Os preços internacionais do petróleo subiram dois dólares por barril por causa de uma tentativa de atentado terrorista contra uma das maiores refinarias do mundo, Abcaique, responsável por dois terços do petróleo processado na Arábia Saudita, maior produtor mundial, que detém as maiores reservas comprovadas (260 bilhões de barris). Dois veículos carregados com explosivos foram impedidos de entrar na refinaria da empresa Saudi Aramco. Eles tinham passado o primeiro dos três portões quando os guardas de segurança atiraram nos carros, que explodiram. Os dois motoristas e dois guardas morreram. Foi o primeiro grande ataque no país em mais de um ano e o primeiro contra uma instalação petrolífera. Antes, houve ações contra estrangeiros que trabalham no setor petrolífera saudita.
As cotações do petróleo estavam sendo pressionadas em sentidos contrários. Por um lado, aumentaram as reservas dos Estados Unidos, maior consumidor mundial (11 milhões de barris diários), o que tenderia a provocar queda de preços. Por outro, a Nigéria, oitavo exportador mundial, está produzindo 25% a menos desde que rebeldes atacaram instalações e oleodutos, num conflito que causou dezenas de mortes e que ainda não foi controlado. A crise permanente no Iraque contribuiu para que o preço se estabilizasse em torno de 60 dólares.
Nos próximos meses, há uma tendência de queda nos preços pela redução do consumo com o fim do inverno rigoroso no Hemisfério Norte. Mas podem subir a níveis recordes se houver mais problemas políticos nos grandes países exportadores. Como a demanda aumenta muito com o extraordinário crescimento da Ásia, sobretudo da China e agora também da Índia, a procura está muito próxima da oferta, o que torna o mercado muito nervoso. Qualquer ameaça de redução na oferta provoca altas.
Uma rebelião fundamentalista na Arábia Saudita, pátria de Ossama ben Laden e de 15 dos 19 terroristas que atacaram os EUA em 11 de setembro, é o maior pesadelo dos analistas internacionais do mercado de petróleo. Pela estimativa do ex-todo-poderoso ministro do petróleo saudita Ahmed Zaki Yamani, hoje dono de uma empresa de consultoria em Londres, um ataque importante contra o setor petrolífero saudita poderia provocar uma alta nos preços do petróleo para algo entre US$ 75 e US$ 150. As conseqüências para a economia internacional seriam devastadoras.
A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista. Não tem nem Constituição. Todo o poder está concentrado na família real, que tem 22 mil príncipes, todos riquíssimos e muitos simpáticos à mensagem dos fundamentalistas.
Líder do boicote árabe ao Ocidente depois da guerra árabe-israelense de 1973, a Arábia Saudita não usou o dinheiro do petróleo para promover o desenvolvimento industrial. Boa parte da renda do petróleo foi aplicada no mercado internacional, especialmente em Londres e Nova Iorque. Com a posterior queda dos preços do petróleo, a situação econômica do país se agravou. A renda per capita caiu de US$ 22 mil para US$ 8 mil por ano. Acabaram em parte os benefícios de um sistema que garantia uma vida confortável. Enquanto no Irã, a juventude de classe média urbana se volta para o Ocidente na busca soluções para os desafios do mundo moderno, na Arábia Saudita, pelo menos um terço da população jovem procura respostas na região.
Para conter a dissidência interna de um regime fechado onde não há espaço para o debate político e os costumes são controlados por uma polícia religiosa, a família real faz uma campanha internacional para defender sua versão do islamismo, o wahabismo ou salafismo. É uma seita fundamentalista e extremamente puritana com origem no século 18 que proíbe a música e a dança, entre outras coisas.
Como o Corão proíbe a representação da figura humana, quando a televisão foi implantada na Arábia Saudita, em 1965, Khaled, um príncipe rebelde, ocupou a torre de transmissão. Acabou sendo morto. Em vingança, seu filho Faiçal ben Mussad matou em 1975 o rei Faiçal, que liderara o boicote árabe ao Ocidente em 1973.
O país tem as duas cidades mais sagradas do Islã, Meca, de onde o profeta Maomé teria fugido para Medina, em 622, no episódio conhecido como Hégira, marco do início do islamismo. A família real al-Saud fez desde a fundação do pais, em 1932, um acordo com os clérigos muçulmanos para garantir sua legitimidade como guardiã dos lugares sagrados.
Quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait em agosto de 1990, ameaçando a Arábia Saudita, Ben Laden, que fora enviado saudita para organizar a resistência muçulmana contra a invasão soviética ao Afeganistão, ofereceu ao sultão seus guerrilheiros, os chamados árabes afegãos, para defender o reino. Mas o rei Fahd preferiu convocar seus aliados americanos, o que levou Ben Laden a romper com a família real e a descrevê-la como um fantoche dos interesses ocidentais.
Desde então, Ben Laden e sua rede terrorista al Caeda pregam a derrubada do regime saudita e de todos os outros líderes árabes aliados dos EUA. A possibilidade de uma revolução islâmica na Arábia Saudita é um dos maiores pesadelos dos estrategistas ocidentais.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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