quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

O risco do neopopulismo latino-americano

Com a consolidação do poder de Hugo Chávez na Venezuela, a eleição do líder dos produtores de coca, Evo Morales, para a presidência da Bolívia, e a possibilidade de vitória do militar golpista Ollanta Humala no Peru em maio, um alerta vermelho ecoou no resto do mundo: o populismo está de volta na América Latina.

Em excelente artigo publicado na Folha de S. Paulo de 17 de fevereiro, o historiador Boris Fausto, professor da Universidade de São Paulo, analisa as diferenças entre o populismo clássico, que permitiu um desenvolvimento econômico voltado para dentro anos 40 a 60, e o neopopulismo.

O velho populismo buscava o desenvolvimento com base num tripé: o Estado nacional-desenvolvimentista, a classe trabalhadora organizada em sindicatos e a burguesia industrial que exigia proteção contra a concorrência dos paises ricos.

Já o neopopulismo surge como uma reação antiglobalização, apoiando-se fundamentalmente nas massas marginalizadas, sobretudo urbanas ou indígenas no caso dos paises andinos. Tem sua base nos excluídos, nos trabalhadores desorganizados, subempregados e desempregados, enquanto a burguesia luta para aproveitar as oportunidades oferecidas pelo mercado internacional.

A realidade é que a globalização exigiu a modernização dos sistemas produtivos, com enormes ganhos de produtividade trazidos pela informatização mas, ao mesmo tempo, um enorme aumento do desemprego e da informalidade. Isto coincidiu com a redemocratização, provocando uma descrença na capacidade do regime democrático de resolver os problemas sociais latino-americanos.

Com o desprestígio dos partidos tradicionais das oligarquias e das instituições políticas, abriu-se espaço para o neopopulismo. Sua mais perfeita tradução é o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Depois de tentar um golpe em 1992, Chávez chegou ao poder em 1998 e desde então ganhou nove eleições, assumindo um controle absoluto, quase ditatorial, sobre a máquina do Estado venezuelano.

Nadando em dinheiro com a alta dos preços do petróleo de US$ 10 o barril em 1998 para mais de US$ 60 hoje, Chávez diz estar criando “o socialismo do século 21”. Mas a fórmula dificilmente será aplicável a países sem uma riqueza natural como o petróleo.

A onda neopopulista se propaga sobretudo na região andina. Na Argentina, o presidente Nestor Kirchner, com suas atitudes autoritárias na pior tradição peronista, é um populista mas cuida de manter as contas públicas em ordem e de gerar um superávit primário para saldar suas dívidas. Mas há claramente uma consolidação das instituições democráticas no Cone Sul da América Latina (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile).

Este compromisso com a democracia é a melhor vacina contra tentações populistas. As mudanças sob a democracia podem ser mais lentas mas também são mais estáveis. No Brasil, onde pode-se dizer que a democracia plena começa com a extensão do direito de voto aos analfabetos na Constituição de 1986, já vemos programas de distribuição de renda como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família. Ainda é pouco mas é um sinal de que o peso político dos excluídos começa a ser importante. Pode até ser decisivo nas eleições presidências de outubro próximo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Acho que falta apontar um outro componente fundamental do neopopulismo: o "anti-americanismo" feroz. Santiago

Thiago disse...

Acho que não faz mais sentido falar em populismo hoje em dia. Qualquer orientação popular de um governante é logo tachada de populista, ou vc não acha Evo Morales, Nestor e Chavez "populistas"? Não é à toa que os mesmos governantes latino americanos que vc não acha "populistas" sejam UY, que tenta um acordo bilateral com os EUA, e o Brasil, que os EUA manifestaram sua intenção para guiar a américa latina. Ruim.

Silas disse...

Essa é a primeira matéria que li no seu blog. Achei bem interessante, lerei outras claro, pois prestarei vestibular, e gostaria de uma matéria sobre as constituições do Brasil,obrigado.