A lua de mel entre o presidente dos Estados Unidos e o homem mais rico do mundo acabou há algum tempo, mas hoje o divórcio litigioso virou guerra aberta. O bilionário Elon Musk acusou Donald Trump de ser citado no dossiê secreto sobre Jeffrey Epstein, um financista morto condenado por exploração sexual e tráfico de mulheres, inclusive menores de idade. Pediu o impeachment do presidente. Trump ameaça romper todos os contratos das empresas de Musk que fazem negócios com o governo dos EUA.
É a crônica de uma briga anunciada. Dois ególatras infantis emocionalmente mais cedo ou mais tarde iriam se bicar. A surpresa é quão rápido e violento é o choque.
Musk foi o maior financiador da campanha de Trump, com cerca de US$ 275 milhões. Usou sua rede social, o X, antigo Twitter, para apoiar candidatos do Partido Republicano, e agora afirma que sem sua participação na campanha o atual presidente não seria reeleito. Num evidente abuso de poder econômico, chegou a sortear cheques de US$ 1 milhão para incentivar o voto antecipado de eleitores em estados-chaves para a vitória de Trump.
Na festa da vitória, Musk fez a saudação nazista, o que levou a boicote de suas empresas, especialmente dos carros elétricos Tesla. Ele foi apontado por Trump como diretor de um novo ministério, o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), encarregado de combater fraudes e desperdício na máquina pública para cortar US$ 2 trilhões do orçamento federal.
Pela Constituição dos EUA, o presidente não tem poder para criar ministérios. É competência do Congresso. Apesar de ter maioria na Câmara e no Senado, Trump não pediu a criação do novo departamento nem nomeou Musk para nenhum cargo normal. Isto poria em foco os conflitos de interesses dos negócios de suas empresas com o governo. Na prática, ele era um assessor especial da Casa Branca. Parecia mandar mais do que o próprio presidente.
Com amplos poderes, Musk e sua equipe de engenheiros e hackers de suas empresas passaram a invadir os sistemas de computação do governo federal, onde obtiveram informações confidenciais, inclusive todos os pagamentos do Departamento do Tesouro.
Eles implantaram um clima de terror na burocracia federal. Enviaram questionários aos funcionários públicos pedindo um relatório das atividades na semana anterior para avaliar se eram realmente produtivos. Demitiram funcionários e tentaram extinguiram órgãos como a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), responsável por 40% da ajuda humanitária no mundo, importante no combate a fomes e a doenças como malária, aids e covid.
"O homem mais rico do mundo está tirando a comida das crianças mais pobres no mundo", foi a acusação na época, endossada pelo bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft, que hoje se dedica a ajuda humanitária. Inúmeros programas foram cortados O que restou da USAID foi absorvido pelo Departamento de Estado.
As ações de Musk causaram revolta dentro do governo e do Partido Republicano. Ele chegou a brigar e trocar empurrões com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, dentro da Casa Branca.
O atrito entre os egos mais inflados do mundo vem à tona depois que Trump declara sua guerra comercial ao resto do mundo, em 2 de abril, impondo tarifaços a quase todos os países do mundo, inclusive a ilhas habitadas apenas por pinguins, num sinal de improvisação, amadorismo e incompetência.
A guerra comercial atingiu as empresas de Musk. Além do X e da fábrica de carros elétricos Tesla, ele é dono da empresa de satélites de comunicação Space Link e da empresa de foguetes espaciais SpaceX, contratada pela NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço) para levar equipamentos e tripulações para a Estação Espacial Internacional. Em 16 missões tripuladas, levou ou trouxe 60 astronautas. Agora, os dois lados ameaçou suspender esse contrato.
Por causa do terror contra funcionários públicos e do apoio a partidos de extrema direita na Europa, as empresas de Musk começaram a ser boicotadas, principalmente os carros da Tesla. Num gesto sem precedentes, Trump fez propaganda dos carros de Musk na Casa Branca, numa promiscuidade inaceitável entre público e privado na sede do governo dos EUA.
A situação se deteriorou definitivamente quando Musk começou a criticar a Grande e Linda Lei, o projeto em discussão no Congresso que embute as grandes propostas do governo Trump, inclusive cortes de impostos para ricos e grandes empresas, e cortes de programas sociais como Medicaid, que dá assistência de saúde aos pobres, e de medidas para combater o aquecimento global como subsídios a carros elétricos.
A lei deve aumentar a dívida pública, já acima de 120% do produto interno bruto, em mais US$ 3,8 trilhões em uma década pelos cálculos do Escritório da Orçamento do Congresso, um órgão técnico bipartidário.
Há oito dias, Musk anunciou sua saída do governo. Em entrevista na Casa Branca ao lado dele, Trump declarou que Musk não saíra completamente. Ficaria indo e vindo. Em vez dos US$ 2 trilhões de cortes de gastos, o número oficial fala em US$ 150 bilhões. Na realidade, de acordo com a agência de notícias Reuters, seriam apenas US$ 19 bilhões, irrisórios ante o déficit público de US$ 1,8 trilhão (6,4% do PIB) no ano fiscal encerrado em setembro de 2024.
Em meio à derrocada de Musk, o jornal The New York Times revelou que durante a campanha o bilionário usou drogas como ketamina, êxtase e cogumelos psicodélicos. Anos atrás, fumou maconha numa entrevista de rádio transmitida ao vivo com imagens via Internet.
Nos últimos dias, Musk descreveu a lei como uma "abominação repugnante" que destrói seu trabalho de cortar gastos para equilibrar o orçamento e acusou os deputados e senadores que votarem a favor de traidores da pátria que não serão reeleitos.
O projeto foi aprovado por um voto na Câmara. Agora, está no Senado, onde o governo não pode perder três votos e pelo menos dois senadores republicanos fiscalmente conservadores mostram-se irredutíveis. Como o projeto deve ser alterado, deve voltar à Câmara sob pressão de Musk.
Trump respondeu que a melhor maneira de cortar gastos é cancelar os "gordos subsídios" e contratos das empresas do bilionário, que já receberam US$ 40 bilhões do governo dos EUA.
Hoje, Musk declarou guerra total. Acusou Trump de ligação com o pedófilo Epstein: "Sabem por que o dossiê sobre Epstein não foi divulgado? Porque Trump está nele", disparou, sem apresentar provas. O bilionário pediu o impeachment de Trump e sua substituição pelo vice-presidente James David Vance.
O antigo guru de Trump, articulador de uma internacional de extrema direita, que se apresenta como um "leninista de direita", Steve Bannon, antigo desafeto de Musk que hoje não tem cargos no governo, pediu a cassação da cidadania de Musk, que nasceu na África do Sul, sua expulsão do país e a estatização da SpaceX.
Quem tem amigos como Musk e Trump não precisa de inimigos. Será uma guerra longa e cruel. É o início da implosão do governo Trump.
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