Eram 7h, hora local, quando rebeldes vestidos como policiais iraquianos, bombardearam a mesquita. A cúpula dourada desabou.
Em retaliação, xiitas atacaram 90 mesquitas, incendiaram três, mataram três imãs sunitas e seqüestraram outro, deflagrando o que o jornal francês Le Monde
Partidários do jovem aiatolá radical Muktada al-Sader prometeram vingança contra aqueles que “seguiram o caminho errado da religião”, referência aos sunitas.
Depois da morte do profeta Maomé em 8 de junho de 632 em Medina, hoje parte da Arábia Saudita, houve um conflito entre seus seguidores sobre quem seria seu sucessor, o califa, como líder do islamismo. Um dos candidatos era Ali, primo e genro de Maomé. Mas a maioria apoiou um velho companheiro e sogro do profeta, Abu Bakr. Ali foi o quarto sucessor de Maomé. Seu assassinato em Kufa, no Sul do Iraque em 661 reabriu o debate sobre a sucessão.
ORIGEM DO XIISMO
Os partidários de Ali insistiram em que o sucessor deveria sair da família do profeta e seus dois únicos sobreviventes, Hassan e Hussein. Mas os mercadores de Meca e de Medina preferiram o governador rebelde de Damasco, Mu’awyia. Hassan abandonou sua pretensão mas os seguidores de Ali não aceitaram sua decisão. Fundaram o Partido de Ali (Chi’at Ali, em árabe, depois abreviado para Chi’a).
Com a morte do califa em 680, Hussein reivindicou para si mais uma vez o trono de Maomé. Mas ele e 71 seguidores foram massacrados perto de Carbalá, no Iraque, por uma força superior comandada por Yazid, filho de Mu’awyia, que também reinvindicado o califado. Os xiitas relembram este massacre, ocorrido no décimo dia do mês de Moharram no calendário muçulmano, na sua festa religiosa mais importante, a Achura. Eles gritam e se autoflagelam, punindo-se por não terem sido capazes de defender Hussein em Carbalá.
Hussein e seu irmão Abbas estão enterrados em Carbalá, o lugar sagrado mais importante para os xiitas, ao lado do tumulo de seu pai Ali em Najaf, também no Iraque.
O martírio de Hussein e o fatalismo que o cerca são pedras fundamentais do xiismo. Levam a uma certa autovitimização reforçada pelo fato de que os xiitas são minoria (23%) diante dos sunitas (77%) entre o 1,3 bilhão de muçulmanos. São maioria no Irã, no Iraque, no Iêmen, no Azerbaijão, no Líbano e no Bahrein.
As duas principais seitas do islamismo têm mais em comum do que o catolicismo e o protestantismo, afirma Kenneth Pollack em O Quebra-CabeçasPersa:o conflito entre o Irã e os EUA. No islamismo, nunca houve nada equivalente à Reforma e às guerras religiosas que devastaram a Europa nos séculos 16 e 17, provocando a migração dos peregrinos do Mayflower, que fundaram os EUA em 1620.
Uma diferença importante é o conceito do imãnato. Os xiitas acham que a linha de sucessão do profeta passou para Ali e seus descendentes. Pela tradição xiita, houve 12 imãs: Ali, Hassan, Hussein e mais nove. Na mitologia xiita, o décimo-segundo imã foi escondido quando bebê para ser protegido dos inimigos do xiismo. Ele voltará mais tarde como um messias, o Mahdi (a milícia de Al Sader se autodenomina Exército do Mahdi), trazendo uma era de justiça seguida pelo juízo final.
Enquanto os sunitas entendem que Alá (Deus) já deu aos homens todos os ensinamentos necessários através do Corão e das histórias do profeta Maomé, para os xiitas os imãs recebem orientação divina, assim como os papas na Igreja Católica. Como o décimo-segundo imã não voltou, a interpretação dos textos sagrados (o islamismo é uma religião da palavra, não da imagem, como atesta o choque cultural provocado pela publicação de caricatura de Maomé na Europa) passou para lideres religiosos e estudiosos do direito islâmico chamados de mujtahids.
No alto da hierarquia xiita, os grandes mestres eram uma fonte de inspiração (marja-e taqlid), o exemplo máximo da correção religiosa. Desta idéia, o aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica no Irã, em 1979, tirou o conceito de “governo dos jurisconsultos”.
Os candidatos a mulás começam estudando em seminários, as madrassás, de preferência nos grandes centros xiitas nas cidades sagradas de Com, no Irã, e Najaf, no Iraque. Caso se destaquem, podem ser promovidos a hodjatol islam (prova do islã). Se subirem ainda mais na hierarquia, passam a ser aiatolás (sinal de Deus). No topo, vem o grão-aiatolá (grande sinal de Deus), como o iraquiano Ali al-Sistani, líder da Aliança Iraque Unido, a coligação xiita vencedora sem maioria absoluta das eleições parlamentares iraquianas de 15 de dezembro de 2005.
No Irã, o xiismo é dominante desde a conquista de cidade de Tabriz, no Noroeste do Irã, em 1501, pelos safávidas, uma seita xiita militante, mística e sufista. Depois tomaram toda a Pérsia, governando-a até 1736.
No Iraque, os sunitas detinham o poder político e econômico desde que o pais passou do domínio persa para o Império Otomano, em 1638. Saddam Hussein é sunita e sua ditadura, de inspiração secularista, sempre privilegiou este grupo, que hoje está no centro da insurgência contra a nova ordem imposta pela invasão americana em 2003.
Os EUA pediram a formação de um governo de união nacional. Mas o primeiro-ministro Ibrahim al-Jaafari, indicado pela Aliança Iraque Unido, disse que os iraquianos vão cuidar de seus próprios negócios de Estado. Os atentados contra as mesquitam mostram a urgência de criar um processo político que seja capaz de resolver pacificamente os conflitos antes que o país, hoje o grande alvo do terrorismo suicida, exploda numa guerra civil e caia em total anarquia.
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