico, científico, tecnológico e militar pela supremacia mundial capaz de levar a uma nova guerra fria. Até agora, o governo Joe Biden não mudou significativamente as políticas de Trump em relação à China.

Os EUA e seus aliados acusam a China de violações dos direitos humanos ao manter 1 milhão de muçulmanos em centros de reeducação na província de Xinjiang, de sufocar a cultura lamaísta do Tibete e de acabar com a democracia em Hong Kong, submetida desde o ano passado a uma Lei de Segurança Nacional draconiana que na prática acaba com o compromisso de manter dois sistemas dentro do país.

No plano internacional, a China tem conflitos territoriais com vizinhos no Mar do Sul da China: Brunei, Filipinas, Indonésia, Malásia, Taiwan e Vietnã. O regime comunista reivindica 90% do mar. Aterra ilhas e atóis para construir bases militares a fim de garantir sua posição. Em 15 de junho do ano passado, o choque mais violento com a Índia em 45 anos terminou com a morte de 20 soldados indianos nas montanhas do Himalaia.

Esta agressividade levou os EUA a formar o quadrilátero com a Austrália, a Índia e o Japão, do qual se aproximou o Vietnã. O objetivo inequívoco é contrabalançar o poderio chinês e conter a China. Talvez seja tarde mais.

Estrategistas chineses alegam que a China aprendeu as lições com a Alemanha e a União Soviética. Não vai entrar em conflito com o Ocidente. Disseram isso numa Conferência do Forte de Copacabana.

Afinal, a China se tornou uma superpotência por força de seu poder econômico, enquanto os EUA e a URSS viraram superpotências com a vitória na Segunda Guerra Mundial.

ARMADILHA DE TUCÍDIDES

Acomodar a ascensão da China e o declínio relativo dos EUA é o grande desafio das relações internacionais nas próximas décadas. O professor Graham Allison desenvolve na Universidade de Harvard o Projeto Armadilha de Tucídides. Na História da Guerra do Peloponeso, o historiador grego Tucídides concluiu que Esparta foi à guerra que acabou com o período clássico da Grécia Antiga porque Atenas estava se tornando poderosa demais depois da vitória dos gregos contra o Império Persa.

A preocupação de Allison, autor de The Essence of Decision, um clássico de relações internacionais sobre a Crise dos Mísseis em Cuba, é com os riscos de transição hegemônica. Quando uma potência cresce e a outra declina, o risco de conflito é enorme. 

De 16 transições hegemônicas desde o século 15, só em quatro casos não houve guerra: quando a Espanha superou Portugal como maior potência naval, no fim do século 15; quando os EUA superaram o Reino Unido para se tornar a maior economia do mundo, no fim do século 19 e início do século 20; na Guerra Fria, quando houve conflitos em países periféricos com 100 milhões de mortes, mas não guerras diretas entre as superpotências; e na reunificação da Alemanha, em 1990.

O conflito não é inevitável. A interdependência econômica é enorme. A China depende de boas relações com o resto do mundo para manter a prosperidade. Mas o risco também é enorme e a guerra pode ser deflagrada por uma sério de equívocos trágicos, como na Primeira Guerra Mundial (1914-18), o conflito que forjou o século 20. A construção recente de 119 silos para mísseis nucleares estratégicos capazes de atingir o território americano inquieta os EUA. 

O desafio chinês é muito maior do que o da URSS, por causa do tamanho de sua população e do seu desenvolvimento econômico e tecnológico, que inevitavelmente vai se refletir em poderio militar. 

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