domingo, 6 de maio de 2012

Vitória de Hollande recoloca crescimento na agenda

A rigorosa austeridade fiscal imposta pela Alemanha como solução para a crise das dívidas públicas da Zona do Euro foi derrotada nas urnas. Com a vitória de François Hollande na França, a União Europeia terá de discutir formas de aumentar o crescimento. É sua maior exigência.

No discurso da vitória, Hollande reafirmou sua promessa de campanha: "A austeridade não pode mais ser uma fatalidade na Europa".

O remédio amargo levou o desemprego a 24% na Espanha e 21% na Grécia, com metade dos jovens dos dois países sem trabalho. Em Atenas, um grego aposentado se matou semanas atrás alegando que não conseguia mais viver com sua pensão e que seria humilhante esmolar nas ruas.

Neste domingo, o eleitorado grego puniu os partidos tradicionais. A Nova Democracia, de centro-direita, primeira responsável pela crise, venceu as eleições parlamentares com 19,8% dos votos, mas foi seguida pela coligação radical de esquerda Syriza, a favor de continuar usando o euro mas contra o ajuste fiscal "bárbaro", com 16,2%. O Partido Socialista Pan-Helênico (Pasok), que governava a Grécia até o fim do ano passado, teve apenas 13,3% dos votos.

Desde a democratização da Grécia, em 1974, Pasok e Nova Democracia se alternavam no poder, conquistando cerca de 70% dos votos. Hoje, tiveram pouco mais de 30%. O novo governo grego, que só pode sair de uma ampla coalizão, terá de economizar mais 8 bilhões de euros para atender às exigências da UE e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e continuar recebendo ajuda para pagar sua dívida.

As políticas de cortes de gastos públicos e aumentos de impostos para equilibrar as finanças públicas perderam a legitimidade política. Para a opinião pública europeia, a crise começou no sistema financeiro. É injusto transferir a conta para toda a sociedade.

Como o estrago nas contas públicas está feito, resta buscar formas de retomar o crescimento e aumentar o nível de emprego sem deteriorar ainda mais a situação fiscal. Este é o desafio. De onde tirar recursos para os investimentos necessários?

O setor privado, que no mundo inteiro estaria montado numa poupança de US$ 6 trilhões, não vai aumentar a produção sem uma perspectiva de crescimento de vendas. Por sua vez, o consumidor só vai gastar mais se tiver confiança no futuro e não tiver medo de perder o emprego.

É preciso romper um ciclo vicioso, e a Alemanha, único país em condições financeiras de aplicar um estímulo fiscal forte, reluta. Foram os alemães que impuseram uma rigorosa disciplina fiscal por não quererem pagar as dívidas de gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis e italianos. Para os alemães, seria premiar a irresponsabilidade alheia. Mas a Alemanha sabe que sua prosperidade depende de uma Europa unida e forte.

Qualquer mudança de rumo na política econômica terá de partir de uma reação comum dos governos diante da rejeição popular à austeridade sufocante. O presidente Nicolas Sarkozy é o décimo-primeiro líder europeu a perder o emprego com a crise. Nos grandes países do continente, resta apenas a chanceler (primeira-ministra) alemã Angela Merkel.

Merkel já indicou que não pretende renegociar o pacto fiscal de sustentação do euro como quer Hollande para incluir apoio ao crescimento. Mas, nos últimos dias, Merkel admitiu que a Europa precisa voltar a crescer. Disse que isso pode ser feito sem dinheiro novo, mas pouca gente acredita nisso.

O economista americano Paul Krugman está lançando Acabem com está depressão agora! No seu novo livro, acusa os líderes da Europa e dos Estados Unidos de criar uma crise gratuitamente, com dor, sofrimento e destruição da empresas desnecessários.

Krugman insiste na fórmula do economista britânico John Maynard Keynes, que defendia um aumento nos gastos públicos durante crises para compensar a queda no consumo até que os agentes privados tivesse retomado seu vigor. Ele afirma que a Europa está dando um tiro no pé, com sérias implicações para o mundo inteiro.

Está em jogo o modelo social-democrata europeu. A integração do continente seria duramente abalada por um fracasso da união monetária. A UE é muito mais do que o maior mercado do mundo. É uma aliança de países que decidiram renunciar à guerrra e à violência para resolver os conflitos entre si. É um projeto pós-nacional de cooperação e desenvolvimento. É um exemplo de como pode funcionar uma globalização social-democrata, com transferência de fundos para o desenvolvimento dos países mais pobres.

A Grande Recessão desprestigiou o modelo liberal anglo-americano. Com o aumento da desigualdade social, a desindustrialização e a crise de seu sistema político, os EUA deixaram de ser modelo para o resto do mundo.

A China, superpotência ascendente, tem sérios problemas políticos, como mostram o expurgo do alto dirigente Bo Xilai e a perseguição ao advogado cego Chen Guangcheng. O modelo chinês só seduz hoje ditadores africanos interessados em dinheiro que chegue sem exigências políticas.

Sob o peso da crise das dívidas públicas, a Europa tem mais uma oportunidade de entender num mundo dominado por superpotências como os EUA e a China sua alternativa é mais integração ou irrelevância política. A crise europeia exacerba o radicalismo nacionalista que desgraçou o continente e causou duas guerras mundiais.

Com a ascensão da extrema direita, renascem fantasmas enterrados há muito tempo. A Grande Depressão (1929-39) elevou as taxas de desemprego a 25% nos EUA e 12% na Alemanha. Foi um dos fatores da vitória do Partido Nacional-Socialista (nazista) nas eleições de 1932 e na ascensão de Hitler.

A Europa não pode cometer suicídio outra vez.

Nenhum comentário: