Num momento crítico por causa do impeachment do agora ex-presidente Yoon Suk Yeol, da guerra comercial do presidente Donald Trump e do realinhamento da Coreia do Norte com a Rússia, o líder da oposição liberal, deputado Lee Jae Myung, de 61 anos, foi eleito hoje presidente da Coreia do Sul.
Os liberais defendem um relacionamento sem confrontação com a China e a Coreia do Norte. Querem manter o alinhamento automático com os Estados Unidos, mas não um conflito numa nova guerra fria, o que pode dificultar as negociações com Trump.
Lee, do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, conquistou 49,4% dos votos contra 41,2% do conservador Kim Moon Soo, do Partido do Poder Popular (PPP), que admitiu a derrota na manhã desta quarta-feira pela hora local.
Como Yoon foi afastado com menos de três anos de um mandato de cinco anos, Lee tomou posse nesta quarta-feira e não em dois meses, que seria o prazo normal. Seu partido controla a Assembleia Nacional. Assim, a expectativa é de estabilidade política interna.
Yoon afundou o país no caos ao apelar à lei marcial em 3 de dezembro do ano passado pela primeira vez desde a democratização do país, em 1987, e mandar o Exército cercar o parlamento. Dez dias depois, foi destituído num processo de impeachment confirmado em 4 de abril deste ano por unanimidade dos oito juízes do Supremo Tribunal de Justiça participantes do julgamento, como prevê a Constituição, que para isso exige maioria de dois terços.
No discurso da vitória, Lee prometeu restaurar a democracia depois da tentativa de golpe de seis meses atrás e do impeachment de Yoon, para quem perdeu a eleição anterior por menos de 1% em 2022, quando defendeu ideias consideradas radicais como uma renda mínima universal. Desta vez, marchou para o centro.
O novo presidente prometeu garantir que "os militares nunca mais vão usar as armas que lhes foram confiadas pelo povo para dar um golpe" e manter a aliança com os EUA, que vem desde a Guerra da Coreia (1950-53), como a base da política do país. Mas já se apresentou como o Bernie Sanders sul-coreano. A inspiração no senador socialista norte-americano pode atrapalhar a relação com Trump.
O primeiro grande desafio será negociar com Trump, que ameaçou em 2 de abril impor tarifas de 25% sobre as importações de produtos sul-coreanos e também quer que o país aumente os gastos militares para ajudar a contrabalançar o crescente poderio militar da China.
Os EUA mantêm forças militares no país desde a Guerra da Coreia. Hoje, têm em torno de 28,5 mil soldados, o que se tornou importante para Washington diante da nova guerra fria com a China.
Ao mesmo tempo e apesar de Trump, o novo governo vai tentar melhorar as relações com a China, a Rússia e especialmente a Coreia do Norte, sem esquecer do Japão, um inimigo histórico que virou aliado na Guerra Fria, embora ainda haja um grande ressentimento pela brutal ocupação japonesa (1910-45).
"Lee Jae Myung é mais simpático à China, mais pragmático, menos ideológico, portanto as relações com Beijim devem melhorar", comentou David Tizzard, professor da Universidade Feminina de Seul e colunista do jornal Korean Times. É um contraste com o discurso antichinês e anticomunista do PPP, mais focado na relação trilateral com os EUA e o Japão.
Seu partido estava no poder quando mediou três encontros de Trump com o ditador norte-coreano, Kim Jong Un, em 2018 e 2019, para tentar negociar a paz definitiva na Península Coreana, a última fronteira da Guerra Fria, até hoje em estado de guerra.
Outro desafio será combater a desaceleração da economia sul-coreana, hoje a 13ª maior do mundo, com produto interno bruto de 2025 previsto em US$ 1,79 trilhão pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na semana passada, o Banco da Coreia reduziu a expectativa de crescimento para este ano de 1,5% para 0,8%. A Bolsa de Valores de Seul atingiu na quarta-feira o maior índice em 10 meses.
Ex-operário, de família pobre, com uma lesão no braço em consequência de um acidente industrial, Lee conseguiu uma bolsa de estudos e se formou em direito. Depois de duas décadas como ativista social, ele entra no PD. Foi prefeito, governador da maior província sul-coreana e cumpria o segundo mandato como deputado. Em janeiro, foi alvo de uma tentativa de assassinato. A facada atingiu o pescoço e exigiu uma longa cirurgia. Passou a andar com colete a prova de bala sob a proteção de segurança.
A Coreia do Sul, hoje com 51,7 milhões de habitantes, foi o único país em desenvolvimento além de Cingapura, uma cidade-estado, a se tornar rico no século passado.
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