quinta-feira, 4 de julho de 2024

Partido mais bem-sucedido do Ocidente sofre maior derrota

Depois de 14 anos na oposição, o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, vai voltar a governar o Reino Unido com seu líder Keir Starmer como primeiro-ministro. 

Com o resultado das eleições desta quinta-feira, os trabalhistas elegeram 412 dos 650 deputados da Câmara dos Comuns do Parlamento Britânico. Ganharam 211 cadeiras.

O Partido Conservador, o partido que ficou mais tempo no poder no Ocidente nos últimos 190 anos, sofre sua maior derrota. Perdeu 251 cadeiras, elegendo 121     deputados.

Em terceiro lugar, ficou o Partido Liberal-Democrata, que se recuperou do desgaste de formar coalizão com os conservadores no primeiro governo Cameron (2010-15) e terá sua maior bancada, passando de 8 para 72 deputados, superando o Partido Nacional Escocês (SNP), que caiu de 48 para 10 cadeiras. 

O Partido Nacional Escocês, que defende a independência da Escócia, teve menos votos do que o partido Reforma Reino Unido (RUK), o antigo Partido da Independência do Reino Unido e Partido da Brexit, conservador e eurocético, liderado por Nigel Farage, que tirou votos dos conservadores e chegou a 15%, mas só elegeu 5 deputados. 

O Sinn Féin (SF), o partido católico, republicano e nacionalista irlandês que luta pela reunificação da Irlanda, ganhou 7 cadeiras na Irlanda do Norte. Ficou na frente do Partido Unionista Democrático, o maior da comunidade protestante, que elegeu 5 deputados e perdeu 3. Os deputados do SF nunca assumem seus mandatos no Parlamento Britânico porque se negam a jurar lealdade à coroa britânica. 

O Plaid Cymru, partido nacionalista do País de Gales, elegeu 4 deputados e o Partido Verde 4.

Esta maioria formidável conquistada pelos trabalhistas se deve ao sistema eleitoral britânico, que adota o voto distrital num turno único. Como vários partidos disputam cada distrito, o vencedor às vezes tem em torno de 30%.

Na contagem nacional de votos, os trabalhistas tiveram apenas 2% votos a mais do que na eleição anterior e chegaram a 35% contra 24% para os conservadores, 15% para Reform UK, que mesmo assim só terá 5 deputados, e 13% para os liberais-democratas, que elegeram 71 deputados. 

Em 1983, depois da Guerra das Malvinas, o Partido Conservador teve 46% dos votos com Margaret Thatcher. O neotrabalhismo de Tony Blair foi eleito com 43% do voto popular em 1997. Com o sistema eleitoral britânico, ambos tiveram maiorias de mais de 100 deputados.

A vitória esmagadora, a avalanche trabalhista, é resultado em parte da volta do domínio do Partido Trabalhista na Escócia às custas do SNP, que perdeu 38 cadeiras, e da votação do partido Reform UK, responsável por um terço das 122 derrotas conservadoras. Somando a votação dos conservadores com o partido Reforma, dá 39%, mais do que os 35% dos trabalhistas.

Os conservadores deixam como herança maldita a saída do Reino Unido da União Europeia, uma crise econômica com queda de produtividade e alta do custo de vida, e uma queda na qualidade dos serviços públicos que vem desde que o primeiro-ministro David Cameron (2010-16) adotou uma política de austeridade fiscal, uma das razões de sua derrota no plebiscito sobre a UE. 

Desde 2010, o Reino Unido teve cinco primeiros-ministros conservadores, só dois eleitos, pelo voto popular, Cameron e Boris Johnson. Enfrentou duas crises financeiras, austeridade fiscal, Brexit e a pandemia.

O último primeiro-ministro foi Rishi Sunak, um multimilionário de origem indiana com patrimônio de 730 milhões de libras (R$ 5,111 bilhões). Foi o primeiro primeiro-ministro não cristão. Fez seu primeiro juramento como deputado sobre o Bhagavad Gita, um livro sagrado do hinduísmo. Não adiantou..

Diante da queda da inflação e de outros indicadores econômicos positivos, Sunak decidiu antecipar as eleições, que precisavam ser realizadas até janeiro de 2025. Foi um erro comparável aos de Cameron com a Brexit e do presidente da França, Emmanuel Macron. Mas alguns meses a mais não melhorariam a sorte dos conservadores.

Pelo ritual da monarquia constitucional britânica, Sunak vai ao Palácio de Buckingham nesta sexta-feira pedir demissão. Em seguida, o líder trabalhista vai pedir a autorização do rei Carlos III para formar o novo governo, que será aprovado pela nova maioria parlamentar.

Keir Starmer, de 61 anos, foi advogado defensor dos direitos humanos. Em 2002, foi nomeado conselheiro da rainha. De 2008 a 2013, foi procurador-geral do Reino Unido. Entrou na Câmara dos Comuns em 2015, na segunda eleição de Cameron, como representante de um distrito do Centro de Londres. Foi porta-voz para imigração do governo paralelo da oposição, uma tradição britânica para fazer sombra ao governo e preparar um possível futuro ministério.

Ele saiu do governo paralelo em 2016 por discordar da liderança de Corbyn. Depois da derrota trabalhistas nas eleições de 2019, Starmer foi eleito líder do partido em abril de 2020.

Suas principais promessas de campanha são aumentar os investimentos no setor público, especialmente no Serviço Nacional de Saúde (NHS), acabando com a austeridade fiscal dos conservadores, o fim do pagamento de anuidade nas universidades, aumento de impostos para os ricos, combate à evasão fiscal das empresas, à desigualdade social, à falta de moradia e ao aquecimento global.

Nenhum comentário: