Um grande risco da inteligência artificial é que a guerra está cada vez mais mecanizada e automatizada. Outro dia um soldado russo se rendeu a um drone que o perseguia. Um ataque nuclear exige uma resposta rápida. Aí mora o perigo.
Depois do fim da Guerra Fria, houve em 1992 uma conferência sobre a Crise dos Mísseis Soviéticos em Cuba, de outubro de 1962, com a participação de russos, americanos e cubanos.
Ficamos sabendo que Vassili Alexandrovich Arkhipov, um subcomandante de submarino, impediu um ataque com míssil nuclear contra navios dos EUA que o cercavam.
Em 27 de outubro de 1962, o dia em que o ditador Nikita Kruschev concordou em retirar os mísseis e a crise acabou, um porta-aviões e 11 contratorpedeiros norte-americanos acossavam o submarino soviético B-59.
Com baterias fracas e problemas no ar-condicionado, o submarino tinha superaquecimento e elevados níveis de gás carbônico. Precisava ir à tona.
O ataque foi preparado.
O comandante Valentin Grigoryevich Savitsky acreditava que a guerra havia começado. Queria disparar um torpedo nuclear. O míssil estava pronto para ser disparado. Houve uma discussão entre o comandante e os dois subcomandantes. A doutrina nuclear da União Soviética exigia o consentimento dos três altos oficiais a bordo.
Vassili Arkhipov já era considerado um herói pela atuação num vazamento no sistema de resfriamento do reator do submarino K-19 em julho de 1961 na costa sudeste da Groenlândia, quando toda a tripulação foi contaminada pela radiação. Todos os engenheiros de bordo morreram dentro de um mês. Em dois anos, outros 15 marinheiros morreram.
O prestígio de Arkhipov foi decisivo. Ele convenceu o comandante Savitsky e o comissário político Ivan Semionovich Maslennikov a subir à superfície e aguardar as ordens de Moscou. Ao persuadir os outros a não atacar, Arkhipov livrou o mundo de uma guerra nuclear.
Quando o submarino emergiu, um avião de guerra dos EUA disparou tiros de advertência várias, mas a intenção não era atingir o submarino. O K-59 entrou em contato com um contratorpedeiro norte-americano e depois recebeu ordens da frota soviética de voltar para a URSS.
“Estivemos muito, muito mais perto [de uma guerra nuclear] do que soubemos na época”, reconheceu o Robert McNamara, secretário da Defesa na época da Crise dos Mísseis, ao saber da história. Para Arthur Schlesinger Jr., assessor do governo John Kennedy (1961-63) e historiador, “esse foi não apenas o momento mais perigoso da Guerra Fria. Foi o momento mais perigoso da história da humanidade.”
Comecei a trabalhar com noticiário internacional em 1º de setembro de 1983, meu primeiro dia na Rádio Globo. A notícia era que a URSS havia derrubado um Boeing 747 da companhia aérea sul-coreana Korean Air com um deputado dos EUA, Larry McDonald, vice-presidente da conservadora Sociedade John Birch, a bordo.
Os senadores Jesse Helms e Steve Symms e o deputado Carroll Hubbard tinham reserva no mesmo voo, mas mudaram na última hora para um voo que saiu 15 minutos depois. Todos iam a uma cerimônia para celebrar os 30 anos do Tratado de Defesa Mútua entre EUA e Coreia do Sul.
O Jumbo abatido ia de Nova York para Seul, na Coreia do Sul, via Anchorage, no Alasca. Suspeitava-se que a versão militar do Boeing, um avião-espião, às vezes ia no rastro de voos comerciais para enganar os radares inimigos.
Quando o avião sobrevoava a Ilha Sakhalina, a defesa antiaérea soviética o tomou por um avião-espião, fez contato com Moscou e não conseguiu resposta. O piloto perguntou o que fazer. A resposta foi: “Na dúvida, siga o manual.”
Um míssil ar-ar abateu o avião perto da Ilha Moneron. Todas as 269 pessoas a bordo morreram.
Na época, o Politburo do Comitê Central do Partido Comunista da URSS declarou que era uma provocação dos EUA para testar as defesas e a preparação soviética para a guerra. Os EUA acusaram a URSS de obstruir a operação de busca. A URSS não cooperou com a investigação da Organização da Aviação Civil Internacional. As gravações de bordo só foram liberadas 10 anos mais tarde, depois da dissolução da URSS.
Foi outro momento de grande tensão na chamada Segunda Guerra Fria, iniciada com a invasão do Afeganistão pela União Soviética, em 24 de dezembro de 1979, após a détente, um degelo parcial na confrontação estratégica e capitalismo e comunismo com as visitas do presidente Richard Nixon à China e à URSS, em 1972.
O presidente linha-dura Ronald Reagan tomara posse em janeiro de 1981 e anunciara, em 23 de março de 1983, a Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecida como projeto Guerra nas Estrelas. A ideia era instalar no espaço um sistema de defesa antimísseis, que era proibido pelo Tratado de Mísseis Antibalísticos (ABM), de 1972, também conhecido pela sigla MAD (mutually assured destruction, destruição mutuamente assegurada), palavra que também significa louco em inglês. Era a garantia do equilíbrio do terror nuclear.
Em 1º de novembro de 1983, os EUA começariam a instalar mísseis nucleares de curto e médio alcances na Europa Ocidental.
O manual mandava o piloto do avião de caça soviético Sukhoi Su-15 abater o avião inimigo. A diferença nos dois casos foi a intervenção humana de Arkhipov. Hoje, com a crescente automatização da guerra e o tempo escasso para tomar uma decisão, o risco é que fique a cargo da inteligência artificial, que provavelmente vai seguir o manual. O controle humano é fundamental.
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