Com vitórias em todos os estados-chaves, o ex-presidente Donald Trump está praticamente eleito presidente dos Estados Unidos. Vence não só no Colégio Eleitoral, mas no voto popular. Trump melhorou sua votação entre negros e latinos, e conquistou em toda parte, inclusive nos cinco bairros de Nova York.
O grande derrotado é o presidente Joe Biden, que insistiu em ser candidato, apesar da idade avançada, ao contrário do que havia prometido na campanha de 2020. Nos primeiros anos de governo, ele escondeu a vice-presidente Kamala Harris. Só desistiu sob pressão, um mês depois de um debate desastroso em 27 de junho. Mas aí não havia mais tempo para uma competição pela candidatura.
Nenhum partido manteve o poder nos EUA com um presidente com apenas 41% de aprovação. Biden adotou políticas importantes, por exemplo, no combate ao aquecimento global, mas não teve energia para viajar pelo país e defender as propostas do governo. Político medíocre, conseguiu barrar a reeleição de Trump em 2020, mas será julgado duramente pela história.
A vitória de Trump dá um ânimo à extrema direita e à ascensão do neofascismo em escala global. O grande vencedor é o ditador da Rússia, Vladimir Putin, já que os EUA devem cortar ou ao menos diminuir significativamente o apoio à Ucrânia. Os aliados europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não podem mais contar com a proteção dos EUA.
As políticas ambientais de Biden também devem ser anuladas. Durante a campanha, Trump defendeu os combustíveis fósseis e a perfuração de mais poços de petróleo. No primeiro governo, ela retirou os EUA do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima. Deve fazer o mesmo de novo.
O grande argumento da campanha de Trump foi a economia. A campanha democrata falhou ao não insistir que o aumento da inflação e do custo de vida são consequência da pandemia, que causou choques de oferta e de demanda, de oferta porque as empresas produziram menos e de demanda porque as pessoas ficaram mais em casa e consumiram menos.
Para evitar uma recessão, os governos Trump e Biden deram dinheiro aos norte-americanos. Quando a situação melhorou, a população foi às compras e a demanda correu na frente da oferta. A inflação chegou a 10% ao ano, a maior em 40 anos. Caiu depois, mas os preços não recuaram, não voltaram ao patamar anterior à pandemia.
Há uma semana, o jornal conservador The Wall Street Journal, porta-voz do centro financeiro de Nova York, que apoia Trump, afirmou que o próximo governo vai herdar uma economia formidável, mas 72% dos norte-americanos acreditam que o país estava indo na direção errada.
Trump vendeu a ideia de que é mais competente na economia, mas é um empresário que recebeu uma fortuna de centenas de milhões de dólares do pai, que queria ocultar patrimônio. Trump faliu seis vezes e ficou mais de 10 anos sem pagar imposto de renda federal alegando prejuízos. De 1985 a 1994, as principais empresas de Trump perderam dinheiro todos os anos, num total de mais de US$ 1 bilhão. Em 1990 e 1991, perderam mais de US$ 250 milhões por ano, mais do que o dobro de qualquer outro contribuinte.
Na campanha, Trump prometeu novos cortes de impostos para os ricos e as grandes empresas, e a imposição de tarifas de 20% sobre todas as importações e 60% sobre produtos chineses. Isto pode ter forte impacto inflacionário.
Acima de tudo, Trump é uma ameaça à mais antiga democracia do mundo. É o único presidente que não reconheceu a derrota e tentou dar um golpe de Estado para ficar no poder. Incentivou a invasão do Congresso para tentar impedir a certificação da vitória de Biden em 6 de janeiro de 2021.
Agora, ameaça usar a máquina pública, inclusive o Exército, para perseguir adversários políticos que chama de "inimigo interno". Além de postura mussolinesca de queixo empinado, Trump usou expressões do ditador nazista Adolf Hitler ao acusar imigrantes de "envenenar o sangue" dos EUA. Noutro dia, citou sua própria genética para se apresentar como superior.
O Projeto 2025, feito pelo instituto conservador Heritage Foundation, prevê a redução da independência da máquina pública, com demissão em massa de funcionários estatutários a serem substituídos por nomeações políticas, e a deportação de 10 milhões de imigrantes ilegais. Se for implementado, será um golpe à democracia nos EUA.
Se o primeiro mandato de Trump parecia um golpe de sorte, um acidente ou uma anomalia histórica, já que a ex-secretária de Estado e ex-primeira-dama Hillary Clinton ganhou no voto popular por 2,8 milhões em 2016, a volta de Trump revela uma mudança importante num país onde a maioria branca está atormentada com a expectativa de deixar de ser maioria.
Trump é racista, machista e fascista. O historiador Robert Paxton, especialista em fascismo, resistia em usar o termo para não banalizar a ideia. Depois do assalto ao Capitólio, mudou de ideia por causa da violência, do uso da força para fazer política, principal característica do fascismo.
Ele foi condenado em Nova York por 34 acusações de fraude e falsificação de documentos de suas empresas para pagar US$ 130 mil para comprar o silêncio de uma atriz pornô com quem teve um caso. Os dois processos federais pelo ataque ao Congresso e por levar para casa documentos secretos e ultrassecretos serão anulados. Há um quarto, no estado da Geórgia, por pressionar autoridades eleitorais e mudar o resultado da eleição de 2020.
Por mais inacreditável que pareça, um criminoso condenado será o próximo presidente dos EUA. Trump concorreu principalmente para não ir para a cadeia – e conseguiu. Serão quatro anos de caos, sangue, suor e lágrimas.
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