Sob ameaça de uma guerra comercial de Donald Trump e pressão dentro do seu próprio Partido Liberal, que está 26 pontos percentuais atrás dos conservadores nas pesquisas sobre as eleições a serem realizadas até outubro, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou hoje sua demissão da liderança do partido e da chefia do governo do Canadá. Ele fica nos cargos até o partido eleger um novo líder.
"É hora de um reinício", declarou Trudeau em frente de sua casa em Ottawa. "Este país merece fazer uma verdadeira escolha nas próximas eleições. (...) Se tenho de travar batalhas internas, não posso ser a melhor opção para as próximas eleições." É mais um líder progressista que cai neste momento em que eleitores insatisfeitos derrubam governos no mundo inteiro.
Sua queda fortalece Trump e enfraquece líderes progressistas em temas como o combate à fome e ao aquecimento global e na defesa dos direitos, propostos propostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a reunião de cúpula do Grupo dos Vinte (G-20) realizada em novembro no Rio de Janeiro.
Trudeau suspendeu o Parlamento, que disse estar "totalmente paralisado por obstrução e total falta de produtividade", até 24 de março. Evita assim um voto de desconfiança que anteciparia as eleições enquanto os liberais escolhem um novo líder. Só então vai renunciar oficialmente à chefia do governo. As eleições podem ser antecipadas para maio.
Segundo primeiro-ministro mais jovem da história do Canadá, Justin Pierre James Trudeau, hoje com 53 anos, é filho do ex-primeiro-ministro Pierre Elliott Trudeau e de Margaret Trudeau. O casal tinha uma diferença de idade de 30 anos e se divorciou quando Margaret foi suspeita de ter um caso com Mick Jagger, o líder dos Rolling Stones.
No poder desde 4 de novembro de 2015, Trudeau conquistou a maior vitória eleitoral da história do país. Com votos da classe trabalhadora, dos indígenas e dos jovens, tirou o Partido Liberal de uma década na oposição e do terceiro lugar a que foi relegado em 2011 pela liderança de Michael Ignatieff, um jornalista e escritor que passara boa parte da vida no exterior.
Logo se tornou um ícone do progressismo liberal com políticas inspiradas em parte pelo então presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Entre outras medidas, protegeu os povos indígenas, defendeu os direitos humanos no mundo, foi a favor da imigração e do acolhimento a refugiados, celebrou a diversidade, fez do combate ao aquecimento global uma prioridade, criou um imposto sobre combustíveis fósseis que desagradou os estados produtores de petróleo, proibiu os fuzis de assalto e legalizou o uso recreativo da maconha.
Em política externa, Trudeau renegociou o Acordo de Livre Comércio da América do Norte com os EUA e o México, aproximou-se da Europa e começou a desengajar o Canadá dos conflitos no Oriente Médio. Segundo maior país do mundo, com quase 10 milhões de quilômetros quadrados, o Canadá tem apenas 40 milhões de habitantes. É a nona maior economia do mundo, com produto interno bruto estimado em US$ 2,33 trilhões, e a 18ª maior renda per capita (US$ 53.834).
Seu governo foi abalado por sucessivos escândalos, mas Trudeau não foi alvo de nenhuma sanção. O combate à pandemia foi um sucesso, mas as famílias da baixa renda foram afetadas pelo fechamento da economia, o que abalou sua popularidade. Foi reeleito em 2019 e 2021, com bancadas menores.
A pandemia causou inflação e o influxo de refugiados de imigrantes e refugiados foi responsabilizado pela falta de moradia. Nos últimos 12 meses, cinco ministros pediram demissão.
O problema se agravou com a reeleição de Trump para a Presidência dos EUA. Trump acusa os países vizinhos pela entrada de drogas e imigrantes ilegais. Em retaliação ou para negociar, ameaça impor tarifas de 25% sobre a importação de produtos do Canadá e do México. Seria um duro golpe. O Canadá envia 75% de suas exportações para os EUA, com destaque para petróleo e automóveis, e não tem muitas opções para retaliar.
Em novembro, Trudeau foi à residência de Trump no clube Mar-a-Lago discutir a segurança na fronteira para tentar evitar um tarifaço que jogaria a economia canadense em recessão. Mas o presidente norte-americano o tem depreciado. Chama o primeiro-ministro de governador e diz que o Canadá teria grandes vantagens em se tornar o 51º estado dos EUA.
Um golpe fatal em Trudeau foi a demissão surpreendente em 16 de dezembro da vice-primeira-ministra e ministra das Finanças Chrystia Freeland, uma ex-jornalista do Financial Times que foi ministra do Comércio Internacional e ministra do Exterior.
Na carta de demissão, publicada no X, Freeland revelou que Trudeau lhe pediu o cargo de ministra das Finanças, num sinal de que não tinha mais confiança nela. As principais divergências são sobre como enfrentar a crise econômica e o "grave desafio" da guerra comercial de Trump.
"Precisamos levar essa ameaça extremamente a sério", escreveu Freeland. "Isso significa manter nossa pólvora fiscal seca hoje para que tenhamos as reservas que podemos precisar numa guerra tarifária. Isso significa evitar truques políticos caros que não podemos pagar e que fazem os canadenses duvidar de que reconhecemos a gravidade do momento."
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