sábado, 4 de novembro de 2006

Guerra das papeleiras e ausência de Lula esfriam Cúpula Ibero-Americana em Montevidéu

BUENOS AIRES - Os moradores da cidade argentina de Gualeguaychú fecharam hoje a ponte que a liga com o Uruguai, com a conivência das autoridades da Argentina, retomando os protestos contra a instalação de fábricas de papel e celulose junto ao Rio Uruguai, no lado uruguaio da fronteira. Este conflito provoca há meses uma tensão entre o Uruguai e a Argentina, dois sócios do Mercosul que a rigor deveriam resolver este tipo de problema dentro do bloco, criando regras ambientais para a integração regional.

Na ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que alegou cansaço da campanha eleitoral, o primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, apressou-se em se apresentar como mediador. O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, teria apelado ao rei Juan Carlos para "facilitar o diálogo" com o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez. Na opinião do governo uruguaio, Lula fugiu de sua responsabilidade como presidente pro tempore do Mercosul.

Para o Uruguai, é uma questão de soberania nacional, como disse o ministro do Exterior, Reinaldo Gargano, em entrevistas à imprensa argentina. O investimento representa 15% do produto interno bruto do Uruguai.

A Argentina alega que as fábricas de papel e celulose poluirão o meio ambiente. Nesta semana, a Botnia, que é finlandesa, pediu autorização para extrair duas vezes mais água do que tirava do rio. Os ambientalistas e o governo argentino alegam que isto viola o Tratado do Rio Uruguai, que dispõe sobre o uso compartilhado do rio pelos países ribeirinhos.

Como parte mais fraca nesta briga, o Uruguai apelou ao Mercosul em abril passado, na esperança de usar o bloco regional para contrabalançar o peso maior da Argentina. Lula chegou a falar com a presidente da Finlândia. Mas o presidente argentino, um político autoritário e turrão, ficou furioso. Fez do problema uma questão nacional e incentivou o conflito ao não impedir o bloqueio das estradas que ligam os dois países, apesar do protesto do Uruguai, que ameaçou recorrer à Organização Mundial do Comércio em nome da livre circulação de mercadorias.

A Argentina recorreu à Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, em Haia, na Holanda, para embargar as obras. Uma empresa espanhola desistiu mas a finlandesa Botnia está construindo sua fábrica. Desde então, passou a torcer para que o Banco Mundial não financiasse a obra mas o banco aprovou o projeto.

Kirchner não gosta de grandes conferências, que são realmente contraproducentes se não houver uma série de reuniões de trabalho prévias para preparar tudo antes da chegada dos chefes de Estado e de governo. A conferência começou formalmente ontem à noite. O presidente argentino voltou para Buenos Aires hoje de manhã, logo depois da reunião de trabalho, sem se encontrar, mais uma vez, com seu colega uruguaio, Tabaré Vázquez. Só estava interessado realmente em pedir a mediação do rei da Espanha, passando por cima do Mercosul.

A Guerra das Papaleiras reflete bem a crise do Mercosul e da integração latino-americana. Se a Comunidade Européia, que é o grande modelo, foi criada para evitar novas guerras na Europa, é claro que um dos grandes objetivos é usar o bloco regional para negociar uma solução pactuada dos conflitos. Isto exige a criação de instituições e de normais supranacionais.

Em Montevidéu, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, alegou que a mediação só é possível quando as duas partes estão interessadas. Mas se o Mercosul tivesse regras ambientais para instalação de indústrias de papel e celulose na região, bastaria fazer os investidores estrangeiros se adaptarem. Como suas decisões ainda dependem da química entre os presidentes, há um enorme espaço para o personalismo político e uma figura autoritária como Kirchner rejeita intervenções de terceiros.

Por outro lado, o Uruguai, que ameaçou sair do Mercosul, transformou a guerra das papeleiras numa questão de soberania nacional - e não está disposto a ceder. Este ressurgimento do nacionalismo na América Latina, que também é evidente na Bolívia, na Venezuela, no Peru e no Equador, não contribui para a integração regional.

É fácil condenar a construção de um muro de 1.120 quilômetros na fronteira dos EUA e o México. Mas só chegar a acordo em torno disso é muito pouco.

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