sexta-feira, 2 de junho de 2006

Pentágono inocenta soldados de matança em Ichak

Um inquérito do Exército dos Estados Unidos sobre uma alegada chacina em Ichak, uma vila ao norte de Bagdá, concluiu que os soldados americanos não fizeram nada de errado, embora admita a morte de pelo menos nove civis inocentes em 15 de março passado. Em entrevista para televisão, o primeiro-ministro do Iraque, Nuri al-Maliki, acusou os soldados americanos de "ataques diários" contra civis "atropelando-os com seus veículos ou matando-os por simples suspeita".

Já o advogado de famílias de alguns dos 24 iraquianos massacrados por fuzileiros navais em Haditha, em 19 de novembro de 2005, disse que três ou quatro marines mataram os civis, inclusive mulheres e crianças, dentro de suas casas, enquanto outros 20 esperavam do lado de fora. As famílias das vítimas rejeitaram um pedido de exumação dos corpos para exame médico-legal porque vai contra o islamismo.

A investigação sobre o ataque Ichak afirma que os soldados pediram cobertura aérea quando foram atacados ao se aproximar de uma casa onde acreditavam que havia um terrorista da rede Al Caeda, responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, declarou o general William Caldwell, porta-voz do comando militar americano no Iraque, admitindo "possivelmente até nove mortes colaterais".

Além de Haditha e Ichak, sete fuzileiros navais e um marinheiro podem ser acusados de conspiração, seqüestro e assassinato pela morte a tiros de um iraquiano no oeste de Bagdá.

O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, defendeu o comportamento dos soldados dos EUA no Iraque: "Sabemos que 99,9% das nossas tropas se comportam de maneira exemplar. Sabemos que em conflitos acontecem coisas que não deveriam acontecer. Não esperamos que os soldados americanos façam isto, eles são treinados para não fazer."

Em Haditha, revoltados pela morte de um companheiro, um grupo do 3º Regimento dos Fuzileiros Navais atacou casas próximas e matou vários homens que chegavam de táxi. Numa casa, eles prenderam quatro irmãos num armário e os fuzilaram, afirmou o advogado Khaled Salem Rsaief.

Além da chacina em si, o Pentágono está investigando o acobertamento do crime. Dois dias depois do massacre, revela o jornal The New York Times deste sábado, os comandantes dos marines envolvidos souberam da matança mas não orderam uma investigação.

Uma das questões é que o governo George Walker Bush atropela as leis americanas e internacionais em nome da guerra contra o terror, do combate a um mal maior. Há diversas denúncias de torturas na prisão instalada na base americana em Guantânamo, em Cuba, no Afeganistão e no Iraque. A CIA (Agência Central de Inteligência) realizou mais de mil vôos clandestinos da Europa para levar suspeitos de terrorismo para países onde a tortura não é punida, como Arábia Saudita, Egito, Jordânia, Marrocos e Síria.

O atual ministro da Justiça e procurador-geral dos EUA, Alberto Gonzales, fez o parecer em que alega que os presos na guerra contra o terror são "combatentes ilegais" porque não pertencem a um exército regular, não usam uniforme nem obedecem a uma hierarquia. Assim, o governo Bush lhes nega o reconhecimento como prisioneiros de guerra e os direitos garantidos pelas Convenções de Genebra.

Ao tomar estas atitudes na guerra, além de espionar seus próprios cidadãos dentro dos EUA, o governo Bush criou um padrão de desrespeito da lei que passa a idéia de que vale tudo para combater terroristas e suspeitos de terrorismo.

Nos EUA, a chacina em Haditha está sendo comparada ao massacre de My Lai, durante a Guerra do Vietnã. Em 16 de março de 1968, o Exército iniciou uma operação de "busca e destruição" numa das regiões mais perigosas do Vietnã do Sul. Era uma base dos guerrilheiros vietcongues, que lutavam contra a intervenção militar americana. A população local era hostil aos americanos.

Não encontrando inimigo algum, os soldados promoveram uma matança generalizada de homens, mulheres e crianças. No dia seguinte, um comunicado do comando militar americano em Saigon, capital do Vietnã do Sul, informava que 128 inimigos haviam sido mortes numa operação na província de Quang Ngai. Não houve referência a My Lai.

Em 1970, durante seu julgamento numa corte marcial, o tenente William Calley, líder do pelotão, declarou que a ordem do comandante de sua companhia, capitão Ernest Medina, era remover os moradores da aldeia e, caso se recusassem, "acabar com eles". O inquérito apontou 347 mortes.

Um dos primeiros documentos sobre o massacre de My Lai, uma carta de um soldado da mesma divisão encaminhada ao chefe de operações, tenente-coronel Colin Powell, futuro chefe do Estado-Maior e secretário de Estado. Ele investigou o caso e concluiu que as alegações eram falsas.

Só em novembro de 1969 a verdade realmente apareceu, depois que Ron Ridenhour, outro soldado que ouvira falar de My Lai por companheiros, escreveu cartas ao presidente Richard Nixon, ao Pentágono, ao Departamento da Defesa e ao Congresso.

O capitão Medina, absolvido da acusação de matar 102 vietnamitas, admitiu depois ter mentido a seus superiores sobre o total de mortes. Quatorze oficiais foram acusados de acobertar o massacre de My Lai. Nenhum foi condenado.

Calley, o oficial de patente mais baixa acusado, foi condenado em 1971 por homicídio premeditado a prisão perpétua e trabalhos forçados. Mas Nixon converteu sua pena para prisão domiciliar. Em 1974, ele ganhou liberdade condicional.

My Lai também teve seus heróis. Hugh Thompson e dois companheiros chegaram de helicóptero durante o massacre. Ameaçaram atirar nos soldados que matavam os vietnamitas e resgataram 12 sobreviventes. Os três foram condecorados por bravura. Thompson morreu de câncer em janeiro passado. Em entrevista à TV há dois anos, disse que passou a vida inteira tentando esquecer o que viu em My Lay: "Juro por Deus, não consigo".

Nenhum comentário:

Postar um comentário