sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Sobreviventes da bomba atômica ganham Prêmio Nobel da Paz

 O Prêmio Nobel da Paz de 2024 traz uma advertência à humanidade sobre a volta do risco de uma guerra nuclear, que se tornou mais provável com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. Ganhou a organização não governamental japonesa Nihon Hidankyo, formada por sobreviventes das bombas atômicas de Hiroxima (foto) e Nagasáki por sua luta "por um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar através de seu testemunho que as armas nucleares não devem ser usadas nunca mais", anunciou hoje o comitê norueguês do Prêmio Nobel.

Ao receber a notícia, o presidente da Nihon Hidankyo, Toshiyuki Mimali, declarou que seu maior sonho é "abolir as armas nucleares enquanto estamos vivos."

As duas bombas jogadas pelos Estados Unidos para acabar com a Segunda Guerra Mundial (1939-45) em agosto de 1945 mostraram ao mundo o que seria um apocalipse nuclear. Pelo menos 80 mil pessoas morreram em Hiroxima e 60 mil em Nagasáki nos primeiros dias, e mais de 300 mil até hoje contando as vítimas dos efeitos de longo prazo da radiação.

É a décima vez que o Prêmio Nobel da Paz vai para a luta contra as armas mais mortíferas produzidas pelo homem, do político britânico Philip Noel Baker em 1959 à Campanha Internacional pela Abolição de Armas Nucleares em 2017.

Mais de 100 mil sobreviventes da bomba, os hibakushas, estão vivos. Eles "ajudam a descrever o indescritível, a pensar o impensável, e de alguma forma entender a dor e o sofrimento incompreensível causada por armas nucleares", declarou Jorden Watne Frydnes, presidente do Comitê do Prêmio Nobel da Paz.

"A começar pelos atos desumanos em Hiroxima e Nagasáki, formos oprimidos pelos EUA e abandonados pelo governo do Japão por um longo tempo", afirmou o secretário-geral da Nihon Hidankyo, Sueichi Kido, sobrevivente de Nagasáki, ao receber a notícia do prêmio,

O comitê destaca que, se as armas atômicas nunca mais foram usadas, as potências nucleares estão modernizando seus arsenais e outros países tentam fazer a bomba. Não citou nenhum país, mas, desde o início da invasão da Ucrânia, o ditador russo, Vladimir Putin, faz uma chantagem nuclear, ameaçando usar armas nucleares táticas na Ucrânia.

Ao mesmo tempo, a Coreia do Norte entrou para o clube nuclear em 2006 e o Irã está perto de fazer a bomba. Isto pode deflagrar novas corridas armamentistas nucleares no Oriente Médio e no Leste da Ásia. No momento, Israel examina as opções para retaliar um ataque de mísseis iranianos contra seu território. Entre elas, está um bombardeio às instalações nucleares do Irã para tentar impedir ou ao menos retardar o desenvolvimento da bomba nuclear iraniana.

"O mundo está recuando no desarmamento nuclear", observou Masako Wada, sobrevivente de Nagasáki e membro da Nihon Hidankyo. "A invasão da Ucrânia causou um sofrimento humano indescritível e aumentou o risco de guerra nuclear. Dediquei minha vida à abolição de armas nucleares. Sinto como os humanos são pecaminosos. Em vez de raiva, sinto tristeza e medo de quão profundamente os humanos caem na escuridão. Temos de continuar a ir em frente para transmitir o nosso desejo, a nossa esperança de rejeitar as armas nucleares."

"Os esforços extraordinários de Nihon Hidankyo e de outros representantes dos hibakushas contribuíram muito para o estabelecimento do tabu nuclear", comentou o presidente do Comitê Norueguês do Nobel. É portanto alarmante que este tabu contra o uso de armas nucleares esteja sob pressão. As potências nucleares estão modernizando e aperfeiçoando seus arsenais; novos países parecem estar se preparando para adquirir armas nucleares; e há ameaças de uso de armas nucleares em guerras em andamento." 

"Neste momento da história, é importante relembrar que as armas nucleares são as armas mais destrutivas que o mundo já viu", destacou o comitê do Nobel da Paz. "Um dia, os hibakushas não estarão mais entre nós como testemunhas da história. Mas, com uma cultura de lembrança e um compromisso contínuo, novas gerações no Japão vão levar adiante a experiência e a mensagem das testemunhas. Eles são uma inspiração e educadores das pessoas ao redor do mundo. Neste sentido, ajudam a manter o tabu nuclear – uma precondição para um futuro pacífico para a humanidade."

O diretor do Instituto de Pesquisas da Paz de Oslo (PRIO), Henrik Urdal, observou que, "numa era em que emergem sistemas de armas automatizados e da guerra orientada pela inteligência artificial, o apelo [dos laureados] ao desarmamento não é só histórico, é uma mensagem crítica para nosso futuro."

Hoje o mundo tem nove potências nucleares (EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e a Coreia do Norte) e 13 mil ogivas nucleares em estoque, de acordo com a União de Cientistas Preocupados.

Todos os acordos negociados para acabar com a Guerra Fria entre EUA e União Soviética caducaram, menos o Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (New START), assinado em 2010 pelos então presidentes dos EUA, Barack Obama, e da Rússia, Dimitri Medvedev. No início do governo Joe Biden (2021-25), foi prorrogado até 5 de fevereiro de 2026 para dar tempo à renegociação. 

Ao invadir a Ucrânia à revelia do direito internacional, o ditador russo se mostrou um negociador inconfiável. Vladimir Putin não é Mikhail Gorbachev, o último líder soviético, decisivo para o fim da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, a China, superpotência em ascensão, trabalha para ao menos equiparar seu arsenal nuclear aos dos EUA e da Rússia.

A Nihon Hidankyo ganha um prêmio de 11 milhões de coroas suecas, cerca de R$ 5,9 milhões.
Na segunda-feira, será anunciado o ganhador do Prêmio Nobel de Economia.

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