O Partido Republicano, de extrema direita, venceu as eleições para uma assembleia constituinte no Chile e se consolidou como principal força política do país ao conquistar 22 das 50 cadeiras destinadas aos partidos políticos. Isto lhe garante poder de veto.
Com as 11 cadeiras da coalizão conservadora Chile Seguro, a direita e a ultradireita somam 56,5% dos votos e 33 convencionais, mais do que os três quintos necessários para aprovar seu projeto. A nova Constituição terá de ser referendada pelo voto popular em dezembro.
É mais uma grande derrota para o presidente esquerdista, Gabriel Boric, que venceu o fundador do PR, José Antonio Kast, no segundo turno por 56% a 44% em 19 dezembro de 2021. A Unidade para o Chile, de esquerda, formada pela Frente Ampla, o Partido Comunista e o Partido Socialista, teve 28% dos votos. Só elegeu 17 membros do Conselho Constitucional. Os povos indígenas ficaram com uma cadeira.
"O Chile derrotou um governo fracassado", declarou Kast no discurso da vitória. O movimento de outubro "foi derrotado hoje", acrescentou Javier Macaya, líder da União Democrática Independente (UDI), um partido tradicional da direita chilena.
A eleição de Boric, um ex-líder estudantil, e a mudança constitucional são resultados da onda de manifestações iniciada em outubro de 2019 depois de um aumento nos preços do metrô de Santiago. Cerca de 1,2 milhões de pessoas protestaram num dia contra a desigualdade social, a privatização da saúde, do ensino e da previdência social, heranças da Constituição de 1980, imposta pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-90).
Depois de reprimir o movimento no primeiro momento, o então presidente, o conservador Sebastián Piñera, concordou em convocar um plebiscito. Em 25 de outubro de 2020, 78% dos chilenos que foram às urnas (51% do total) votaram a favor de uma nova Constituição e 79% que ela fosse escrita por uma Convenção Constitucional eleita diretamente.
A Convenção Constitucional de 155 membros, eleita em maio de 2021, com maioria de candidatos independentes e de esquerda, redigiu uma Constituição considerada muito esquerdista, rejeitada num referendo em 4 de setembro de 2022 por 62% e 38%.
Boric apoiou o projeto derrotado, que declarava o Chile como um Estado plurinacional para incluir os povos indígenas, o que foi criticado como uma divisão do país, porque eles teriam seu próprio sistema de justiça. Também permitia o aborto e a reeleição do presidente, e acabava com o Senado.
A campanha do ano passado foi marcada por uma avalanche de mentiras e notícias falsas, como a que dizia que a Constituição acabaria com o direito de propriedade sobre a casa própria, bem ao estilo da extrema direita latino-americana.
Em uma referência ao projeto constitucional rejeitado, o presidente Boric alertou os vencedores a "não cometer os erros que cometemos": "O processo anterior fracassou, entre outras coisas, porque não soubemos ouvir quem pensava de modo diferente."
Como observou no Twitter o cientista político Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, "depois de notável série de vitórias de presidenciáveis esquerdistas na América Latina – no México, na Argentina, na Bolívia, no Peru, em Honduras, no Chile, na Colômbia e no Brasil –, há fortes indícios de que o pêndulo está se movendo para a direita."
Em dezembro, um impeachment acabou com o governo esquerdista de Pedro Castillo, que tentou dar um golpe de Estado no Peru. A vitória do conservador Santiago Peña no Paraguai não é novidade. Afinal, o Partido Colorado só não governou o país por quatro anos desde 1947. Mas o sucesso de Kast no Chile e o avanço da extrema direita são sinais de alerta.
Na Argentina, com inflação acima de 100% ao ano, o peronismo deve ser amplamente derrota em 22 de outubro. Há o risco de vitória do ultradireitista Javier Milei, que cresce nas pesquisas com o apoio dos jovens e pode chegar ao segundo turno. O presidente Alberto Fernández é tão impopular que não será candidato à reeleição, nota Stuenkel. Na Bolívia, o presidente Luis Arce não consegue controlar a pior crise econômica em anos.
A primeira onda rosa, com as eleições de Hugo Chávez, na Venezuela; Rafael Correa, no Equador; Tabaré Vázquez e José Mujica, no Uruguai; Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, no Chile; Lula, no Brasil; e o casal Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina; foi ideológica.
A volta da direita ao poder e a segunda onda da esquerda se devem mais ao fracasso dos governos anteriores à direita e à esquerda. Há uma crise da democracia na América Latina, que abre espaço para o populismo de esquerda e de direita e uma extrema direita neofascista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário