quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Argentina abre arquivos da última ditadura

No momento em que a questão ameaça provocar uma crise militar no governo Lula, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, assinou ontem um decreto abrindo todos os arquivos da última ditadura argentina (1976-83), acusada pelo desaparecimento de 30 mil pessoas, com a exceção dos relativos à Guerra das Malvinas.

As Forças Armadas, lideradas pelo comandante do Exército, general Jorge Rafael Videla, e do comandante da Marinha, almirante Emilio Eduardo Massera, tomaram o poder em 24 de março de 1976, derrubando a presidente María Estela Martínez, a Isabelita, no último de uma série de golpes entremeados por curtos períodos democráticas que se arrastava desde a queda do presidente Hypolito Irigoyen, em 1930.

O país já estava em guerra civil, com vários grupos paramilitares. À direita, a linha-dura militar anticomunista e a Aliança Anticomunista Argentina, um esquadrão da morte liderada pelo ministro do Bem-Estar Social de Isabelita, José López Rega, peronista de direita.

Do outro lado, havia vários  grupos guerrilheiros de esquerda, como os Montoneros, peronista e nacionalista de esquerda, e o Exército Revolucionário do Povo (ERP), trotskista.

Sob o jugo da ditadura, uma guerra suja devastou a esquerda argentina. Cerca de 62% dos desaparecidos foram sequestrados em suas próprias casas; 25% no centro de Buenos Aires.

Depois da Guerra das Malvinas (1982), quando os militares perderam a autoridade moral para governar a Argentina, e a democracia foi restaurada, o presidente Raúl Alfonsín (1983-89) criou uma comissão presidida pelo físico e intelectual Ernesto Sábato para investigar o desaparecimento de pessoas.

Os nove comandantes das três juntas militares que governaram a Argentina foram processados e condenados, em 1985 e 1986. Mas uma série de rebeliões militares dos caras-pintadas fizeram Alfonsín recuar e aceitar as leis Ponto Final e de Obediência Devida.

Na prática, essas leis anistiavam os militares de médio e baixo escalões que executaram as ações criminosas da ditadura. Não foi suficiente. Novas revoltas dos torturadores e assassinos levaram o presidente Carlos Menem (1989-99) a indultar os nove comandantes, garantindo assim a total impunidade dos responsáveis pela guerra suja argentina.

Ao assumir a presidência em 2003, depois da pior crise econômica da história recente, Néstor Kirchner (2003-07) revogou as leis Ponto Final e de Obediência. Os processos contra ditadores, generais, coronéis e oficiais de patentes inferiores foram reabertos.

A revelação de todos os documentos até agora classificados como secreto dará margem a novas ações em busca de Justiça, ainda que tardia.

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