Depois de rejeitar um acordo de associação proposto pela União Europeia, o presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovitch, se encontrou ontem com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para fechar um acordo em que Moscou deu um desconto de 33% no preço do gás natural e prometeu comprar US$ 15 bilhões da dívida pública ucraniana.
Yanukovitch é o mesmo homem de Moscou que seria beneficiário de uma fraude eleitoral impedida pela Revolução Laranja em 2004. Os desentendimentos dentro da coligação laranja o levaram ao poder. Ele tratou de encarcerar a ex-primeira-ministra Yulia Timochenko e a fazer o jogo do Kremlin.
O acordo com a UE não restringiria as relações econômicas entre Rússia e Ucrânia, mas os russos não têm como concorrer com o Ocidente. Por isso, Putin tenta impor um acordo para criar seu próprio bloco comercial, enquanto as multidões nas ruas de Kiev querem fazer parte da Europa e não de um arremedo da extinta União Soviética.
Putin segue em frente com seu projeto de restaurar pelo menos parte do poder imperial da URSS. O sonho deste ex-diretor do serviço secreto pós-KGB que se tornou homem-forte da Rússia é submeter o que os russos chamam de "exterior próximo", as antigas repúblicas que formavam a URSS, o império interior soviético. A Ucrânia era a mais importante, depois da Rússia.
O marco do início da história russa é a adoção do cristianismo como religião oficial pelo príncipe Vladimir, de Kiev, em 988. A Rússia Kievana foi o primeiro estado russo e Kiev hoje é a capital da Ucrânia. Assim, para o nacionalismo russo, a Ucrânia é parte da Rússia.
A união foi formalizada em 1654. Quando a URSS se formou, em 1922, foram criadas repúblicas que em tese teriam o direito de se separar, mas sob o império comunista isso nunca saiu do papel.
Em 1954, para festejar os 300 anos de união, o ucraniano Nikita Kruschev, secretário-geral do Partido Comunista da URSS, entregou a região da Crimeia, onde os russos são maioria de 70%, de presente à Ucrânia, mais uma vez com a certeza de que as repúblicas soviéticas eslavas jamais se separariam.
Quando Rússia, Ucrânia e Bielorrússia decidiram criar a Comunidade de Estados Independentes, no Tratado de Minsk, de 1991, acabaram com a URSS. Putin lamenta o que considera a "maior catástrofe geopolítica do século 20". Gostaria de ser um ditador soviético.
Na separação amigável, o grande problema era a Frota do Mar Negro, uma das principais da URSS, baseada em Sebastopol, na Crimeia, desde o século 18. Depois de prometer não prorrogar o arrendamento da base além de 2017, Yanikovitch aceitou estendê-lo até 2042, com a opção ir até 2047.
Putin vive seu momento de glória. Foi considerado o homem mais poderoso do mundo pela revista Forbes, mas nada pode estar mais distante da realidade. Ele ganhou pontos quando a Rússia se propôs a mediar um acordo para eliminar as armas químicas da Síria, evitando um bombardeio punitivo dos Estados Unidos. Mas também pode, sem querer, ter jogado uma corda de salvação para Obama, que corria o risco de não receber autorização do Congresso para usar a força.
A maioria dos comentaristas internacionais repudia as intervenções militares dos EUA, mas considera fraqueza ameaçar e não atacar. No clássico da estratégia A Arte da Guerra, Sun Tzu afirma que a maior vitória é ganhar a guerra sem disparar um tiro.
Se o objetivo de Obama era eliminar o arsenal químico sírio, mesmo que seja incompleto, se Assad não usar mais armas químicas, foi parcialmente atingido. Ao não bombardear a Síria, os EUA evitaram se envolver diretamente num conflito em que confiam cada vez menos nos rebeldes armados, onde jihadistas ligados à rede terrorista Al Caeda têm um papel cada vez mais preponderante no campo de batalha.
Há pouco mais de um ano, a queda de Assad parecia certa. O aliado de Putin foi salvo. A Rússia voltou a ter alguma influência no Oriente Médio, o que não acontecia desde que Anuar Sadat abancou a URSS e aliou o Egito aos EUA, em 1977, para fazer a paz com Israel e recuperar a Península do Sinai, ocupada na Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Mas talvez interesse aos EUA e especialmente a seu aliado Israel a continuação da guerra civil na Síria. Enquanto Assad e extremistas muçulmanos estiverem se matando, a exemplo do que aconteceu na Guerra Irã-Iraque (1980-88), Israel estará mais tranquilo do que com jihadistas ou um Assad vitorioso do outro lado do Mar da Galileia.
O bombardeio a Assad também atrapalharia um objetivo estratégico dos EUA, impedir que o Irã faça a bomba atômica. A Síria é a maior aliada do Irã no mundo árabe. Uma reaproximação EUA-Irã alivia a pressão sobre Assad, para revolta da Arábia Saudita, que pela primeira vez discorda abertamente da política americana para o Oriente Médio por causa da Síria e do Irã.
Enquanto prende ativistas do Greenpeace contrários à exploração de petróleo no Oceano Ártico, persegue gays, ativistas dos direitos humanos, quaisquer oposicionistas e jornalistas, promove a olimpíada mais corrupta da história e fecha a mais antiga agência de notícias do país, substituindo-a por uma agência de propaganda, que influência tem Putin sobre o resto do mundo? Escassa. Pode ameaçar a Ucrânia, que depende do gás russo. Todo inverno ele arruma uma desculpa para fechar o gasoduto.
De resto, o poder da Rússia pode se expandir exponencialmente se o país modernizar sua economia e explorar os recursos naturais sem paralelo de seu vasto território. Mas disso Putin não entende. Prefere sonhar com o renascimento de um stalinismo puro, sem ideologia.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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